O australiano Daren Poole, global head of creative da Kantar Insights Division (Kantar TNS & Kantar Millward Brown), não tem dois dias iguais em sua rotina. Responsável pelas soluções que ajudam os clientes a tomar as decisões certas sobre como investir melhor em criatividade, seu trabalho pulsa ininterruptamente e segue em constante mudança.
Já outra parte de seu trabalho diz respeito à liderança e a deixar os clientes sempre um passo à frente. Poole costumava dizer que o mundo da criatividade mudou tanto nos últimos 10 anos, depois nos cinco, depois nos dois, e agora constantemente. Por isso ele aponta o perigo de colocar a tecnologia acima da criatividade. Poole ressalta que é praticamente impossível separar uma coisa da outra, mas é necessário dar importâncias diferentes a cada uma delas.
Em sua avaliação, parte do problema está em entender que a criatividade é um processo e ele deveria começar pelo objetivo a ser cumprido. Ele conta que vê com frequência um deslumbre sobre o que a tecnologia pode fazer e defende que as marcas e agências vejam a tecnologia como uma ferramenta e não a base.
“Qual o trabalho a ser feito para a marca? Qual o papel da marca no meu portfólio? O que preciso que ela alcance? O objetivo deveria guiar todos os insights, da ideia a execução final. E não o contrário. O certo é ser ‘isso é o que precisamos e isso é como podemos usar a tecnologia para alcançar’. Com frequência na nossa indústria falamos sobra a necessidade de a criatividade ser digital primeiro, mobile primeiro, mas deveria ser objetivo primeiro”, diz.
Acompanhe a entrevista:
Experiência como júri
Gosto de participar em júri, porque me dá insights sobre os que os clientes estão pensando e como as empresas estão desenvolvendo conteúdo criativo. Normalmente eu atuo em júris de creative effectiveness. Às vezes eu acho que quem inscreve os cases se foca muito em resultados que não importam. Se você ler o relatório desse ano de creative effectiveness de Cannes, alguns dos jurados dizem que as ideias estão muito focadas em curtidas e compartilhamentos. E isso não coloca dinheiro no negócio. Outra coisa que eu acho interessante nos creative effectiveness awards é que às vezes os clientes pensam no case depois. Quando você lê, percebe que ok, o objetivo era aumentar as vendas em 10%, mas aumentaram as vendas em 11%. Aí você pensa ‘hum, parece que eles tinham a propaganda, e aí fizeram o case com o objetivo para juntar os dois’. O júri precisa ter um ceticismo profissional.
Mais humor
Se você olhar os melhores trabalhos de Cannes muitos são mais emotivos. Teve uma peça ano passado nos Estados Unidos que começava bem engraçada e no final você estava quase chorando. Escolher algumas imagens de pessoas sofrendo, chorando, colocar música triste é fácil. A habilidade de fazer as pessoas genuinamente rirem é mais difícil. O ‘sadvertising’ meio que reflete uma tendência da nossa indústria. Gostei do que um palestrante disse: para algumas marcas não podemos salvar a Terra, mas podemos fazer a vida das pessoas um pouquinho melhor a cada dia. E podemos fazer elas sorrirem. Humor sempre será um grande jeito de engajar pessoas e mostrar a personalidade da marca. Gostaria de ver mais humor de volta na propaganda. Começou a ficar um pouco sério demais. No dia a dia temos pouco tempo para marcas e propaganda. Se pudermos ficar no radar das pessoas, nesse mundo com tanto conteúdo, temos uma chance de impressionar. Fazer uma pessoa rir e contar uma história é um caminho.
Outros insights de Cannes
Cannes é a gênesis para inspirar jovens criativos a criar coisas novas e incríveis. Esse ano achei que muitos seminários eram sobre tecnologia, sobre AI, sobre inclusão e diversidade, que são importantes, claro, mas não vi muitos seminários que as pessoas fossem expostas a novos trabalhos e ideias para criar novas coisas. Gostei de ir à premiação e ver os trabalhos premiados. Acho que está muito focado em tecnologia e não o suficiente em pensar como fazer o público amar o trabalho que foi feito.
