Vilhena: Cannes continua sendo, em dimensão e representatividade, nossa grande referência

 

Roberto Vilhena, vice-presidente de criação da Artplan, faz parte do grupo de jurados da área de Direct no Cannes Lions 2014, área que será presidida por James McGrath (chairman criativo da Clemenger BBDO Austrália). Experiente em júris, ele afirma que será “focado” e que se sente tranquilo por pertencer a uma agência independente e não sofrer com as pressões das grandes redes. Cria de Roberto Medina, Vilhena começou sua carreira na própria agência fundada pelo “pai do Rock in Rio”. E acredita que o Brasil tem boas chances em Direct, pois está bem alinhado com o que tem acontecido de melhor no mundo. Vale lembrar que no ano passado o país trouxe nove Leões na área que teve como Grand Prix o premiado “Dumb ways to die”, vencedor de 28 troféus – entre eles, cinco GPs. Um recorde na história do festival. A seguir, a entrevista concedida pelo jurado ao propmark.

Experimentação
As categorias não tradicionais, como Direct, Promo e outras, têm um alcance bastante amplo. É possível ver ideias incríveis executadas em um simples pedaço de papel, como é o caso da subcategoria “Flat mailing” (que, aliás, rendeu o Grand Prix de 2006), até ações diferenciadas, como foi, no ano passado, a peça brasileira “Meu sangue rubro-negro” (Leo Burnett Tailor Made para o time do Vitória da Bahia e o Hemoba), que levou Leões de ouro e prata na área. Além disso, Direct tem um percentual de julgamento ligado aos resultados. Isto é, a avaliação não passa apenas pelo caráter contemplativo da peça. Mas, na essência, Cannes sempre foi sobre ideias. Espero encontrar coisas realmente inovadoras. Principalmente numa categoria cuja natureza está muito ligada, hoje, à experimentação.”

Dumb ways to die
“Gosto bastante, não apenas no aspecto craft da ideia, mas também do conceito que além de extremamente simples é, do ponto de vista da integração, muito bem resolvido. Do filme aos cartazes de metrô, passando por games, tudo funcionou. É uma ideia que se deu muito bem, especialmente neste momento de convergência de categorias.”

Referência
“Cannes continua sendo, em dimensão e representatividade, nossa grande referência. Percebo um festival bastante atento às profundas modificações pelas quais nossa indústria tem passado. E que vão continuar acontecendo. Se lembrarmos da história recente do Festival, foi a dificuldade de categorizarmos naquela época os curtas da BMW, da Fallon, que acabou levando à criação do conceito de Titanium. Olha como evoluímos de lá pra cá. Hoje, temos Product Design, Innovation. Esse movimento de tentar entender a evolução do nosso negócio criativo tem feito com que Cannes continue sendo uma referência importante da nossa indústria criativa. Além, é claro, de ser extremamente difícil de se ganhar.”

Sinalizador qualitativo
“Sempre gostei de estudar propaganda. E sempre acreditei que o critério está muito mais ligado à busca de bons parâmetros qualitativos do que a gosto pessoal. Cannes é um dos sinalizadores qualitativos que mais me inspiraram. Não o único, mas um dos mais importantes.”

Melhor momento
“Sem dúvida, quando ganhei meu primeiro Leão, em 2007. Além de ser para uma categoria de cliente aparentemente dura em termos criativos, a troca de fachadas do Banco do Brasil também fez um enorme sucesso junto ao público. E, justamente, na minha primeira ida a Cannes, com a pressão do Rodolfo Medina (presidente da agência) comigo lá. Mas, no final, deu tudo certo.”

O pior do festival
“Sempre que a gente inscreve alguma coisa em que acreditamos que vai emplacar pelo menos um shortlist e não dá em nada.”

Evolução
“Enxergo como um movimento natural o Festival ter tantas categorias. As disciplinas que envolvem mídia, marketing direto, promoção e ativação, design, entre outras, já existiam antes das categorias aparecem em Cannes, obviamente. E por trás de cada uma delas sempre existiu uma indústria. O fato do festival incorporar essas novas áreas ao seu modelo de premiação é apenas demonstração de que está atento às evoluções do mercado. E, por outro lado,  essas indústrias também desejam praticar a cultura de alta performance presente em Cannes. Mas ainda continua sendo um festival dificílimo. No ano passado, das mais de 35 mil inscrições, cerca de 3% foram premiadas. Continua sendo bem rigoroso.”

Inscrições múltiplas
“Categorias são tentativas de se estabelecer limites para a natureza das ideias. O que é muito importante para cada área se desenvolver à sua maneira. Por outro lado, a convergência de categorias significa que algumas dessas ideias conseguem ser tão únicas, tão abrangentes, que fazem sentido na perspectiva de várias disciplinas. Por exemplo, ‘Retratos da real beleza’ (Ogilvy Brasil para Dove). Foi Leão em Direct, porque para aquelas mulheres que fizeram parte do experimento o impacto foi extremamente significativo. E também para quem tomou contato com o filme. Leão em Press porque a lógica de dois tempos, “como me vejo” e “como os outros me veem”, também funcionou muito bem. E é ao mesmo tempo Titanium, não apenas pela iniciativa de um experimento tão diferente como também pela repercussão que a ideia provocou. Além dos limites da propaganda. Em síntese, hoje dá sim pra ganhar vários Leões com uma mesma ideia, em várias categorias. Mas isso não faz com que seja mais fácil.”

