Foram descobertos recentemente escritos de Leonardo da Vinci sobre culinária. Não bastasse ser pintor, escultor, músico, cientista e inventor, Leonardo foi também cozinheiro. E enquanto estava com a mão na massa aproveitou para criar algumas máquinas para cozinha. E inventou também o guardanapo, que dito assim parece uma coisa banal. Mas não vamos nos esquecer que a humanidade levou séculos até descobrir a roda. Hoje parece simples, mas quando os espanhóis chegaram na América, a sofisticada cultura Asteca, que sabia construir pirâmides e tinha uma escrita muito desenvolvida, não conhecia essa invenção que parece hoje absolutamente óbvia. Então, não vamos minimizar o talento de Leonardo inventando esse pequeno pedaço de pano para limpar a boca. Leonardo devia ser o ídolo dos coelhos, pois, antes do guardanapo, usava-se amarrar um coelho ao pé da mesa e era na lã do animal que as pessoas limpavam as mãos, que serviam também para aparar o molho que escorria pelo queixo. Para sua informação, saiba que Leonardo foi também precursor da ideia de colocar comida no meio de pães. Antes mesmo do conde inglês sir Sandwish. A diferença é que Leonardo criou o prato sem a finalidade de facilitar o transporte da refeição. Para ele, foi apenas mais uma receita inventada para consumo à mesa.

Leonardo passou muito tempo pilotando um fogão como chefe de cozinha em algumas tabernas e, mais tarde, foi empregado como mestre de banquetes da corte do governador de Milão, Ludovico Sforza. De tudo que Leonardo foi, esse é o único detalhe que nos aproxima – o fogão. Nesse ponto somos colegas, embora possa existir uma abissal diferença nos talentos. Nos une o gosto pela colher e pelas caçarolas. Para quem quiser conhecer os escritos de Leonardo sobre a arte da gastronomia (ou ciência, quem sabe?) existe um livro editado pela Record sob o título Cadernos de Cozinha de Leonardo da Vinci, um tesão de livrinho que não deveria faltar na biblioteca de quem quer que se considere cozinheiro, embora mereça ser lido até por aqueles que não conseguem nem preparar um chá de camomila. O livro é gostoso mesmo e, ao longo de seu texto, você vai descobrir muita coisa interessante como, por exemplo, que os cubinhos de caldo de carne já eram de uso comum naquela época. E a gente pensando que a tal de Galinha Azul é mais uma dessas invenções contemporâneas! A prosa de Leonardo é boa mesmo e seu estilo cheio de malícias e picuinhas próprias da conversa que rola enquanto se espera a comida ficar no ponto. Leia este trecho, como exemplo. Leonardo fala de vinho e os problemas com alcoolismo: “Aqueles que bebem sem nenhuma moderação tremem, se cansam, têm problemas visuais, empalidecem, ficam calvos, esquecidos e envelhecem antes do tempo. Eu me guio pelo que acontece com meu amigo Gáudio”. Perceberam a fofoca com o concorrente?

Outra característica do livro é a preocupação de Leonardo com a etiqueta. Aqui está um trecho do conjunto de recomendações para a distribuição dos convidados num banquete. Entre outras (muitas) coisas, lembra que “convidados que padeçam de doenças muito horrendas não devem ser posicionados junto ao anfitrião, principalmente os que portam o mal francês (sífilis) ou escrófulas e úlceras, desde que não sejam filhos de cardeais ou sobrinhos de papas”. Particularmente em relação ao seu patrão, Ludovico, a recomendação é que não se posicionem ao seu lado “os fanhos, os deprimidos e melancólicos” e os muito feios, embora sejam permitidas algumas exceções para corcundas, anões e coxos, desde que capazes de manter uma conversa agradável. Parece óbvio, mas qualquer manual de etiqueta moderno está aí para provar que, além da cozinha e da adega farta, é tarefa dos anfitriões propiciar condições para uma boa conversa. Naquele tempo não havia nem PT nem Bolsonaro e eu não sei como Leonardo resolveria o problema de distribuir seus seguidores fanáticos à mesa. Uma coisa tenho certeza: o grande mestre afastaria, sem nenhuma hesitação, os que passam todo tempo conferindo o celular. Uma recomendação que não perdeu a validade é a de não permitir o arremesso de comida durante uma discussão nem o uso dos talheres para outros fins além de servir-se. Enfim, sem querer, voltei a falar de livros, mesmo tendo prometido parar de me meter em áreas que não domino. Nesse caso, me perdoo. Não foi propriamente uma crítica literária. Tratou-se da descoberta de uma faceta meio desconhecida desse gênio universal chamado Leonardo da Vinci. Um colega de cozinha.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)