Tecnologia x criatividade?
Não acho que dá para separar. Todo mundo carrega um celular e está conectado por uma grande parte do tempo. Parte do problema é que a criatividade é um processo. As pessoas podem não gostar disso, mas é um processo. E deveria começar com qual é objetivo. Qual o trabalho a ser feito para a marca? Qual o papel da marca no meu portfólio? O que preciso que a marca alcance? Esse objetivo deveria guiar os insights da ideia a execução. Mas com a tecnologia o que vejo com frequência é ‘uau, com isso podemos fazer isso’, quando deveria ser ‘isso é o que precisamos e isso é como podemos usar a tecnologia para alcançar o que a marca precisa’. Com frequência na nossa indústria falamos sobra a necessidade de a criatividade ser digital primeiro, mobile primeiro, tecnologia primeiro, mas deveria ser objetivo primeiro. Usar tecnologia para nos ajudar ao invés de ser a base do nosso trabalho. Seria tolo, arcaico e como um dinossauro dizer que ‘não, não vamos usar tecnologia’. Mas a tecnologia precisa ser uma ferramenta na caixa não a única.
Crescimento da inteligência artificial
Tentamos sempre ter certeza de que estamos inovando numa velocidade apropriada para os nossos clientes. Mas agora porque AI está intensa em nossa indústria, nossos clientes estão nos dizendo ok, o que vamos fazer com o AI? Outras partes do nosso negócio estão começando a usar AI, por exemplo, para olhar uma peça de print e definir qual território emocional ela funciona. Para mim o que Kantar pode fazer é prover inteligência humana. Mas também precisamos estar sempre procurando, ser quase o terceiro olho sobre o que está acontecendo. Como podemos usar isso para melhor os insights e soluções para os nossos clientes? Este ano estamos fazendo muito sobre inteligência artificial, trabalhando com alguns parceiros para saber como usar o AI para entregar um trabalho ainda melhor. Parte de nosso trabalho na Kantar é ajudar os clientes a entender o que AI pode e o que não pode fazer por eles.
Politicamente correto
Uma coisa está mudando globalmente sobre propaganda. O movimento de inclusão e diversidade tem ficado muito mais importante. Fizemos alguns testes nos nossos trabalhos e vimos que se mostramos pessoas de uma forma progressiva, os anúncios são mais eficientes e mais efetivos. Para mim, não é uma questão de ser politicamente correto, é uma questão de ser mais respeitoso com as pessoas e reconhecer as diferenças.
Estereótipos
Quando pensamos em inclusão e diversidade na comunicação, vemos versões muito estereotipadas sobre gênero, sexualidade, diversidade. Temos que trazer isso para a normalidade. Para algumas marcas isso está indo muito longe, estereotipando para não estereotipar. Não é porque a mulher não precisa ser sempre retratada como gentil, doce, frágil, que ela é destemida, forte, séria etc. Precisa ter qualidades humanas. Todos deveríamos ser doces, amáveis, inteligentes etc.
Manter o foco
A responsabilidade é de todo mundo. É como quando falávamos de processos e objetivos: a marca sempre precisa saber o que quer alcançar, a agência precisa entender o que a marca quer, e todos devem pensar se isso será feito com tecnologia ou de alguma outra forma. Às vezes esquecemos de criatividade tradicional. Nós humanos somos muito espertos, e eu acho que algo que a machine learning nunca vai fazer é pegar duas ideias que parecem completamente diferentes e até opostas, juntar e criar algo mágico. A ideia que uma máquina tire o trabalho de um criativo, pegue uma ideia, o que a marca quer, insights das pessoas, e coloque isso junto, é assustadora para mim. Todos somos responsáveis por nos mantermos a salvos e pela marca.