Eu tinha 5 anos quando ganhei meu primeiro LP. Para quem não sabe, LP quer dizer long-play, um disco de vinil muito popular no século passado, que a gente colocava na vitrola para escutar música. Ao longo de treze faixas, o álbum trazia a saga de uma turma de bichos a desafiar o próprio destino. Os Saltimbancos, obra adaptada do teatro italiano pelo Chico Buarque, era rebeldia e inconformismo girando de forma poética e encantadora. Entre todas as canções, uma se destacava como hit: História de uma Gata. Nela, uma gatinha de raça, criada em um belo apartamento, se encantava pela liberdade das ruas e abria mão das regalias para se lançar no mundão, sem filé-mignon, mas com muitas serenatas.

Depois de décadas de uma certa estabilidade mercadológica, profissionais de comunicação parecem cada vez mais dispostos a seguir o exemplo da felina que marcou a minha infância. Pouco a pouco, estamos deixando para trás o Detefon, a almofada e os paradigmas estabelecidos pelo sucesso, e nos arriscando além das fronteiras das agências. Essa migração vem transformando organogramas, métodos de trabalho e contribuindo para um novo ecossistema.

Enquanto grandes grupos de publicidade correm para contratar engenheiros, estatísticos e programadores, startups, unicórnios, fintechs e empresas B2B internalizam suas contas, montam áreas lideradas por criativos com  larga  experiência  e  passam  a   produzir  seu  próprio conteúdo. Numa corrida pela eficiência e pelos melhores resultados, quem mais lucra é a criatividade. Além de produtos, empresas produzem histórias todos os dias. Estar atento às melhores e encontrar formas relevantes e criativas de contá-las é o papel do profissional de comunicação moderno.

Ou seja, apesar da crise no setor, nossa atividade se expande para além do status quo. A expertise, cultivada nas grandes agências durante décadas, se espalha, ajudando empresas a construírem marcas inovadoras, mesmo com menores volumes de investimento. O protagonismo das ideias nos apresenta um modelo complementar, onde a diversidade e a colaboração são peças-chave.

Está cada vez mais difícil estabelecer a linha que separa o criativo do cliente? A regra é não ter regras, como prega o Reed Hastings? Ótimo. Consultorias, In-houses, curadorias, estúdios de branding, produtoras de conteúdo, especialistas em marketing digital, influenciadores, artistas e consultorias de dados: o mercado virou uma feira mais diversa e interessante. Papéis predeterminados perderam a importância. Sinal de que os Saltimbancos continuam inspirando novas gerações a ir em busca de um futuro mais promissor, seja na live, no streaming ou no Youtube.

Daniel Brito (dbrito@petroriosa.com.br ) é head de Comunicação e Conteúdo da PetroRio e coordenador acadêmico da Miami Ad School.