Muhammad Saiful Alam conta como os profissionais de marketing podem se beneficiar da relação Brasil-Bangladesh
Basta olhar as etiquetas de roupas de redes de vestuário no Brasil para ver o “Made in Bangladesh”. Um dos maiores exportadores do mundo do setor, o país asiático conquistou seu espaço no mercado brasileiro.
E a tendência é crescer, se depender de iniciativas como a da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Bangladesh (BBCCI), responsável pela Made in Bangladesh Expo 2025 (15 a 18 de junho no Novotel São Paulo Center Norte - Made in Bangladesh).
Nesta entrevista, o vice-presidente da BBCCI, Muhammad Saiful Alam, fala do que pode ser ampliado nessa relação e até de como os profissionais de marketing podem se beneficiar dela.
Qual a importância de um evento como Made in Bangladesh Expo 2025?
O Made in Bangladesh Expo 2025 representa uma iniciativa estratégica para fortalecer os laços econômicos e comerciais entre o Brasil e Bangladesh, bem como o mercado latino-americano em geral. Ela reflete o crescente interesse dos exportadores de Bangladesh na diversificação de mercados e na expansão internacional. Esta exposição se baseia no crescente volume de comércio bilateral e visa a aprofundar parcerias, oferecendo uma plataforma profissional e estruturada para diálogo, exposição e negociação entre empresas de Bangladesh e da América Latina.
Quais as diferenças e similaridades entre os mercados dos dois países?
Os setores de moda e varejo de Bangladesh e Brasil compartilham algumas tendências estruturais importantes para o consumo como o crescimento da classe média; a expansão do e-commerce; e a influência dos jovens e das redes sociais. Entre as principais diferenças, Bangladesh tem um posicionamento global como uma potência na produção e exportação de vestuário pronto, sendo o segundo maior exportador mundial depois da China. O país é um elo central em cadeias globais de fornecimento de marcas como H&M e Zara. O Brasil, por outro lado, tem foco no consumo interno e se destaca pela diversidade e criatividade em design, mas não figura entre os grandes exportadores globais. Em termos de estrutura da indústria, enquanto Bangladesh opera majoritariamente com o modelo de produção sob encomenda para marcas estrangeiras, com menor foco em branding, o Brasil possui marcas fortes voltadas ao público interno, como Osklen, Hering e Renner, com apelo criativo e identidade regional. Já do ponto de vista da cultura, no Brasil, a moda é um reflexo direto da diversidade cultural, com estilos que variam entre o urbano de São Paulo e o casual-praia do Rio de Janeiro. Já em Bangladesh, a moda tende a ser mais conservadora em regiões rurais, com maior presença de modéstia no vestuário.
Além do preço competitivo, há diferenciais criativos e tecnológicos que as marcas pretendem apresentar ao mercado brasileiro durante o evento?
Mais do que preços competitivos, Bangladesh quer destacar no Brasil sua evolução criativa e tecnológica, com foco em sustentabilidade, inovação e qualidade. Empresas como o Shin Shin Group já operam com fábricas certificadas LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), adotam processos de lavagem biológica, energia renovável e eliminam o uso de plástico em suas operações. A indústria também avança com tecnologias como máquinas automatizadas de costura e tingimento de baixo consumo, reduzindo significativamente o uso de água. Soluções digitais como o Plani8 e o Tracki8 otimizam a produção e garantem entregas ágeis, enquanto programas da BGMEA (Bangladesh Garments Manufacturers and Exporters Association) investem na capacitação de designers e na oferta de peças sob medida e de alto valor agregado. Soma-se a isso a busca por eficiência energética, com sistemas como os de cogeração, que tornam o processo produtivo mais limpo e eficiente. Essas iniciativas reforçam Bangladesh como um parceiro estratégico para marcas brasileiras que buscam inovação, responsabilidade e diferencial competitivo.
Destacaria alguma iniciativa sustentável que estará presente na feira?
