Uma série de discordâncias diante de decisões que envolvem concorrências públicas no Estado de São Paulo geraram, no último mês, uma polêmica acerca dos resultados e práticas adotadas nos processos em questão. O assunto ganhou notoriedade quando representantes de algumas agências, que se sentiram prejudicadas em licitações em andamento, entre elas Sabesp, Metrô de SP e CDHU, começaram a cobrar um posicionamento da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade) com relação a resultados que, segundo os reclamantes, ferem as cláusulas dos editais.
Entre os casos indicados como supostos problemas está a nota zero recebida pela Fischer&Friends na concorrência por Sabesp, a qual a agência lidera juntamente com Lew’LaraTBWA e DM/Blackninja (Duda), após abertura das propostas técnicas. Segundo consta no documento de licitação, a agência teria zerado no quesito “Avaliação de experiência profissional da equipe” – baseado no currículo dos líderes e responsáveis pelo atendimento da conta. O fato levou a White Propaganda, quarta colocada no processo que selecionará três responsáveis pela verba, avaliada em R$ 120 milhões anuais, a impetrar recurso contra a classificada. A solicitação, porém, foi indeferida pela comissão responsável.
Outra reclamação tem a licitação do Metrô de São Paulo como alvo. Conforme consta na ata de 22 de agosto, quatro agências foram convocadas para “Confronto de documentos originais com as cópias apresentadas na proposta técnica”. Na ocasião, nova/sb, Fischer, Sabiá e Sotaque Brasil levaram documentos originais para comprovar a veracidade das cópias não autenticadas presentes em suas propostas identificadas. Outras concorrentes, porém, consideraram o fato como “entrega incompleta de documentos” e, assim, indicaram que a desclassificação das concorrentes seria o mais correto.
“O mercado inteiro ficou incomodado com casos como esses, que estão sendo recorrentes. Completar documentação não existe. Aquelas que não entregam tudo completo deveriam ser desclassificadas”, comentou o dirigente de uma das agências participantes das licitações citadas, que preferiu não se identificar. “O mercado como um todo precisa se posicionar. Estamos acionando a Abap e solicitando que ela se manifeste sobre o assunto”, complementou o representante de outra concorrente.
Procurada, a Abap não se posicionou oficialmente sobre o assunto. Uma fonte ligada à diretoria, porém, ressaltou que a entidade recebeu sim alguns contatos de agências que se sentiram lesadas no processo em questão. “Recebemos reclamações de que, apesar de as regras dessas concorrências serem claras, elas não estão sendo cumpridas claramente. Nós, da Abap, gostaríamos que todas as regras fossem cumpridas, não interessando quem possa ser beneficiado ou prejudicado”, informou a fonte, garantindo: “Se as agências solicitarem que a Abap se manifeste, nós o faremos”.
Práticas
As concorrências públicas têm regras básicas para garantir sua idoneidade. É de responsabilidade da Secom-SP (Subsecretaria de Comunicação da Casa Civil do Governo do Estado de São Paulo) a coordenação das atividades dos órgãos setoriais (secretarias, empresas, fundações e autarquias) na realização de licitações para contratação de serviços especializados de publicidade.
Os processos em questão seguem as leis 8.666/1993, para licitações e contratos gerais, e 12.232/2010, que estabeleceu normas gerais para licitação e contratação dos serviços específicos de publicidade por parte dos órgãos públicos. Procurada pelo propmark, a Secom-SP esclareceu, por meio de comunicado, as ações previstas em lei e colocadas em prática para garantir a idoneidade e transparência das concorrências realizadas: “Compõem a Comissão Especial de Licitação, responsável pelos atos administrativos, representantes do órgão responsável pela licitação e membros da sociedade civil. Também integram a comissão especial representantes da Subsecretaria de Comunicação. A Lei 12.232 introduziu uma série de inovações que reforçaram a transparência e idoneidade das licitações nesse setor, com destaque para a Subcomissão Técnica, responsável pelo julgamento das propostas técnicas. Os membros da Subcomissão Técnica são sorteados em sessão pública a partir de uma lista com três vezes o número de integrantes a serem designados. A Subcomissão deve ser composta por, no mínimo, um terço de representantes da sociedade civil. As propostas são apresentadas de forma apócrifa. Qualquer possibilidade de identificar seu autor leva à imediata desclassificação do participante”, destaca o documento. “Esses procedimentos garantem impessoalidade e imparcialidade absolutas no julgamento das propostas técnicas. Como em toda contratação por governos, todos os atos das licitações são públicos e podem ser consultados a qualquer tempo pelos participantes ou por qualquer cidadão; as sessões previstas nos processos são abertas e públicas; a lei e os editais preveem inúmeras possibilidades para apresentação de contestações e pedidos de esclarecimentos”, completa.
