Historiadora, Paula Carvalho fala sobre o comportamento oriental por meio de referências literárias
Há quase 20 anos, a historiadora e jornalista Paula Carvalho colocou uma mochila nas costas e fez sua primeira viagem ao continente asiático. No roteiro, China, Paquistão, Índia, Nepal, Irã e Turquia. Uma “trilha” que ela afirma ter mudado por completo sua forma de ver o mundo.
A partir de então, passou a dedicar seus estudos acadêmicos a esse outro lado do planeta, para onde volta sempre que pode. E é ela que nos ajuda, nessa série de três entrevistas (a primeira publicada na edição de 21 de abril de 2025), a entender um pouco mais sobre o comportamento oriental por meio de referências poéticas, literárias e cinematográficas, que por sua vez são a base dos valores de seus povos.
Você leciona o curso ‘Introdução à Ásia a partir da literatura’. No que os livros que você cita podem nos ajudar a entender o cenário sociopolítico-econômico asiático hoje?
Os livros que fazem parte do curso são ‘Orientalismo’, de Edward W. Said; ‘Pachinko’, de Min Jin Lee; ‘Onde vivem as monstras’, de Aoko Matsuda; e ‘Samarcanda’, de Amin Maalouf. Todos bem diferentes uns dos outros, mas com reflexões de coisas pouco conhecidas sobre a Ásia para o público brasileiro. São livros que mostram a mobilidade, as migrações que acontecem dentro do próprio continente ou até dentro dos próprios países, mostrando riquezas de características que, talvez, se não fosse a literatura, nunca pensaríamos sobre. Da mesma forma, a literatura pode servir como um espaço para preencher lacunas que a História não conseguiu se aproximar, além de humanizá-las, pois, através de personagens fictícios ou não, compreendemos melhor como os grandes eventos mundiais afetam as vidas individuais e coletivas.
Poderia exemplificar?
Em ‘Pachinko’, aprendemos sobre a colonização japonesa nas Coreias e os processos de migração de um país para o outro – tema pouco falado pela “história oficial” japonesa e até desconhecida por muitos descendentes de japoneses no Brasil e como isso afeta as relações entre o Japão e os demais países da região, como China, Vietnã etc., além da Coreia. O colonialismo japonês no sudeste asiático durante a primeira metade do século 20 foi brutal e traumático, influenciando como esses países se relacionam até hoje. Sabendo disso, é surpreendente o acordo conjunto que Japão, China e Coreia do Sul fizeram para responder ao tarifaço de Donald Trump, mostrando como a questão econômica pode unir em alguma esfera países com relações não tão harmoniosas contra um “inimigo” em comum. Em ‘Onde vivem as monstras’, aprendemos a riqueza da cultura japonesa sobre as crenças da vida após a morte, o papel de mitos e religiões e como existe uma diversidade linguística que passa despercebida em um país de dimensões territoriais pequenas. ‘Samarcanda’ enfatiza uma região completamente desconhecida dos brasileiros, inclusive na academia, que é a Ásia Central e suas histórias e civilizações antigas e riquíssimas ligadas à Rota da Seda (que hoje a China tenta reatualizar com o One Belt One Road), assim como uma parte da história do Irã, um país alvo de muitos estereótipos, que é muito desconhecido e mal interpretado.
Qual a sua percepção da visão dos brasileiros sobre os países asiáticos? O que mais nos aproxima e o que mais nos diferencia?
Acho que a visão do Brasil sobre a Ásia é contraditória e, claro, depende de qual país estamos falando. No geral, acho que ainda se tem uma visão bastante calcada no binarismo que vem da guerra fria, do capitalismo/”democracia” dos EUA-Europa ocidental, e do socialismo/”ditadura”, hoje na forma de Rússia e, em especial, China. Isso tanto da parte de partidos brasileiros de direita quanto da esquerda. Parece que há uma dificuldade muito grande em tentar entender a complexidade desses locais para além da forma como vivem e veem o mundo. Os conceitos de “esquerda” e “direita”, ou quem é “amigo” ou “inimigo” do imperialismo estadunidense ou russo, em vários desses países, são diferentes do que é no Brasil e em outros países do chamado Ocidente. Há também uma homogeneização em relação a muitos desses países, como a confusão que se tem comumente entre China, Japão e Coreias. Como contraponto, há uma visão exotizante também dessas regiões, de um “Oriente espiritualizado”, moral e espiritualmente superior ao “Ocidente”, com suas roupas, cenários, objetos e gestos “exóticos”. Dentro dessa chave do “exótico”, há também uma hiperssexualização, tanto de corpos femininos quanto masculinos, de pessoas vindas dessa região, inclusive de seus descendentes na diáspora. Ao mesmo tempo, o softpower de alguns desses países, como Japão, China e Coreia do Sul, traz uma visão mais positiva e até idealizada sobre esses países, aumentando o interesse do contato dos brasileiros com essas outras culturas, seja por meio de aprendizagem da língua, seja por meio de viagens, estudos acadêmicos e consumo de produtos culturais.
Leia a entrevista na íntegra na edição do propmark de 28 de abril de 2025