Vou falar de Leonardo da Vinci. Daí você vai me perguntar por que o título desta coluna é Da Vinci, meu colega. A primeira hipótese – eu sei que será esta – é que ele era um gênio e eu me considero outro. Pois não é. Tenho ego inchado, mas nem tanto. Outra possibilidade seria porque era criativo e inventor. Tudo bem, mas ainda não justifica chamá-lo de colega, pois não me acho o máximo em nenhuma das duas coisas. Pelo menos a ponto de me igualar com Leonardo. Seria porque ele foi viado? Francamente! É muita sacanagem sua achar que eu ia tocar neste assunto ou que eu me identificasse com ele por este motivo.
Então por que, colega? O coleguismo se explica porque foram descobertos escritos de Leonardo da Vinci sobre culinária. Ou seja: a genial boneca, além de tudo, além de pintor, escultor, músico, cientista e inventor, foi também cozinheiro. E, já que estava com a mão na massa, inventou algumas máquinas para cozinha, além do (pasme!) guardanapo. É sim, leitor!
Leonardo da Vinci aposentou o coelho que muita gente amarrava na perna da mesa para os convidados limparem as mãos sujas de gordura e teve a genial iniciativa de criar um pedaço de pano individual. Agora parece simples, como um bom anúncio. Mas antes de existir, a humanidade passou milhares de anos fazendo lambança enquanto comia. Tem mais: o filho da puta inventou também o sanduíche, embora o mundo ingrato atribua esta fundamental contribuição à felicidade humana ao conde inglês sir Sandwish. Para sua informação, Leo velho de guerra já escrevia sobre a ideia de colocar carne entre duas fatias de pão antes mesmo de Cabral ter chegado ao Brasil. Ou seja, antes de o tal conde ter nascido.
Leonardo passou muitos anos pilotando o fogão, como chefe de cozinha em algumas tabernas e, mais tarde, como mestre de banquetes da corte do governador de Milão, Ludovico Sforza. Vem daí o coleguismo, já que eu me considero um cozinheiro. Medíocre, mas cozinheiro.
Agora sim, você sabe a razão pela qual sou colega de Leonardo da Vinci. Nos une o gosto pela colher de pau e pelas caçarolas. Então, sente-se aí ao pé do fogão, que é o melhor lugar do mundo para se trocar ideias, e vamos conversar sobre os escritos de Leonardo a respeito de culinária.
Para quem quiser conhecê-los na integra, a Editora Record os publicou com o título de Cadernos de Cozinha de Leonardo da Vinci. Um tesão de livrinho que não deveria faltar na sua biblioteca especializada, se é que você é chegado a uma cozinha. Mas vale a pena ler até mesmo se você é daquelas pessoas que não sabem nem preparar um chá de camomila. O cara é bom mesmo. E ao longo dos seus escritos você vai ficar sabendo que até mesmo coisas aparentemente modernas, como os cubinhos de caldo de carne, já eram comuns no dia a dia da cozinha dirigida por Da Vinci.
Seu estilo é simplesmente delicioso e ele tem a maldade da bicha velha, aquela picuinha de viado que junto com talento fazem uma mistura explosiva, muitas vezes de consequências fatais aos mais pomposos e mais chatos. Leia este pequeno trecho, como exemplo. Leonardo fala de vinho e os problemas com alcoolismo: “aqueles que bebem sem moderação alguma tremem, se cansam, têm problemas visuais, empalidecem, ficam impotentes, calvos, esquecidos e envelhecem antes do tempo. Isso é verdade e eu me guio pela aparência do meu amigo Gáudio”.
Outra característica do livro é a preocupação de Leonardo com os rituais à mesa, um verdadeiro manual de instruções para a boa postura durante as refeições. Aqui está um trecho do conjunto de recomendações para distribuição de convidados num banquete. Entre outras (muitas) coisas lembra Leonardo: “convidados que padeçam de doenças muito horrendas, e não me refiro à peste, mas aos que têm o mal francês (sífilis) ou escrófulas e úlceras, desde que não sejam sobrinhos de cardeais ou filhos de papas, não devem ser posicionados junto ao meu senhor Ludovico. Meu senhor prefere também que se afaste de seu lado os fanhos, os que sofrem de espasmos nervosos, depressões e melancolias, já que manter uma conversa com eles pode ser aborrecido. Entretanto o meu senhor não se incomoda que coloquem ao seu lado convidados com mordidas, corcundas, anões, coxos e inválidos e também aqueles que possuam cabeças muito pequenas ou muito grandes”.
E por aí vai. O colega arrasou! Por tudo que escreve e recomenda, tenho a mais absoluta das certezas de que ele também teria determinado que se afastassem do senhor Ludovico aqueles que passam o tempo todo falando no celular, principalmente os que gritam. Ainda que Leonardo achasse que não era de bom tom fazê-lo à mesa, abriria uma exceção para a possibilidade de assassinar os faltosos, como um exemplo para os demais. O espaço acabou e eu estou pensando em fazer uma receita de empadão de carne de porco (o melhor amigo do homem, segundo Leonardo) para hoje à noite. Depois eu conto como ficou.
Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor