Produtos como OMO, Caldo Maggi, Seven Boys e torrada Bauducco são citados em vídeo que circula pelo WhatsApp/Crédito: Alê Oliveira

A prática de redução da quantidade interna de produtos industrializados, sem alterar o preço, é comum entre grandes marcas. Mas em tempos de pandemia, quando milhares de pessoas perderam trabalhos e as famílias tiveram diminuição de renda, os consumidores passaram a ficar ainda mais atentos e sensíveis a esse recurso. Conhecido de forma pejorativa como maquiagem de produto, o nome mais usado para esse expediente é shrinkflation, numa tradução literal reduflação (junção de redução e inflação).

De acordo com Eduardo França, coordenador do MBA em Estratégias e Ciências do Consumo na ESPM Rio, esse método começou a ser utilizado pela indústria no início dos anos 2000 e acabou se tornando recorrente diante de crises econômicas, pressão de concorrentes por preços ou também por uma questão de ajuste aos novos consumidores, a famílias menores, que demandam embalagens menores. Porém, na visão do especialista, essa é uma mudança do valor indiretamente, pois o preço não é alterado, mas a quantidade sim.

A ação não é proibida, mas há orientações tanto dos Procons como do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça com regras claras para essa prática. “Há a Lei 8.078, de 1990, que é do Código de Defesa do Consumidor, e a Portaria 81, de 2002, que é do Ministério da Justiça, com algumas determinações. As empresas têm de manter uma comunicação clara, a informação deve ser evidente, precisa e ostensiva nas embalagens por três meses, e ocupar 20% da embalagem. E quando a empresa não faz isso, pode receber multas, de R$ 600 a quase R$ 10 milhões”, explica França.

Há um vídeo circulando pelo WhatsApp que mostra vários produtos que sofreram redução de conteúdo, cuja informação consta na embalagem, de acordo com a lei. O filme, de autor desconhecido, traz imagens em um supermercado de casos de grandes marcas como OMO, torrada Bauducco, pão de forma Seven Boys, bolacha Trakinas, Caldo de Galinha Maggi e Cereal Nescau. Procuradas, as marcas emitiram diferentes posicionamentos como justificativa para o uso do recurso, mas em todos os casos afirmaram que as alterações foram feitas antes da pandemia da Covid-19.

O professor da ESPM observa que com as redes sociais as reclamações dos consumidores aumentaram em relação a essa prática e esse é um problema que não pode ser ignorado quando o consumidor se sente lesado. “Em 2017, houve um aumento de 24% de reclamações dos consumidores no Reclame Aqui sobre o tema. E esse não é um fenômeno só no Brasil, até porque normalmente são indústrias globais que adotam essa prática para poder manter a competitividade”.

Eduardo França é coordenador do MBA em Estratégias e Ciências do Consumo na ESPM

Apesar de legal, o especialista ressalta que a prática pode trazer prejuízo de imagem para as marcas, principalmente diante da força das redes sociais. “O maior desafio que temos hoje em dia é lidar com as diferentes percepções que as pessoas têm, de acordo com o repertório cultural de cada uma, e com uma oferta de produtos muito maior. Então, o consumidor pode abandonar uma marca com muito mais facilidade. E quando a gente olha essas marcas globais, que estão acostumadas com mercados gigantes, existe um desafio enorme em lidar com essas distorções de interpretação, que vão gerar um julgamento e as pessoas vão para as redes sociais e vão falar. As redes sociais trouxeram uma força para um fenômeno que sempre existiu, que é o julgamento, só que agora é muito mais fácil porque eu falo com os meus pares, com quem a pessoa tem uma afinidade maior, e aí a gente começa a ver uma polarização enorme em todas as esferas”, salienta França.

Preço
Para o especialista, é normal quando essas pressões externas abalam o poder de compra os consumidores ficarem mais sensíveis para essas questões e comecem a questionar que em momento de crise as empresas reduzem os produtos e não mudam de preço. “A questão do preço hoje é muito sensível, uma vez que muitas pessoas estão tendo redução de salários, perdas de ganho e acabam tendo de fazer escolhas mais assertivas”, destaca.

Segundo França, para se proteger, o consumidor precisa criar o hábito de olhar a embalagem não só para a questão da quantidade como também em relação à composição nutricional, qualidade, “até porque é importante ter esse conhecimento para fazer as escolhas mais adequadas. E é claro que olhar para as oportunidades em relação a outras marcas. O consumidor tem hoje uma oferta muito maior do que no passado, ele não precisa ficar refém de uma marca apenas e basta analisar um pouco melhor. Por isso, olhar esses detalhes nas embalagens são fundamentais”.