Ser jurado
“Recebi a notícia em meio a um workshop da agência. É um momento importante na carreira de qualquer profissional de criação, sem dúvida. Espero encontrar um júri de alto nível técnico e disposto a premiar as melhores ideias. Estou tranquilo. Serei um jurado totalmente focado. Por pertencer a um grupo de comunicação independente, como é o caso do Artplan, vou sem pressões de rede. O que já me dá uma tranquilidade a mais. É claro, o resultado também está diretamente ligado à capacidade de eu me relacionar com os outros membros do júri.”

Experiência
“Já fui jurado de festivais como Prêmio Abril, CCRJ, ABP e El Ojo de Iberoamerica. Acho uma excelente oportunidade de alinhar critério; além, é claro, de buscar premiar o que há de melhor.”

Função do presidente
“Acho que o presidente de um júri deve estabelecer direcionamentos claros. Não basta contar apenas com aquilo que está escrito na definição da categoria. É ele quem deve sinalizar qual pegada criativa que devemos valorizar.”

Chances brasileiras
“Embora as categorias tradicionais tomem grande parte da nossa rotina, percebo nós brasileiros cada vez mais empolgados com as possibilidades que as áreas mais voltadas para a inovação oferecem. É um processo de aprendizagem, mas estamos bem alinhados com o que tem acontecido de melhor no mundo. Não em escala, e sim em qualidade. Mesmo a despeito do nosso modelo de negócio priorizar as mídias clássicas.”

Ideias e negócios
“Especificamente em comunicação, ser criativo é ser apaixonado pelo poder das ideias como forma de gerar negócio. É saber apreciar o valor de um título brilhante como maneira de engajar o consumidor. E ao mesmo tempo se sentir estimulado em saber que podemos influenciar a criação de leis, como é o caso do “Small Business Day” (da Crispin Porter + Bogusky para a Amex), GP de Direct em 2012. Ou gerar ideias que têm a dimensão de uma política pública, como o “Sweetie” (da Lemz de Amsterdã para Terre des Homes), case contra exploração sexual infantil, que a meu ver é grande candidato ao Grand Prix For Good (prêmio concedido a campanhas de caridade ou para serviços públicos) deste ano.”

Por que ganhar?
“A cultura da alta performance é uma das melhores formas de se desenvolver qualquer área do conhecimento. Porque é por meio dela que se produz principalmente a ideia de legado, da sistematização. Seja nas ciências, numa competição de xadrez ou até mesmo na publicidade. No nosso caso, trabalhamos com linguagem. Nossa matéria-prima é o exercício da sensibilidade como forma de engajar as pessoas. Nesse contexto, prêmios são pilares fundamentais na nossa indústria. Não a razão de ser. Mas parte essencial.”

Futuro da propaganda
“Não tenho a menor ideia do futuro da propaganda. Mas o conceito de marca, a meu ver, permanece inalterado, independente da tecnologia que vier pela frente. Por uma razão muito simples: temos mais produtos do que precisamos comprar. Ou seja, pensar em venda direta sem trabalhar com a ideia de valor percebido é praticamente impossível de se conceber. A pergunta fica ainda mais difícil de responder à medida que, em propaganda, a perspectiva histórica também é uma confusão danada. Por exemplo, a lógica por trás do Nike FuelBand, case de inovação, é a de se criar um novo produto. Mesma lógica que levou a Michelin a criar o Guia Michelin. No lugar de vender apenas pneus, criou algo que desenvolveu mais o turismo. Viajando mais, as pessoas vão comprar mais pneus. Só que isso em 1900, ao contrário da recente pulseira da Nike. Enfim, é uma pergunta difícil pra caramba e que leva a mais perguntas.”

Outros projetos
“Gosto muito de propaganda. Me imagino neste mercado durante muito tempo. Mas também acredito que a manutenção de atividades correlatas é muito importante. Porque, no fundo, uma coisa alimenta a outra. Também gosto da área de educação. Hoje tenho um projeto dentro do AfroReggae, cliente da agência, ao qual me dedico semanalmente. Faço um trabalho junto a alguns executivos da ONG, todos ex-presidiários ou presidiários em regime semi-aberto. O foco é no aumento da capacidade retórica, de argumentação e também no desenvolvimento de raciocínio lógico. Também pratico com eles coaching na área cultural.”

Fora da agência
“Quando não estou trabalhando, gosto de ficar com minha esposa e minha filha. Atualmente, encenar o filme ‘Frozen’ (infantil da Disney) dezenas de vezes tem sido a atividade mais corriqueira dos fins de semana. Quando sobra um tempinho, toco um pouco de bateria. E estou aprendendo a tocar trompete também.”