Há mais de duas décadas, a poliomelite, também conhecida como paralisia infantil, está erradicada no Brasil, mas a notícia não deve ser necessariamente comemorada. A baixa cobertura vacinal contra a doença – apenas 77% das crianças – acendeu o sinal amarelo do Ministério da Saúde, que lança a partir desta segunda-feira (6), campanha nacional de vacinação para crianças de 1 a 5 anos. A proteção contempla também sarampo, que havia sido erradicado em 2016, mas retornou ao país com força, e só em 2018 já registrou mais de 800 casos, sobretudo no Amazonas e Roraima.
Para apoiar a estratégia de vacinação, o governo promove campanha publicitária assinada pela agência Fields360, que traz a apresentadora Xuxa Meneghel direto do túnel do tempo, fazendo uma revisita aos anos 1980. A comunicação é baseada no conceito “Se tem infância, tem vacinação”, e faz referência à época em que os adultos de hoje ainda eram baixinhos. No filme, personagens infantis da atualidade, como a Galinha Pintadinha, o mascote Zé Gotinha e dançarinos do game Just Dance fortalecem a mensagem de prevenção dos pequenos.
Segundo Sidney Campos, CEO da Fields360, a abordagem nostálgica e de apelo sentimental foi a saída encontrada para gerar identificação com o público, e, assim, aumentar a aderência à campanha. “A comunicação de interesse público se transformou muito nos últimos anos. A população só vai se ater a essa informação se ela for atrativa. Essa mudança de chave no ponto de vista de linguagem ocorreu porque não adianta a agência fazer comunicação chapa branca, porque aquilo não é de interesse das pessoas”.
Segundo o executivo, para que campanhas públicas sejam endossadas, elas precisam fazer parte da vida da população. “As pessoas devem se enxergar naquela propaganda. Estamos com um problema sério porque as crianças não estão sendo vacinadas. Nesse sentido, a comunicação de governo tem de ser ousada, atraente e no momento certo”.
A comunicação feita pelo governo é popularmente mais lembrada quando o assunto é propaganda de interesse público, mas vale lembrar que cada vez mais entidades não governamentais e a iniciativa privada também têm se apropriado dessas mensagens. Para André Lima, sócio e VP de criação da NBS, isso ocorre porque “o Brasil tem demandas imensas que não vão ser resolvidas na velocidade necessária apenas pelos governos e ONGs, daí a adesão das marcas”. Para o executivo, essa prestação de serviço é uma contribução relevante para a transformação da realidade do país.
No projeto Favelagrafia, idealizado pela NBS Rio+Rio, por exemplo, fotógrafos de nove comunidades foram convidados a mostrar seu olhar sobre o lugar onde vivem. As imagens alimentam o perfil no Instagram @favelagrafia, e, em 2017, também receberam exposição. O projeto foi incentivado pela Prefeitura do Rio de Janeiro, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, com patrocínio do Consórcio Linha 4 Sul do metrô do Rio. “Governos e ONGs têm papel importante nesse processo de transformação, mas as demandas são muitas. A iniciativa privada pode e deve completar esse serviço de comunicação”, ressalta Lima.
Rodolfo Medina, da Artplan, concorda com o colega, ressaltando que as marcas entenderam que conteúdos que tragam insumos para transformar contextos e pessoas é a evolução da conversa com seus consumidores. “Acredito que, por isso mesmo, a comunicação de interesse público tem estado em destaque. Conversas pedem troca e a audiência só troca com aquilo que é relevante e genuíno para ela”. Nesse sentido, a agência desenvolve para a Amil desde 2014 campanha do Movimento Obesidade Infantil Não, focada em disponibilizar conteúdos informativos e confiáveis para a população. Neste ano, o documentário Anos Invisíveis evidencia os riscos de as crianças ficarem muito tempo expostas a aparelhos eletrônicos.
Diferenças na essência
Para Vitor Barros, VP de atendimento e gestão da Propeg, enquanto a comunicação pública tem sua relevância à medida que serve para governos prestarem contas de como tem utilizados os recursos de impostos, a comunicação de interesse público tem como principal papel chamar atenção para temas relevantes para a sociedade. “O trânsito, por exemplo, é uma coisa que todo mundo deve discutir, não apenas os governos. Todo mundo se preocupa com os acidentes e mortes. Nesse sentido, a comunicação adequada entra na conscientização e tentativa de reduzir esses índices”. Como exemplo, o executivo cita a campanha Siga Seguro, produzida pela Propeg para o Detran-SP. Protagonizada pelo personagem Jackson Five, motoboy fictício do humorista Marco Luque, a comunicação usou a irreverência para conscientizar os motociclistas sobre os riscos da alta velocidade no trânsito. “Mensagens relacionadas ao trânsito não se esgotam, assim como a comunicação de interesse público no geral. As pessoas precisam ser lembradas repetidamente. Mudar questões culturais é um desafio. Todo mundo coloca cinto, mas anos atrás isso não existia, precisava ter a mensagem para que isso se tornasse hábito. Hoje temos problema com uso de celular no trânsito. Para mudanças comportamentais, é importante ter engajamento da sociedade e assim criarmos um novo padrão”, explica Barros.
Comunicação para todos
Como o próprio nome sugere, a propaganda de interesse público deve ser destinada para a sociedade de forma geral, o que não quer dizer que não deva ser direcionada a públicos específicos. Um dos desafios de quem cria essas mensagens é equilibrar o tom e o formato para que a campanha tenha aderência. Segundo Mateus Braga, diretor-executivo de criação da Isobar, que detém a conta de publicidade digital da Secretaria de Comunicação Social (Secom), do Governo Federal, a propaganda de governo costumava ser pouco criativa no passado, mas esse cenário mudou com os esforços em entender o comportamento do cidadão.
“A gente evoluiu nessas mensagens. Isso partiu de uma mudança estratégica de sair da mídia de massa e apontar para canais mais segmentados para entregar um conteúdo mais personalizado”. O executivo destaca o trabalho feito por alguns governos estaduais e municipais com o WhatsApp, por exemplo, onde departamentos de defesa fazem alertas sobre catástrofes, acidentes e incêndios. Formato semelhante está sendo testado pela Secom apenas com os servidores públicos, que recebem mensagens sobre cuidados com a saúde no inverno, por exemplo, e replicam para seus amigos e familiares por meio da plataforma de mensagens instantâneas. A ideia é que em breve esse canal de comunicação seja estendido a toda população.
Ainda sobre novos formatos e mensagens personalizadas, a Fields360 fez referência ao universo da série Stranger Things, da Netflix, na campanha de vacinação contra o HPV e menigite C. O vídeo criado para o Ministério da Saúde em março deste ano teve como foco jovens de 9 a 14 anos. Para Campos, o duplo desafio é ser informativo para um público tão jovem e ao mesmo tempo não estimular o amadurecimento precoce, principalmente por se tratarem de doenças sexualmente transmissíveis. “Por serem assuntos muito técnicos, precisamos traduzir isso. As agências devem ser criativas para que a população receba essa mensagem e compreenda que precisa se engajar. Transformamos essa coisa massuda em um conteúdo gostoso de se consumir”.
Para André Lima, da NBS, a última barreira para esse tipo de comunicação é conseguir ser firme nas respostas duradouras dadas à população. “Há uma expectativa de respostas rápidas para tudo. A gente está se desacostumando a refletir e se aprofundar. A superficialidade é um desafio porque deve haver a manutenção e continuidade de mensagens que precisam de tempo para serem assimiladas. A transformação de hábito não é imediata. O processo de mudança de cultura é longo”, finaliza o executivo.
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