Entre as principais iniciativas, Bangladesh lidera globalmente com 240 fábricas de roupas sustentáveis com certificação LEED, incluindo 62 das 100 maiores do mundo. Essas instalações enfatizam a eficiência energética, a redução de resíduos e a gestão responsável da água, em conformidade com os padrões ambientais internacionais. A indústria está integrando cada vez mais fontes de energia renováveis, como a energia solar, aos processos de fabricação. Colaborações com empresas como a Green Power Ltd e a Huawei facilitaram a adoção da energia solar, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis e diminuindo as emissões de carbono. Entre outras iniciativas estão as práticas de Economia Circular, como o projeto SWITCH2CE, voltado para minimizar o impacto ambiental. Isso inclui a reciclagem de resíduos têxteis pré-consumo e o aumento da eficiência de recursos em toda a cadeia de produção. Os fabricantes também estão, cada vez mais, utilizando materiais ecologicamente corretos, como algodão orgânico e corantes sustentáveis, para reduzir o uso de produtos químicos perigosos. Além disso, práticas de gestão de resíduos, incluindo reciclagem e upcycling, estão sendo adotadas para promover uma economia circular. Há ainda esforços colaborativos de sustentabilidade, com o setor de vestuário de Bangladesh se engajando na cocriação de sustentabilidade por meio de parcerias com marcas globais e investidores de impacto. Essas colaborações fornecem suporte financeiro e expertise técnica para desenvolver capacidades ambientais, sociais e de governança corporativa no setor.
Como se deu o sucesso da indústria têxtil de Bangladesh no cenário global?
A indústria têxtil de Bangladesh passou de um fornecedor de baixo custo, nos anos 1980, para um dos principais polos globais do setor, combinando competitividade com responsabilidade. Impulsionado por políticas comerciais favoráveis, investimento estrangeiro e mão de obra abundante, o país exportou US$ 47 bilhões em vestuário em 2023 — mais de 80% da receita total de exportação. Hoje, abastece marcas como H&M, Zara, Uniqlo e Primark, com destaque em peças básicas, e lidera globalmente em sustentabilidade. Reformas em eficiência energética, segurança e gestão de resíduos consolidaram essa reputação após o caso Rana Plaza (em 2013, o edifício em Bangladesh que abrigava várias fábricas de vestuário colapsou, matando mais de mil pessoas e deixando cerca de 2.500 feridas).
Com mais de 4 milhões de trabalhadores, a maioria mulheres, o setor tem impacto direto na redução da pobreza e no empoderamento feminino. À medida que compradores buscam alternativas à China, Bangladesh se firma como um parceiro confiável. O foco atual está na agregação de valor, inovação, digitalização e fortalecimento de marcas locais, com apoio de iniciativas públicas e privadas voltadas à qualificação e sustentabilidade.
Como o “Made in Bangladesh” contribui para posicionar a imagem do país no exterior?
A marca Made in Bangladesh tem sido fundamental para reposicionar a imagem do país no cenário internacional, ao transformar a percepção de “produtor de baixo custo” para “parceiro global” responsável, sustentável e comprometido com a qualidade. Ao destacar práticas éticas, infraestrutura moderna e credenciais verdes — como o maior número de fábricas de roupas com certificação LEED no mundo —, o país projeta uma identidade alinhada às metas climáticas e às exigências do mercado internacional. Em feiras e exposições, Bangladesh evidencia sua evolução tecnológica, inovação em design e agregação de valor, reforçando sua competitividade, inclusive em mercados emergentes como a América Latina. A promoção do artesanato local e da herança cultural bengalesa também fortalece sua diplomacia de soft power, enquanto iniciativas de diplomacia empresarial ampliam a confiança internacional no ambiente de negócios. Tudo isso fortalece o orgulho nacional, atrai investimentos em setores estratégicos e engaja a diáspora em projetos de desenvolvimento e colaboração global.
