Em uma atividade que constantemente promove sua criatividade e capacidade de inovação, como a publicidade, o dia a dia geralmente é muito conservador e repetitivo, além do que é comum a proposição de falsas novidades e de “descobertas” que na realidade são abordagens, práticas e soluções tradicionais devidamente recicladas – e mesmo sem nenhuma dose de evolução. Não é raro, inclusive, que algumas dessas novas proposições sejam absolutamente óbvias e até básicas, que jamais deveriam ser esquecidas ou deixadas à parte, mas que acabam sendo abandonadas devido à ânsia de propor e usar coisas novas que domina nossa atividade.
Por isso é comum, no contraponto desse hábito de hipervalorizar o novo, que
de tempos em tempos lembre-se do óbvio – às vezes até mesmo o chamado “óbvio ululante” disseminado pelas cortantes crônicas de Nelson Rodrigues. Na área de
mídia, isso é dramaticamente frequente, pois, por mais que se sofistique e se proponham novas abordagens, regularmente alguém encontra o óbvio no meio de seu caminho, como muito bem descreveu Drummond de Andrade em um de seus mais famosos poemas.
Recentemente foi lançado um whitepaper preparado pelo The Drum Studios (especializado em criação de conteúdos para marcas) e pela martech Gum gum, com o sugestivo nome de Publicidade contextual: a nova fronteira, que foi elaborado com base em pesquisa feita com 116 executivos do Reino Unido e Estados Unidos responsáveis pela publicidade digital em suas empresas.
O pretexto para a preparação do documento foi a entrada em vigor da GPPR na Europa, que a exemplo da legislação do estado da Califórnia e também do Brasil, limita a possibilidade dos anunciantes usarem como estratégia e tática de mídia os famosos algoritmos que cercam os usuários da internet com uma irritante enxurrada de mensagens com base em seu comportamento de navegação.
Além dessa lei que limita os abusos no emprego da publicidade digital enfrenta-se os sucessivos escândalos do mau uso dos dados dos consumidores pelo Facebook, Twitter e outras redes sociais, que já causaram redução importante nas verbas a elas destinadas e a até a inesperada interrupção do Google+, por sua corporação.
O que o documento propõe é a mais do que óbvia abordagem secular de planejamento de mídia: inserir as mensagens publicitárias no melhor contexto de veículos, programas e posições, de forma a empregar a melhor demografia, psicografia, geolocalização, conteúdo no qual estará inserido o comportamento dos consumidores diante do meio e de sua mensagem.
Tirando a sofisticação do possível uso matemático de requintada modelagem estatística para otimizar a proposição do perfil da mídia a ser utilizada, a essência do que o documento denomina de “segmentação contextual” está nos primeiros textos técnicos sobre a “publicidade científica”, escrita por Claude C. Hopkins em 1923 – sim, há quase um século. O documento publicado neste segundo semestre de 2018 no fundo repassa os conceitos mais básicos de mídia, sem deixar de promover os serviços de maximização dos investimentos a partir dos recursos das martechs.
Em situações de média ou baixa complexidade no panorama de mídia, porém, nada que alguma informação básica e o velho bom senso não resolva. Em situações de alta complexidade e um grande número de variáveis possíveis, é evidente que o emprego de instrumentos analíticos é bem-vindo. Citado no documento, um alto executivo de agência lembra que, “a segmentação contextual nunca foi embora, mas o seu valor está mais tangível devido ao GDPR. O contexto sempre foi um filtro, que agora cresce em importância”.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)