Olivetto: "Sempre preferi ter grandes profissionais que ganhassem salário de diretor fazendo o que sabiam melhor: criar"

 

O recente movimento realizado pela Africa, trazendo ex-donos de agências e líderes criativos para atuar em suas funções de ofício, procurando montar uma força de elite criativa – com destaque para a contratação de Eugenio Mohallem e Ricardo Chester, como redatores, e Rodrigo Saavedra, como head of film –, demonstra a reversão de uma prática não exclusiva, mas muito comum na publicidade: a elevação de profissionais de grande destaque em funções consideradas “operacionais” para cargos de liderança. Ao contrário, porém, do que possa ter sido culturalmente pregado, ou ao menos aparentar aos pouco envolvidos, tal realização não é vista com tanta naturalidade por profissionais que já passaram pelos dois lados e que, atualmente, são responsáveis por encontrar a sintonia fina entre as responsabilidades de cada um de seus profissionais de criação.

“‘Subir de cargo’ talvez seja a expressão incorreta para essa análise, já que se trata de habilidades completamente diferentes. Ser um grande criativo não significa ser um grande diretor de criação, assim como um ótimo líder criativo pode não ser um presidente feliz. Talvez tenha sido colocado na cabeça do mercado que criativos seriam mais felizes com esse tipo de mudança, o que não é necessariamente verdade. Precisamos derrubar a mística de que, para subir na carreira, é preciso ser diretor ou empreendedor”, analisa Sergio Valente, presidente da DM9DDB, redator por formação.

Para Luiz Sanches, diretor de arte que hoje responde pela direção geral de criação da AlmapBBDO, há também, em determinados casos, uma espécie de exploração equivocada do posto de liderança do departamento. “É possível encontrar, há um bom tempo, exemplos de agências criando cargos de diretores de criação para atrair profissionais, justificar salários ou até como um fator motivacional. É importante que não se tenha nenhum cargo por ter, mas sim por exercer e, principalmente, saber exercer”, ressalta.

A questão salarial, outro fator que pode incentivar a ambição de um criativo em se tornar líder, também é mostrada por líderes do mercado como sem correlação obrigatória. “Já tive redatores aqui na DM9 ganhando muito mais que diretor de criação, por excelência naquilo que faziam. Não se pode pregar a troca de posto como progresso ou sequência natural, porque não é”, garante Valente. Quem tem discurso semelhante é Washington Olivetto, chairman da WMcCann e um dos expoentes máximos da criatividade brasileira ao redor do mundo, iniciando a carreira como redator. “Eu sempre preferi ter grandes profissionais que ganhassem salário de diretor de criação fazendo aquilo que sabiam de melhor: criar”, afirma. “Foi muito ruim, nos últimos anos, esse pensamento de que todo e qualquer profissional de criação brilhante precisava ser sócio ou dono de agência. Você pode sim ter grandes caras ganhando salário de presidente sendo redatores ou diretores de criação”, complementa Olivetto.

Chester, que recentemente fez o caminho inverso, se mostra atraído e motivado com o modelo proposto pela Africa para recebê-lo como redator. “Para mim, é um privilégio ter mais de 20 anos de experiência e ter tempo para me dedicar a um único e exclusivo trabalho. Para um cara que trabalha com criação, ver uma proposta de qualificação do processo criativo e ter seu nome envolvido, é superbacana. Ainda mais quando você vê as coisas dando certo nas mesas ao lado. É empolgante”, conta. Tendo passado pelos dois lados, ele ainda aponta como um equívoco considerar as funções criativas como “menores” que as diretivas. “Não acho que as pessoas são melhores ou piores sendo criativos ou diretores de criação, assim como, felizmente, não são todas as empresas que fazem tal distinção. Aliás, é certo que muitos diretores de criação gostariam de ter mais tempo para escrever, colocar a mão na massa”, reforça.

Continuar criando

A situação de continuar criando, aliás, é mostrada como de grande relevância para aqueles que hoje se dedicam a funções de liderança e, muitas vezes, executivas. “Esse tipo de mudança ou ajuste na carreira não significa aposentar o ofício de criativo. Não é sempre possível, claro, mas eu ainda meto a mão na massa e faço campanha”, confirma Sergio Valente. É da mesma opinião Alexandre Gama, presidente e diretor criativo da Neogama/BBH. “Tenho vivido essa experiência. E os resultados de atuar assim na Neogama e em agências onde antes fui sócio e líder criativo provam que é possível ter funções executivas e continuar se dedicando à criação. Na agência, gerencio a função estratégica do negócio e produto final, me envolvo com o RTV e sigo conseguindo ser criativo. Fui 100% redator recentemente, quando criei o filme ‘Rock giant’ para Johnnie Walker”, exemplificou Gama.

Chester, que atuou como cco da JWT e sócio da Babel, é outro que garante nunca ter deixado de se dedicar à criação em si. “Em nenhum desses casos eu tive afastamento da atividade primária. Acho que, acumulando experiência e vivência, você se torna um profissional melhor. Determinadas agências deixam isso facultativo, mas, no meu caso, eu sempre quis fazer. O fato de você virar chefe não te obriga a suprimir aquilo que te levou a isso”, ilustra o redator da Africa. Luiz Sanches lembra ainda que, por ter muitas vezes a principal responsabilidade pelo trabalho a ser entregue, cabe a esse profissional participar de forma mais efetiva em determinados casos. “O diretor de criação é responsável pela peça tanto quanto os outros criativos, até porque ele é um deles. Muitas vezes, ele acaba tendo a obrigação de criar sim, nem que seja uma solução que facilite o processo”, acrescenta o diretor da Almap.

“Felicidade” vale mais

Diante do questionamento entre pleitear um cargo de liderança ou manter-se na atividade diária de criar, os profissionais citaram constantemente a “felicidade” como o principal ponto a ser levado em consideração. “Você pode progredir sendo um criativo sênior, master, muito mais que um diretor. Se você for obrigado a mudar seu dia a dia para ganhar mais dinheiro e prestígio, você destrói o quesito ‘felicidade’. E sem felicidade, não há grandes trabalhos”, avalia Valente.

Sanches também cita o prazer como elemento vital para um trabalho saudável e satisfatório, não só para a agência e o cliente, mas para si. “O que importa no fim do dia é ter prazer e se sentir participativo no processo, seja onde e como for. Se faltar tesão, você vai automaticamente procurar outro lugar”, opina. Chester lembra ainda que o ato de trabalhar em criação depende diretamente daquilo que é realmente aproveitado, visto e dá resultado. “Criativo tem a ver com o envolvimento direto com o que vai pra rua”, acrescenta.

Para Gama, o principal é ter completa consciência do porquê seguir ou não determinado caminho. “Há uma certa confusão na cabeça de alguns criativos quanto à motivação que possuem para crescer na profissão. Fama e sucesso não costumam ser as melhores razões para alguém se tornar líder ou empresário. O que parece trampolim, na maioria das vezes, é armadilha do ego. Ter a chance de continuar fazendo grandes trabalhos e se realizar criativamente é, para alguns, a maior motivação”, finaliza.