Não é só na criação de agências de publicidade que os profissionais brasileiros têm se destacado no exterior. Há oportunidades e bons exemplos de brasileiros que vêm obtendo sucesso no universo dos estúdios gráficos, especialmente nos Estados Unidos, atrativo para profissionais de design, direção de arte e animação.
Um dos nomes que experimentam sucesso no exterior é de Daniel Coutinho, animador gráfico brasileiro que hoje lidera uma equipe na Buck TV, um dos principais estúdios gráficos de Los Angeles. Recentemente, ele assinou um vídeo da Apple que integra a campanha do novo iMac Pro. Em seu portfólio constam trabalhos para grandes marcas globais como Facebook, Google, IBM e Nike.
Coutinho foi para os EUA no fim de 2011. Sua ida foi planejada, o que por sinal ele recomenda a quem estiver disposto a mergulhar na carreira internacional: já focado em design e animação para a TV e interessado no mundo da publicidade, fez um curso de design de um ano e meio na UCLA, em Los Angeles, e acabou atuando como freelancer na Imaginary Forces.
Antes, porém, ele havia trabalhado na TV Globo, em São Paulo, e nas emissoras Bandeirantes e Record. “O que mais eu queria dos Estados Unidos era me testar como profissional, aprender e me aprimorar”, diz.
Além dos desafios pessoais de estar longe do próprio país e ter de aprender, literalmente, o dialeto cultural local, no plano profissional os principais incluem aprender métodos de trabalho e assimilar a conversa informal e o dia a dia da empresa, enquanto um dos momentos mais confortáveis é estar diante da tela do computador, cujos programas e ferramentas são familiares.
Coutinho foi bem recebido por produtores, diretores e outros artistas, pois nos EUA, de certa forma, todos são de algum lugar, de outros estados ou países. Los Angeles, em especial, é conhecida pela diversidade cultural. Em 2013 entrou no estúdio Buck, onde hoje lidera uma equipe de dez profissionais de animação gráfica 2D.
Coutinho acreditava que os estúdios americanos eram muito mais avançados do que os brasileiros, mas descobriu que não há qualquer “magia a ser descoberta”. Mitos foram sendo derrubados, pois no fim do dia o que conta mesmo é o talento e a dedicação pessoal.
“Lembro-me que no Brasil eram comuns as conversas sobre ‘como deve ser na gringa’. Imaginávamos que nada era feito às pressas, nada era improvisado, não existia alterações de última hora e tudo era muito organizado. Nem preciso dizer que estávamos enganados: com todas as vantagens que o mercado americano oferece, ainda existem aspectos que simplesmente fazem parte da profissão”, conta.
Médio
O diretor de arte Vinícius Naldi, que atua na Rare Volume (www.rarevolume.com), empresa de design e tecnologia de Nova York, se mudou para os Estados Unidos um ano depois que Daniel, em 2012, para trabalhar como motion designer na Blind, em Santa Monica, na Califórnia. No Brasil, fala que era considerado um “designer de nível médio”, mas no mercado americano conta que teve de praticamente recomeçar.
Passou por empresas como Prologue, Roger.TV e The Mill. “Considero-me muito sortudo. Sempre trabalhei com os melhores profissionais e estúdios do mercado de design e tive mentores que, definitivamente, mudaram o meu jeito de enxergar a vida”.
Hoje ele trabalha diretamente com clientes como WarnerMedia, Samsung e SoulCycle. Naldi já trabalhou em filmes como Ghost in the shell e seriados para o Netflix, como Flinttown, e criou para marcas como Apple, Nike, Lexus, Tesla, The North Face, NFL, Intel e Nintendo.
Segundo ele, o segredo de se manter no mercado internacional é ser inspirado, percebendo as mudanças cotidianas. Naldi afirma que o mercado mudou muito nos últimos cinco anos.
