Divulgação/ Marçal Neto

Claramente a indústria da comunicação não vive os seus melhores dias no quesito autoestima. Dentro do recorrente debate sobre os modelos e processos, há alguns discursos carregados de negativismos. Nas últimas semanas a planilha colaborativa “Como é trabalhar aí”, deu o que falar no mercado, por exemplo.

No documento compartilhado na web, os profissionais (muitos deles jovens) destacam o dia a dia das empresas com piadas, exageros, intrigas e relatos graves de assédio.  O grande desafio é separar o joio do trigo e entender o que precisa ser revisto por meio de uma nova cultura dentro das agências e o que de fato é apenas um reflexo de situações pontuais, que se reproduzem com menos intensidade e preocupação do que o que é propalado aos quatro ventos.

Olhar para o próprio umbigo e topar fazer essa reflexão de peito aberto já é um sinal claro de que os comandos das agências querem e sabem que algumas coisas precisam evoluir. E foi o que fizeram Fernando Musa (Ogilvy), Luiz Sanches (AlmapBBDO), Marcio Oliveira (DM9DDB), Flavio Waiteman (Tech&Soul) e Dalton Pastore (ESPM), no debate promovido, no último dia 14, no auditório da ESPM, realizado em comemoração aos 53 anos do PROPMARK, que propôs discutir o atual momento do mercado.

Na opinião de Fernando Musa, CEO da Ogilvy no Brasil, por exemplo, é essencial que o setor não tenha medo de estabelecer debates para evoluir, mas também é igualmente importante que o discurso seja mais equilibrado e menos radical. “Muito publicitário quer aparecer para a câmera e destrói as agências. É preciso ser honesto. Ficou fácil bater na gente. Tem agência que bate em agência, cliente que bate em agência. As pessoas têm medo de discutir os problemas. E não tem problema ter problema. O mundo todo está passando por mudança. Até a David, que tem apenas cinco anos, está passando por um processo disruptivo. O que não podemos perder é o ofício. Precisamos ter tesão e gostar dessa coisa de influenciar as pessoas”, afirma.

Na visão do publicitário, a discussão sobre tudo que está acontecendo dentro das agências, incluindo o próprio processo criativo, vai muito além de um ambiente mais assertivo para os profissionais. Para ele, criatividade está muito longe de se limitar a “levar cachorro para o escritório e ir trabalhar de bermuda”. “Banalizamos a criatividade. Temos de parar de discutir os assuntos aleatórios e debater as coisas grandes. Se todo mundo praticasse o que diz nos eventos, tudo estaria uma beleza. Temos problemas no país que são atávicos. Precisamos resgatar a importância e o prazer da nossa profissão. A publicidade é uma das poucas coisas do mundo que ainda são autorais”, acredita.

Se por um lado o CEO da Ogilvy no Brasil acredita na revisão constante e intermitente dos processos das agências e na necessidade da autoavaliação corriqueira, é também verdade que ele não acredita no desenho de um mundo cor de rosa para os jovens profissionais de propaganda. “O jovem quer felicidade. Eu também quero, todo mundo quer. Mas precisamos admitir que há coisas de cada trabalho que são chatas de se fazer. Temos de dialogar com as novas gerações, mas para falar: ‘Cara, nosso trabalho é bacana, tem data, mas a gente transforma marcas com ideias. E isso é gigante. Ah! Mas você não falou de digital, mobile, data. Pô! Tá tudo aí dentro’”.

Musa também acha que os jovens profissionais de hoje são mais preparados, têm muita informação e fazem escolhas melhores. Por outro lado, destaca que as agências não podem perder de vista o que sempre foi essencial. “Mesmo com toda a tecnologia, precisamos entender que a criatividade não é esse ‘frufrufru’ de cachorro, bermuda e chinelo. Nós, como novas lideranças, temos obrigação de defender a bandeira, sim, das agências, que têm problemas pra caralho, mas também são legais”.

