Há alguns anos, fornecedores do mercado publicitário têm subido o tom das reclamações sobre condições sob as quais ocorrem nos processos de concorrências e, apesar de alguns avanços seja na metodologia ou mesmo na educação de profissionais de mesa de compras sobre o valor da publicidade, a questão continua sendo um incômodo, tanto que foi uma das discussões mais acaloradas do evento de aniversário de 53 anos de PROPMARK, no último dia 7, na ESPM, em São Paulo.

Muitos ainda não consideram justos os modelos atuais sem remuneração pelo cliente, com número excessivo de participante e com influência também excessiva da mesa de compras. A grande discussão se dá dentro de uma régua que opõe a questão do preço à questão do valor que a publicidade gera para o negócio e a reputação de seu cliente.

Por se tratar de atividade intelectual e de grande impacto, os profissionais do setor reclamam de processos que equiparam a compra de serviço desse tipo com insumos como pregos e parafusos. 
“Nossas relações precisam ser pautadas pelo valor. Começamos a passar por processos sem critério, com pouco tempo de trabalho, porque a agência ficou cara para o cliente. Da mesma forma, é preciso entender que todo início de relação precisa de um acordo implícito que permita o erro e o acerto. Mas, após menos de um ano, alguns optam por uma concorrência que representa apenas mais desgate para todos, porque está centrada no preço”, avalia Marcia Esteves, presidente da Grey.

Ao estabelecer uma relação de valor, compartilha-se uma crença no parceiro pautada 
no fato de que, por mais defeitos que ele tenha, será construída uma relação melhor todos os dias. 
“Tem de se permitir o erro e a melhoria. A vida é assim. Agora, está todo mundo sofrendo com uma mudança no mercado. Criou-se uma lógica de que os primeiros três meses são maravilhosos e depois aparecem os problemas de sempre, que levam a uma concorrência em menos de um ano, em que o cliente busca um preço menor. As agências têm um valor de construção de marca inestimável, só que isso leva tempo e exige construção conjunta”, afirma Marcia. “Isso tem de mudar, com relações menos descartáveis e com mais valor. Não é no primeiro problema que se vai encerrar a relação”, completa a executiva.

Marçal Neto/Divulgação

Redução de custos
No caso da VML, seu presidente Fernando Taralli fala que participou de processos em que, claramente, o cliente já estava definido em continuar com a mesma agência, mas buscando uma redução de preço.

“Seria importante os anunciantes e todos nós entendermos que é muito ruim esse tipo de relação, sem transparência. Temos de propor uma nova relação, já que, hoje, todo ano preciso baixar de 5% a 10% os contratos que tenho na empresa e essa é a pauta atual da mesa de compras”, acusa. 
“Esses profissionais são bonificados por nos pressionar por um novo modelo. Se reúnem conosco após outro encontro em que estavam comprando cadeiras. O que a agência faz é diferente. Eu vendo ideias”, resume Taralli.

Ele faz coro com Marcia Esteves e menciona a questão do valor agregado que a publicidade tem capacidade de gerar. “É preciso cuidado para a ditadura do modelo de custo e eficiência não destruir o valor. Todos podemos ser mais eficientes, mas não podem fazer isso de forma destruídora como tem acontecido”, diz.

Algumas práticas, especificamente, têm incomodado demais o mercado. Em muitos casos, como diz Mário D’Andrea, CEO da Dentsu Creative Group, a agência é convidada claramente para compor uma lista em um processo já viciado.

“Os critérios, em alguns casos, são assustadores. Participei de concorrências que havia agências só porque o cara de compras chamou. Você percebe que está ali apenas para fazer parte de um grupo. É assustador, e quando o processo vai para marketing da empresa, já chega uma concorrência torta e com empresas que nem deveriam estar ali. Fora a discussão do escopo, que nunca é clara”, explica D’Andrea.

Para se entender melhor o problema, nada melhor que uma comparação com os relacionamentos humanos. “É como eu ir no bar, conhecer uma pessoa e já querer casar com ela. Dali um ano, você vai atrás de outra. É preciso construir um relacionamento, conversar com a família, namorar e depois casar”, diz.

Ele menciona cases positivos como o de Santander, que pagou custos da concorrência. Por causa do dinheiro, não há condições de repetir processos com absurdas 15 agências, mas sim com três ou quatro já bem selecionadas. O processo envolve reuniões de alguns dias de modo a se chegar ao parceiro certo. Mas essa não é a tônica do mercado. “Na prática, o cliente passa um job fictício e a agência usa freelancers para fazer. Não faz o menor sentido”, critica o publicitário.