“Saí de uma empresa tradicional de efeitos especiais, a The Mill, para me juntar a uma empresa menor, focada em um novo ramo que está explodindo em Nova York. Criamos experiências, mais do que qualquer coisa. Somos pioneiros nesse ramo e temos atendido clientes como museus e marcas que querem se diferenciar do tradicional formato comercial. Grande parte do que fazemos é baseada em informações em tempo real”, argumenta.
Surpresa
O designer e animador freelancer Marcos Savignano teve uma trajetória um pouco diferente: saiu do Brasil em 2009 rumo a Portugal, para trabalhar em uma produtora de conteúdo. Pensava em retornar seis meses depois, mas acabou indo para Londres, onde se surpreendeu com o volume de estúdios e de talentos na sua área.
Sem falar inglês, precisou estudar e sair da zona de conforto – embora o trabalho em uma empresa brasileira, a Samba Creative (que não existe mais) – tenha sido importante nessa trajetória.
Acabou virando freelancer e realizando muitos projetos pois, surpreendentemente, em Londres percebeu grande respeito que estúdios têm por profissionais com o seu perfil. Savignano já trabalhou no rebrand de marcas como Channel 4, Boomerang, W Channel e Europe League.
“O designer aqui é mais respeitado do que no Brasil. Talvez porque a Europa seja mais ligada à arte, mas nunca tive o mesmo sentimento no Brasil. O designer brasileiro é sempre bem visto por aqui”, afirma Savignano, que é formado em design digital, diz ter embasamento artístico, antes de qualquer software, já que, diferentemente de quando se formou, hoje há muito conteúdo disponível na internet para aprender softwares. Ele recomenda, para quem puder, fazer cursos práticos em escolas como a Hyper Island, de Estocolmo.
Conselhos
Ter um passaporte ajuda, e foi o caso, por exemplo, de Savignano, que tem passaporte italiano. Dominar a língua e as técnicas mais essenciais – photoshop, illustrator, after effects, animade e C4D, por exemplo – e os fundamentos de design e animação, certamente também. São princípios que não dependem das tendências do momento.
Mas o principal entre os profissionais brasileiros que encontraram seu espaço no mundo do design e da animação no exterior é mesmo o talento criativo, acompanhado de muito trabalho para se manter atualizado. E ter uma “voz própria”, como diz Coutinho. “Artistas com um modo peculiar de pensar em design e animação têm vantagem”, afirma.
Na sua visão, é preciso encontrar o equilíbrio entre o generalista e o especialista: ter como ponto forte a habilidade em uma determinada técnica pode ser uma vantagem, mas ter várias habilidades gera versatilidade em qualquer situação. É importante saber se vender, além de diversificar e arriscar em técnicas variadas. Daniel destaca outra característica que ajuda a construir carreiras longevas no exterior: ser confiável.
“Assumir responsabilidades e corresponder às expectativas são atitudes que criam laços de confiança e fortalecem o nome no círculo de profissionais e empresas. E ter uma boa fama pode ser o diferencial para se manter no mercado”, diz.
Daniel fala que hoje há bem menos barreiras do que no passado, para os profissionais brasileiros. E dá algumas dicas: “eventos como Animotion, no Brasil; Blend, no Canadá; e F5, nos EUA;
são ótimas oportunidades de networking. Os estúdios estão de olho e as ofertas aparecerão”, afirma.
Vinícius Nadi diz estar animado com o futuro da profissão. “Cada vez mais somos profissionais moldando o cotidiano. Por isso nossa responsabilidade é gigante”, afirma.
Segundo ele, é importante ser uma esponja, absorvendo tudo ao redor o máximo possível, questionando a realidade das coisas. “A formação em design hoje em dia está cada vez mais fundida com outras áreas. Acho que mais do que técnica, a formação em design hoje é experiencial e para conexões”, conclui.
De Londres, ser generalista, no seu caso, como freelancer, ajuda muito. “Trabalho em Londres sempre haverá. Claro que, como em todo lugar, nem sempre os melhores. Mas tendo qualidades como determinação, foco, organização, coletividade e network, você só para se quiser”, explica.
Savignano lembra que o bom humor também é fundamental para sobreviver no competitivo mercado internacional.
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