O professor da ESPM destaca que há ainda casos em que as marcas criam uma ‘espécie’ de nova versão do produto, o que dispensa a obrigatoriedade de trazer a informação de redução de conteúdo na embalagem, o que pode ser mais frustrante para o consumidor. “É muito complicado quando a empresa faz esse tipo de manobra, de criar uma nova versão do produto, e se descolar totalmente da embalagem que as pessoas estavam acostumadas, até porque nós somos imagéticos e estamos acostumados a encontrar a embalagem pelas cores, formas, e isso gera uma percepção distorcida, frustração e a própria insatisfação do consumidor”.

Confira o posicionamento das marcas:

OMO
“A mudança de embalagem do refil foi realizada em abril de 2019. OMO esclarece que busca oferecer diversos tamanhos de embalagem para melhor atender às diferentes necessidades. Todas as normas estabelecidas pela legislação vigente foram seguidas, conforme determina a Portaria 81 do Ministério da Justiça, reforçando a política de transparência, respeito e comprometimento com o consumidor. Presente no Brasil há 90 anos a companhia reafirma que cumpre todas as leis aplicadas no país com honestidade, integridade e transparência.”  

Nestlé
“A Nestlé esclarece que a adoção de novos formatos e tamanhos de embalagens pela empresa tem como objetivo acompanhar as tendências de mercado e garantir a adequação a inovações tecnológicas, de forma a manter sua competitividade, além de atender às expectativas de seus consumidores. Em relação aos produtos mencionados, todas as mudanças ocorreram em conformidade com a legislação vigente, respeitando os princípios do Código de Defesa do Consumidor, principalmente o direito à informação, e atendendo integralmente à Portaria nº 81/2002 do Ministério da Justiça, permanecendo as informações legais nas embalagens pelo tempo determinado. No caso de Cereal Nescau, a redução de gramatura foi realizada em abril de 2018 e a marca manteve a referida comunicação por 23 meses, até março de 2020. O Caldo de Galinha passou por alteração em 2018 e ainda mantém a comunicação de mudança ativa em sua embalagem.”

Trakinas
“A Trakinas informa que a redução de gramatura de seus produtos aconteceu no primeiro semestre de 2019 e está de acordo com as exigências da Portaria do Ministério da Justiça nº 81, de 23 de janeiro de 2002, que determina que a informação esteja disponível pelo período de três meses na embalagem. Seguimos as diretrizes regulatórias de aplicação no painel principal da embalagem, de forma clara e precisa, e acreditamos em práticas e relações transparentes, éticas e respeitosas com nossos consumidores.”

Bauducco
“Valorizamos a relação transparente com os consumidores, por isso informamos que a alteração foi feita em janeiro de 2019, muito anterior ao vídeo divulgado, e foi devidamente comunicada na embalagem de janeiro de 2019 a outubro de 2019. Mantivemos a comunicação de forma clara em nossas embalagens por 10 meses, enquanto a legislação determina mínimo de três meses. Vale ressaltar que a alteração da gramatura das torradas Bauducco foi consequência de uma melhoria de produto, validada pelos consumidores, já que no novo formato reduzimos a quebra, e proporcionamos uma melhor experiência de consumo. A receita das torradas permaneceu a mesma, mantendo o padrão de qualidade Bauducco.”

Seven Boys
“A Companhia Wickbold, responsável pela operação da marca Seven Boys, informa que a redução de gramatura da linha Sanduíche, de 500g para 450g, está relacionada ao aumento significativo dos custos das matérias-primas destinadas à produção dos produtos. Diante disso, para que o custo não fosse repassado ao consumidor final, a fabricante optou por diminuir o peso e manter a quantidade habitual de fatias por embalagem. O esclarecimento relacionado à alteração está devidamente comunicado nas embalagens, conforme exigência da legislação brasileira. A medida não se aplica às demais linhas da marca. A Companhia Wickbold reforça o constante compromisso com a satisfação e respeito a seus clientes e consumidores. A empresa cumpre integralmente as exigências e normas da legislação vigentes no país e adota criteriosas práticas de fabricação em suas plantas industriais, de forma a garantir a qualidade e a integridade de seus produtos.”