O que os profissionais de marketing e branding no Brasil podem aprender com o modelo de desenvolvimento da indústria de Bangladesh?
O modelo de desenvolvimento da indústria de vestuário de Bangladesh oferece lições valiosas para profissionais de marketing e branding. Em vez de construir marcas de varejo globais, Bangladesh consolidou uma narrativa setorial forte — Made in Bangladesh — baseada em preços competitivos, confiabilidade, sustentabilidade e impacto social, especialmente no empoderamento feminino. Esse exemplo mostra como uma narrativa nacional bem construída pode fortalecer a reputação de um país e de sua indústria como um todo (storytelling). A sustentabilidade, inicialmente um ponto crítico após o colapso do Rana Plaza, foi transformada em diferencial competitivo, sendo integrada à identidade das marcas, e não apenas tratada como obrigação regulatória. O país também ensina como a excelência em fabricação pode ser usada para cocriar com grandes varejistas por meio de parcerias OEM (Original Equipment Manufacturer) com forte participação em design e marketing (co-branding). A atuação coordenada de instituições do setor — promovendo exposições internacionais, missões comerciais e joint ventures — reforça o uso estratégico de plataformas globais para construir visibilidade e confiança (global outreach). Por fim, Bangladesh mostra que destacar o impacto social da indústria — com inclusão da força de trabalho feminina, valorização de comunidades locais e geração de empregos formais — fortalece o posicionamento das marcas e reforça valores contemporâneos esperados por consumidores e investidores (social impact). O Brasil, com sua diversidade, criatividade e vocação para a sustentabilidade, tem grande potencial para aplicar esses aprendizados de forma autêntica e competitiva no cenário global.
Quais as barreiras comerciais e ou culturais que facilitam e dificultam o aumento do intercâmbio entre Bangladesh e Brasil?
Apesar da distância geográfica, da ausência de rotas comerciais diretas e da complexidade regulatória, o intercâmbio entre Bangladesh e Brasil encontra terreno fértil em suas economias complementares e no interesse mútuo em diversificação comercial. Barreiras como altos custos logísticos, desconhecimento dos mercados, instabilidade cambial, diferenças linguísticas e culturais, incluindo estilos de negociação distintos e desafios de comunicação, ainda dificultam a fluidez das relações. No entanto, o avanço de acordos bilaterais, a promoção de feiras comerciais, o fortalecimento institucional e o aumento de intercâmbios estudantis e culturais têm contribuído para superar resistências e criar um ambiente mais propício ao comércio e à cooperação. O interesse compartilhado na globalização e a valorização de alianças estratégicas indicam que, com investimento em inteligência de mercado e mediação cultural, o potencial de crescimento das relações entre os dois países é promissor.
Que tipo de colaboração é possível prever entre Bangladesh e Brasil nas áreas de design, moda autoral, inovação tecnológica e economia criativa?
Bangladesh e Brasil têm potencial para uma colaboração estratégica nas áreas de design, moda autoral, inovação tecnológica e economia criativa, unindo a força produtiva da indústria têxtil bangladeshiana à inventividade e à estética marcante do design brasileiro. Parcerias podem surgir na criação de coleções sustentáveis, que aliem materiais orgânicos brasileiros à escala industrial de Bangladesh, bem como no desenvolvimento conjunto de tecnologias de moda, como têxteis inteligentes, provadores virtuais e design digital. Na inovação tecnológica, destaca-se o intercâmbio em agrotecnologia, TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) e energias renováveis, combinando a experiência brasileira em bioeconomia e biocombustíveis com o interesse de Bangladesh por energia solar e soluções digitais. No campo da economia criativa, coproduções audiovisuais, festivais culturais, projetos de games e conteúdo digital podem fortalecer os laços culturais e ampliar o alcance internacional. Iniciativas educacionais e institucionais, como programas de intercâmbio e centros de pesquisa em design e empreendedorismo criativo, complementam essa agenda colaborativa voltada ao crescimento sustentável, à inovação e à competitividade global.