Divórcios
A comparação com os relacionamentos humanos também foi usada por João Branco, diretor de marketing de McDonald’s e presidente da Associação Brasileira de Anunciantes. “É igual discutir o aumento de divórcios no país. As relações entre agências e clientes devem tentar se sustentar no longo prazo. Não é até que a morte os separe, por toda a vida, mas a infidelidade e a descontinuidade de forma recorrente é refletxo de algo maior, de uma ampla discussão sobre o que está sendo pago e o quanto a agência está agregando”, analisa.

Na ABA, diz Branco, sempre que um anunciante confidencia que pretende fazer uma concorrência, há questionamentos sobre se realmente isso é necessário. “Sempre pergunto o porquê. Muitos têm argumentos rasos, como o de que querem dar uma mudada, ou rever o custo. Questiono se ele já tentou desafiá-los sobre o nível de serviço ou mesmo o preço. Se a relação é mais estreita, esse tipo de conversa ajudaria a repensar sobre o nível das concorrências”, avalia.
A premissa da visão da entidade é de se construir um mercado mais livre, ético e responsável. Isso, garante Branco, vale também para o momento da concorrência. “Precisa ter ética na hora de escolher os parceiros. Que, ao final do processo, todos olhem para aquilo como algo que agregou a todos. É uma questão de, antes de começar, se refletir sobre a necessidade de fazer a concorrência. Vale sempre essa reflexão”, conclui.

Sobre a questão da mesa de compras, Branco fala que entende as lamentações das agências, mas faz um contraponto de que muitos profissionais que atuam nesse tipo de estrutura são capacitados e conhecedores do que é publicidade e seu valor. “Acho que nesse tema tem oportunidade dos dois lados. De um lado, ouvimos falar de mesa de compra, mas no comitê da ABA vejo pessoas capacitadas em construir contratos justos para os dois lados. São profissionais que não estão comprando cadeiras ou parafusos e entendem o que as propostas de agências representam. Por outro lado, há muita agência vendendo cadeiras em vez de ideias. Temos a obrigação de ensinar o mercado a ter uma relação mais construitiva”, resume.

Possíveis soluções
A já mencionada concorrência remunerada do Santander surge como um bom exemplo de solução para a questão. “Ninguém vai ficar rico participando de concorrências, senão teria agência só para isso. Mas é uma forma justa de cobrirmos os custos”, diz D’Andrea.

Outro caminho é que a mesa de compras entregue a seleção de agências para consultorias independentes, que tentam unir interesses dos dois lados “Há muito espaço para elas. Ter um terceiro no processo de seleção de agências ajuda a construir uma relação justa desde o começo”, reflete Taralli.

Mas pensando-se em soluções mais aplicáveis, é difícil acreditar que todos os anunciantes terão condições ou disposição para remunerar as agências ou mesmo contratar consultorias especializadas em processos de concorrência. Nesse sentido, D’Andrea levou uma sugestão interessante à mesa de debates. 

“Muitos clientes têm boa disposição, mas ainda muitas dúvidas sobre a publicidade, especialmente na mesa de compras. Então, a minha ideia é criarmos reuniões e encontros com profissionais do setor de compras, ou mesmo do jurídico dos anunciantes, para educarmos eles sobre o tema e promover mais debate sobre a questão”, afirmou D’Andrea. Para ele, o Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão), que é mantido pelos três grandes players do setor, agências, anunciantes e veículos, pode ter uma participação importante no processo. 
“Acho que devemos montar dentro do Cenp um projeto regular para se entender e esclarecer como estão sendo feitas essas compras”, sugeriu.

Caio Barsotti, presidente da entidade, aceitou de pronto a sugestão, embora a entidade já tenha processos de responder questionamentos do mercado sobre as mais diversas relações comerciais. 
“O Cenp está absolutamente à disposição para ajudar a entender o balizamento dos contratos, seja do ponto de vista da regulamentação vigente, ou da autorregulamentação da relação. Posso afirmar que, na prática, existem muitos contratos que têm algum nível até de ilegalidade por puro desconhecimento das pessoas. O Cenp quer ser um centro referencial de informações sobre relações comerciais entre agência, veículo e anunciante”, conclui Barsotti.