Em Março de 2015 me tornei pai pela primeira vez. Exercitando a paternidade desde o momento do nascimento do Bem, eu comecei a perceber a vida como um processo de comunicação. Desde o começo nós estamos aprendendo a nos comunicar, a compreender e nos fazer compreendidos, e conectar-se com outras pessoas. De um serzinho 100% dependente, que chora pra receber calor e alimento, em poucos meses fica de pé uma pessoa, que tem desejos e preferências e uma personalidade própria, que apesar de carregar nossa genética não é moldada totalmente pelo que nós desejamos. Milhões de anos de evolução da nossa espécie se desenrolam em um curto espaço de tempo diante de nossos olhos nesse processo. O desafio da paternidade pra mim é uma tentativa contínua de me conectar com essa pessoa, de entender quem ela é e como posso colaborar com o desenvolvimento dela. 

E eu vejo este processo de comunicação contínuo como a própria vida, desde que éramos organismos unicelulares, há bilhões de anos, que criaram conexão entre si e evoluíram para organismos multicelulares, que começaram a se conectar entre si, e então desenvolveram uma espécie de tecnologia biológica, órgãos, com o objetivo de criarem mais conexão entre si e evoluírem. Passam-se outras centenas de milhões de anos e sai do oceano um ser vertebrado, que começa a se conectar com o que há no continente. Mais alguns milhões de anos e aprendemos a controlar o fogo, uma tecnologia fundamental para abrirmos as matas, nos protegermos, nos aquecermos e avançarmos sobre a terra pra nos conectarmos com outros, e então precisamos evoluir a linguagem, o transporte, criar um capital. Tudo cria conexão. Então eu entendo que quanto mais conexão, mais a comunicação evolui e nós evoluímos com ela.

O meu filho, por exemplo, com menos de dois anos nos surpreendeu falando inglês, sem que ninguém tivesse ensinado. Ele aprendeu assistindo vídeos do YouTube, a partir de uma curadoria inicial de conteúdo que fizemos pra ele. Conta até 10, sabe as cores, nomes de veículos. Já mistura os dois idiomas. Vejo que o conteúdo que ele consome é aprendizado pra ele, aprende se divertindo, o algoritmo vai se adaptando aos interesses e as preferências dele, e tudo o que precisamos fazer como pais é orientar essa rotina. Outro dia estava ocupado com outras coisas em casa com minha esposa enquanto ele via YouTube com o som alto, e começou a passar um comercial. Saímos correndo pra intervir, só pra descobrir que ele também já havia aprendido a pular o comercial! E notamos que ele pula anúncios já faz bastante tempo. Não é a toa que os jovens de hoje não compreendem a lógica linear da mídia antiga, e o modelo de comunicação por interrupção da publicidade. É um sintoma de uma mudança maior na forma em que nos comunicamos.

Meu filho não é um gênio, ele é só uma criança do seu tempo e está conectado ao seu tempo. Eu observo este comportamento em outras crianças que também tem uma rotina condizente com o mundo digitalizado. Entendo a preocupação de pessoas que acham que estamos criando filhos alienados e desconectados do mundo, pois é um grande conflito geracional que estamos vivendo. As pessoas que entraram na era digital, nascidas num mundo analógico, com lógica midiática linear, tem mais dificuldades de perceber isto. Mas saem na rua e dão com a testa na placa pois estão respondendo o WhatsApp. Meu filho se cansa de ver vídeos em 15 minutos e aí quer brincar, quer correr na rua. Depois se cansa e quer desenhar, ou quer ler um livro. Ele é só uma criança como eu fui num mundo analógico, só que mais conectada.

Acredito que o processo contínuo de evolução da conexão já tenha modificado o código genético das novas gerações, e que eles já nascem com uma capacidade maior de assimilar o conteúdo e de criar conexão. A linguagem deles se desenvolve muito mais rapidamente, se tornam melhores comunicadores. Os filhos de pais com as primeiras Cybershot se tornaram os criadores de formatos digitais já na adolescência. Desenvolvi uma rotina registrar no celular as brincadeiras e passeios com meu filho, pensando nesses videos como um conteúdo pra ele, que ele vai assistir no replay infinitas vezes quando estiver consumindo conteúdo.

Com esta auto referencia toda eu vejo que ele assimila os aprendizados com mais rapidez, ele se recorda de coisas que vivemos juntos há quase 1 ano, pois ele tem um backup de memória que pode ser acessado e revisitado quantas vezes ele quiser. E acho que é mais sensível a leitura dessa memória digitalizada. Outro dia o Theo Marques da Nazca comentou que a filha dele pediu pra telefonar pra ela mesma em uma foto, como se ela pudesse naturalmente acessar essa experiência e revive-la.