Consultadas individualmente, a Sabesp informa que “transcorre normalmente o processo licitatório para escolha de agências de publicidade e propaganda. A concorrência está em sua quarta fase, restando apenas uma para que sejam definidos os vencedores. Com relação ao recurso impetrado pela White Propaganda, a Comissão Especial de Licitação julgou e considerou o recurso improcedente”. Já o Metrô “esclarece que não houve oportunidade de complementação de documentação para nenhuma das agências que participam do processo licitatório, o que é proibido pelo edital. A sessão pública, divulgada em Diário Oficial e sobre a qual todas as agências foram informadas, teve como objetivo a confrontação de documentos originais com as respectivas cópias já anexadas às propostas das agências, conforme expressamente previsto na lei de licitações e no edital”.
Mencionada nos dois casos, a Fischer preferiu não comentar o assunto. Uma fonte ligada à agência, porém, garantiu que “não há nada de errado ou ilícito em nenhum dos processos que a Fischer está participando”.
Formalismo obsessivo
Apesar das reclamações pontuais, representantes de agências com tradição no atendimento a contas públicas não enxergam os relatos como preocupantes, nem acreditam em uma postura, por parte das comissões, que coloque em xeque a credibilidade dos processos. Sócio-diretor da nova/sb, Bob Vieira da Costa considera que algumas participantes desse tipo de concorrência exageram na tentativa de se beneficiar explorando detalhes que não condizem com a capacidade ou incapacidade das envolvidas no atendimento aos clientes. “As licitações passam por uma coisa chamada de ‘formalismo obsessivo’, que muitas vezes é explorado por alguns participantes com o objetivo de criar certa confusão. É preciso tomar cuidado com esse preciosismo”, analisa.
Segundo o executivo, a garantia de capacidade de atendimento das concorrentes e, principalmente, a proposta técnica devem ser levadas em real consideração para a definição do vencedor. “Quando você analisa uma proposta técnica, geralmente você sabe quem é um real concorrente e quem não é. A Sabesp era atendida por nós até o momento da concorrência e, no novo processo, ficamos em quinto diante da escolha de três agências. Fiquei muito bravo em perder, mas vi que as propostas vencedoras eram excelentes. Num caso como esse, não acho que valha a pena tentar encontrar algum detalhe que possa prejudicar uma vencedora, que não seja de real relevância, só para desclassificá-la”, exemplifica – esclarecendo, porém, ser totalmente a favor do recurso como ferramenta de defesa. “Defendo e exerço o direito de entrar com o recurso quando me sinto prejudicado. É essencial termos essa possibilidade. Porém, é importante a consciência e o bom senso de que esse recurso é realmente válido.”
Sócio e presidente da Lua Propaganda, outra figura frequente nas disputas por contas públicas, Rodrigo Gonzalez vê o processo atual de seleção como extremamente funcional e confiável. “Não vi nada de grave recentemente, nem nesses casos citados, nem em outros – e olha que eu teria direito de reclamar, já que fiquei lá embaixo na concorrência por Sabesp”, cita. “As comissões julgadoras são formadas por gente do mercado, do cliente e da sociedade civil, com as decisões apresentadas publicamente. Elas são mais transparentes que qualquer concorrência privada que eu costumo participar. Me sinto confortável com o processo, mesmo quando não saio como vencedor”, complementa.