O novo coronavírus vem mudando a nossa dinâmica social. Desde a última semana, muitos profissionais estão exercendo suas funções de maneira remota. O chamado isolamento social acaba refletindo diretamente no campo psicológico. Duplas de criação afastadas, atendimentos à distância, equipes pulverizadas em suas casas.

Juliana Gibello, psicóloga da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein (Divulgação)

Segundo Juliana Gibello, psicóloga da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, vamos enfrentar tempos que requerem atenção dobrada de gestores. Manter uma rotina equilibrada entre trabalho e lazer, além de preservar contato com amigos e familiares por internet pode ser fundamental.

Para a psicóloga, teremos momentos distintos no combate ao Covid-19, que passam por enfrentar as incertezas, lidar com frustrações, distância e, possivelmente, com o luto. Cabe aos gestores avaliarem as condições da equipe e propor segurança psicológica para os profissionais.  

“As pessoas precisam estabelecer uma rotina e ter um cuidado não só físico, coisas básicas como comer bem, se hidratar, tentar fazer alguma atividade dentro de casa, se cuidar de maneira geral e resgatar o contato virtual vai preservar bastante a saúde mental”, diz. 

Confira a entrevista exclusiva abaixo:

Como encarar essa fase com mais tranquilidade, visto que somos um país conhecido pelas altas taxas de ansiedade e depressão?

O que gera grande angústia em todo mundo é não saber o que vai acontecer, porque vivemos hoje socialmente uma vida muito cheia de regras, protocolos, fluxos. É tudo muito objetivo, para tudo tem uma solução rápida, principalmente relacionado ao tempo, vide as redes sociais, está tudo muito rápido e sempre com uma solução pronta e a gente está vivendo o momento da incerteza e, de fato, não saber o que vai acontecer. 

Para a gente tentar combater um pouco ansiedade e risco de depressão, um dos pontos que tem a ver com trabalho em home office, é o quanto o isolamento social pode favorecer a isso. E o que as pessoas precisam de alguma maneira fazer para tentar evitar ou amenizar com que essas coisas aconteçam. 

O setor da publicidade é muito presencial, muito físico: são as duplas de criação, é preciso mostrar a campanha para o cliente e aprovar. Como é lidar com este isolamento e ter que virar a chave para entender que agora não dá para ter isso?

Estabelecer uma rotina vai ser importante. Uma coisa é você ficar de home office um dia da semana e ai você tem a liberdade de ir e vir e fazer o que você quiser, outra coisa é você passar, e ai de novo a incerteza, quantos tempo mais eu vou ter que ficar em casa sem poder sair.

É preciso estabelecer uma rotina em casa que possibilite criar, mas também hábitos saudáveis que a gente tente manter. Não vai ser normal, mas muito próximo daquilo que a gente fazia para tentar manter essas relações. Criar alternativas como: todos os dias, às 17h eu e minha equipe combinamos de tomar um café e fazemos uma reunião virtual para fazer o fechamento do dia.

Estes encontros virtuais são necessários até para manter e diminuir risco de isolamento. Porque de acordo com a personalidade de cada um, a gente sabe que têm pessoas que terão mais propensão a sofrer do que outras. Algumas têm mais estrutura de enfrentamento diante de situações difíceis, outras pessoas são mais frágeis emocionalmente, então a chance de elas sentirem sintomas são bem possíveis.

E depois teremos de lidar com um outro fenômeno de sentimento psicológico, que é a volta à rotina normal, ainda que sob a batuta do medo porque sabemos que demoramos a entender que realmente o perigo passou. Como enfrentamos este segundo momento?

Isso vai ser uma descoberta porque como não sabemos quanto tempo e quais são as reais consequências, estaremos todos muito sensíveis e possivelmente um tanto traumatizados.

As empresas, de maneira geral, os gestores, vão ter de estar muito atentos a esse cuidado. Óbvio que são realidades muito diferentes (uma agência de um hospital), mas eu sou psicóloga aqui na CTI do Einstein onde os pacientes estão se internando, onde tem um cuidado direto e a gente está vendo os profissionais sofrerem muito. Ao mesmo tempo que eles são muito efetivos e tecnicamente muito seguros do que estão fazendo, você vê um sofrimento e uma fragilidade diante disso.

Os gestores já podem fazer um acompanhamento, não só saber se seus funcionários têm sinais e sintomas de gripe, mas saber de fato como eles estão, como estão se sentindo. 

Esse contato, mesmo que virtual, é uma possibilidade de estabelecer alguns laços que são saudáveis e afetivos do ponto de vista psíquico para as pessoas perceberem que elas não estão sozinhas. 

E no depois, os gestores vão ter de continuar muito atentos para entender o que pode ter sido traumático para cada um, porque não necessariamente é para todos. A forma como a gente vai cuidar e tratar dessa fase é o que vai dizer se depois terão consequências mais traumáticas emocionalmente ou não. Se identificarem pessoas em sofrimento poder encaminhar para cuidados específicos, ter a equipe muito perto, essa rotina a gente vai saber no depois.

Infelizmente sabemos que algumas pessoas poderão perder entes queridos e colegas de trabalho. Como lidar com este luto?

O luto é um processo natural, não tem tempo cronológico, cada um encara de uma maneira subjetiva, luto é um processo. Por outro lado, nessa situação que é muito incerta, caótica e pode ser traumática a gente poderia hipotetizar que algumas pessoas podem vir a ter um luto complicado que vão precisar de cuidados mais especializados. 

Nas empresas o ideal é ter espaços para essas pessoas poderem falar disso. De repente ter um profissional especializado para poder ter com quem conversar. Os gestores vão ter uma função muito importante de estar muito atentos, para além de recuperar o tempo perdido tecnicamente de trabalho, das entregas que vão ficar atrasadas ou paradas, estar atento à saúde mental dos profissionais que eles estão cuidando. 

As consequências sociais, econômicas e psíquicas a gente ainda não tem a dimensão exatamente do que vai acontecer. Para cada um vai ser muito individual o que eles (gestores) precisam ter em mente é que isso vai acontecer. Eles vão precisar estar muito atentos para oferecer um suporte e fazer um encaminhamento adequado. 

E nem todas as agências de publicidade têm planos de saúde ou um acesso ao Albert Einstein, por exemplo, essas pessoas que se sintam mais vulneráveis, onde elas podem procurar ajuda? 

Existem várias universidades: PUC, USP, existem alguns serviços que têm suporte psicológico gratuito por exemplo. E ainda tem os hospitais públicos, que acabam oferecendo este tipo de suporte. É uma possibilidade.        

Ou de repente vamos supor que este gestor dessa agência identifica que a equipe está muito fragilizada em consequência de tudo isso. Ele pode chamar um profissional da área para ir lá e fazer um grupo de escuta, de suporte, para fazer estes encontros pontuais e pode fazer algo organizacional.