Então me importa menos nesse estudo se estamos falando de millennials, de “xennials” ou qualquer termo que o mercado cansado decidir criar pra dar sentido ao que estão enxergando no mundo, do que analisar pela ótica dos saltos geracionais entre nativos analógicos, digitais, e a geração do meu filho que nasceu no mundo digital e irá transicionar para um acesso a informação em um plano quântico. Me refiro ao conteúdo que a ciência  quântica estuda, as menores partículas possíveis que possam ser detectadas por nossos instrumentos, que formam uma espécie de espuma, de malha quântica, que compõe o nosso universo. Essa espuma quântica eu enxergo como conteúdo.

Existem estudos em universidades pelo mundo com crianças abaixo de oito  anos exercitando a “leitura quântica”. Elas fazem uma espécie de meditação para se conectar com níveis mais sutis de informação, que vivem nessa nuvem quântica, e por fim tomam um livro qualquer que lhe é dado em mãos, e após segurá-lo por um tempo, folha-lo rapidamente sem ler nada e sentir o livro por alguns minutos, conseguem fornecer um resumo da história, com detalhes dos personagens e conflitos. Como se já conhecessem aquele conteúdo, pois na verdade estão conectados a ele através dessa espuma quântica que forma o nosso universo, e que vem se expandindo nesse processo de comunicação há bilhões ou trilhões de anos.

Considero a comunicação um fenômeno resultante da interação entre dois fatores: conteúdo e conexão. Conteúdo gerando conexão e conexão gerando conteúdo infinitamente, e expandindo essa comunicação. O estudo da comunicação tem se fixado e se confundido historicamente com o estudo midiático principalmente do século XX. Eu acredito que o “meio” seja o que se forma na intersecção desses dois fatores, do conteúdo e da conexão. 

Então por muito tempo estudamos “meio” e “mensagem”, ou “o meio como a mensagem”, e este conceito obviamente não está errado. Só acredito que não representa uma teoria completa da comunicação, esta teoria deve ser reduzida e simplificada. Os meios são isso que fica no meio da comunicação, que permite que ela aconteça, são só um meio. E acredito que a função do meio é evoluir esse processo de comunicação até que ele próprio se torne obsoleto e seja extinto, dando origem a novos meios. Nesta visão, a comunicação é uma ciência do próprio fenômeno, e está na base de todas as outras ciências, pois no seu nível mais particular tudo o que estão buscando resolver são problemas de comunicação, de criar uma melhor conexão, entre células, entre genes, entre moléculas etc.

Falo de meios de transporte, meios de comunicação, meios de troca. Tudo está fundamentado na tecnologia e tem o único propósito de nos conectar, de passar esse conteúdo adiante e conectá-lo para expandi-lo. Aplicado a uma lógica de mercado, podemos verificar que organizações que servem para criar conexão são as que mais prosperam em suas gerações. E então quando se tornam obsoletas precisam criar uma nova simbiose com o conteúdo, para expandir esse processo de comunicação. Todas essas metodologias e sistemas, mandalas, etc, que falam de propósito, de afeto, de empatia, de causa, se referem a criar conexão. Podem ser reduzidas a isto.

Temos a percepção desta era como uma era de conteúdo, mas na verdade vejo mais como equalização. Vemos empresas de telecomunicações, por exemplo, precisando reposicionar-se como empresas de conteúdo, criando parcerias necessárias com empresas como a VICE, que tem no âmago o conteúdo a cultura. O movimento todo do mercado, a aquisição da Yahoo pela Verizon, da Time Warner pela AT&T, vai em direção a isso. A busca por criar diferenciação na verdade é um sintoma de uma ordem muito maior, de uma engrenagem maior na qual nós comunicadores temos um papel muito importante. Algumas empresas fazem o papel de conexão, e outras de conteúdo. E a simbiose e a colaboração entre estes organismos vai precisar ser cada vez maior nesta era que estamos vivendo, pois os novos meios estão se desenhando na intersecção entre eles.

E por isso o papel fundamental de empresas como a Facebook, a Google, a Tesla, que são todas empresas de conexão. Instituições financeiras também, e estas especialmente estão precisando rever este processo de criação de conexão, pois o capital é o meio vigente para troca, mas será aos poucos substituído pelo tempo. 

E por fim acredito que nós comunicadores temos uma responsabilidade muito grande. Estamos vivendo uma era de equilíbrio entre o conteúdo e a conexão, e temos cada vez mais pessoas conectadas e gerando mais conteúdo sobre nós mesmos, sobre nossa cultura, permitindo que nos conheçamos melhor e nos compreendamos como um organismo só. Servimos a uma engrenagem maior do que aquela que cria campanhas, que pensa flights, que abre janelas de vendas de produtos. Pensar que trabalhamos apenas em função disso é uma visão medíocre da nossa vida e do nosso papel. Tudo o que eu crio hoje, eu crio pensando no meu filho, no seu filho, em pessoas que não conheço. Nós precisamos que elas aprendam a se comunicar melhor e se compreender entre elas.

Gabriel Klein é co-fundador e head criativo da VICE Brasil