Evolução
Marcio Oliveira, copresidente da DM9DDB, enxerga com naturalidade o processo de questionamento que toda mudança traz, mas também acredita que é necessário evitar o radicalismo. “Da forma como muita gente coloca parece que está tudo ruim. Não é verdade. Vamos olhar só o lado sombrio da mudança? É claro que eu não posso fazer tudo que estava fazendo antes se quero evoluir. Mas há inúmeras coisas positivas acontecendo. Nós, publicitários, sempre seremos cegonha, nunca urubu. Vamos dar a boa notícia sempre”, destaca.

Para o profissional, os aspectos positivos da visão estão nas novas possibilidades que a propaganda tem pela frente, incluindo a oportunidade de utilizar ferramentas que nunca foram usadas para engajar as pessoas. “Eu vejo a comunicação de hoje mexendo de uma forma extraordinária com as minhas filhas de dez anos. Vamos desbravar um negócio novo e nos questionar: será que o que estou fazendo é certo? É isso que vai acontecer agora. Estamos vivendo um negócio que está mudando totalmente a nossa profissão. Isso é ruim? Essa mudança estará em todo lugar. Acho um tesão trabalhar em agência”.

Expectativa
Historicamente é assim: nos cenários em que muitos enxergam uma aparente crise, outros conseguem vislumbrar grandes oportunidades. Para Luiz Sanches, sócio e chief creative officer da AlmapBBDO, é muito mais interessante ser criativo nos dias de hoje.

“Temos hoje mais canais, mais jeitos de contar a história. A tecnologia é apenas um pedacinho disso e está aí para ajudar a gente. Hoje temos um monte de dados e é possível saber tudo sobre outra pessoa. Mesmo assim, se você não tiver um bom papo, ela te bloqueia em todas as plataformas. Então, a missão é encontrar um jeito de contar as coisas de uma maneira agradável. Antes tudo precisava ser memorável, hoje tudo tem de ser compartilhável. E isso torna o nosso business muito atraente”, comentou Sanches. Outro aspecto importante dessa busca pela evolução das agências, de acordo com o sócio e chief creative officer da AlmapBBDO, é a questão da tentativa de diálogo das agências com tudo que está acontecendo no mundo em termos de diversidade.

“Vários são os pontos interessantes, como o debate de gênero, por exemplo. Na agência, temos negros na criação, mas não estão lá porque são negros, mas porque são bons pra caralho”. Para Sanches, talento se aprende, e com tesão todo mundo aprende melhor.

“Para estimular os prodígios você tem de mostrar que eles podem crescer lá dentro. A minha trajetória foi assim. Outra coisa bacana é que a nossa profissão continua muito autoral. E hoje a ideia vem de todo lugar. As marcas que vocês são fãs, todas elas os cativaram de alguma maneira no discurso. Isso se chama propaganda. E agora ampliamos o escopo. Hoje podemos fazer séries, por exemplo, e o print pode ser o Instagram”, analisa.

Na concepção de Dalton Pastore, presidente da ESPM, muitos jovens ainda mantêm o brilho nos olhos quando entram na propaganda. “Se você andar no nosso campus da Álvaro Alvim, em qualquer horário, vai se deparar com alunos que já terminaram as aulas, mas ainda estão em outras salas fazendo os trabalhos com concentração e afinco. O que fazemos é não estragar o talento, além de ajudar a fornecer os melhores ambientes e conteúdos para formar esses profissionais. É essencial também conhecer e trabalhar em quais são as habilidades e conhecimentos mais quentes e essenciais que eles precisam desenvolver dentro do mercado”, explica. Outro ponto importante do debate foi abordado por Flavio Waiteman, sócio e CCO da Tech&Soul: a migração de talentos não apenas para outros segmentos, como também para outros mercados fora do país.

“Os caras de base estão indo embora. Lá fora tem um monte de brasileiro nas fichas técnicas. Precisamos formar gente para superar esse gap. A criatividade pura é mais importante que qualquer selo. Em novos modelos, a criatividade parte primeiro pelo sonho que você tem. Essa fagulha de resolver o problema das marcas. Gente jovem é fundamental pra isso. É o tipo de profissional que se apaixona pelo problema dos outros. E a partir da comunicação tenta resolver essas questões. Sou completamente otimista, mas o PIB também precisa nos ajudar”, finaliza.