Diversidade harmônica, natureza exuberante e energia contagiante da cidade são os principais conceitos representados pelas marcas Olímpica e Paralímpica e por toda a identidade visual criada pela Tátil Design para a Rio 2016. Cinco anos depois da criação, Fred Gelli, sócio-diretor da empresa, conversou com o PROPMARK semana passada e fez um balanço de como essa identidade ajudou a delinear a história dos jogos até a abertura, diante da qual nos encontramos neste momento. E comenta o trabalho surpreendente ao lado do artista Vik Muniz e do escritor Marcelo Rubens Paiva para a abertura dos Jogos Paralímpicos, em setembro. “Será um manifesto pela potência da diversidade”, antecipa. Leia abaixo trechos da entrevista com Gelli.
Identidade
Os jogos estão começando e tudo aquilo que previmos, das marcas se espalharem pelo mundo, está ocorrendo. É agora. Este é o momento. Criamos um case no Brasil que se transformou em benchmark no Comitê Olímpico Internacional de construção de identidade para uma edição dos Jogos Olímpicos. O case Rio 2016 é consistente, consegue dar conta de um dos maiores desafios que qualquer marca tem hoje no planeta, que é conseguir construir uma imagem uníssona, sem esquizofrenia. Foram muitos parceiros criando muitas coisas que se complementam – a tocha, os mascotes. Tem muita gente achando que fizemos tudo. O que fizemos foi entregar para o Comitê a bússola que ajudou todo mundo a se conectar na mesma frequência, para que todas as expressões estivessem em sintonia.
Materialização
As experiências são surpreendentes. No meio do palco do Maracanã vi a marca Olímpica em altíssima resolução em todos os telões. Você para na padaria, compra algo e dão de troco uma moeda com a marca. Os selos das cartas trazem a marca, o carimbo dos passaportes no Brasil já vem com a marca. Não existe outra situação na vida de um designer semelhante a essa. Não existe nada que tenha mais capilaridade como uma identidade olímpica. O ingresso da abertura da cerimônia é uma foto da escultura da marca viva. Estamos fazendo com o pessoal de Parintins quatro esculturas de três metros de altura, que vão se espalhar pela cidade. As pessoas vão poder tirar fotos dentro da marca. As marcas têm, acima de tudo, a intenção de serem uma síntese da energia do povo brasileiro e do carioca. De alguma forma, à luz de todos os problemas que estamos vivendo no Brasil e no Rio, as marcas talvez possam representar, através da sua presença no mundo inteiro, a energia brasileira. É dela que podemos tirar a matéria-prima para transformar a nossa realidade. Nós vamos mostrar para o mundo que somos um povo muito especial.
Torcida contra
Eu soube que um instituto de pesquisa internacional garimpou de onde estavam surgindo as notícias negativas sobre os Jogos Olímpicos na imprensa internacional e chegou à conclusão de que mais de 90% das fontes são do Brasil. É a gente falando mal da gente mesmo. Uma coisa maluca. Já investimos tanto, plantamos tantas sementes. Agora é a hora de colher. Temos um monte de problemas e este é um momento precioso para a nossa história e precisamos tirar o máximo de proveito dele.
A abertura
São três diretores criativos na Cerimônica Olímpica: Andrucha Waddington, Fernando Meirelles e Daniella Thomas. Na cerimônia Paralímpica somos eu, Vik Muniz e Marcelo Rubens Paiva. Estamos há dois anos nessa história, fizemos um monte de workshops e uma viagem juntos para os Estados Unidos, assistimos a espetáculos do Cirque du Soleil, fomos ao MIT (Massachusets Institute of Technology), contamos com grande envolvimento do Comitê Paralímpico Brasileiro e atletas para entender essa realidade com maior profundidade. Marcelo, como cadeirante, contribuiu com muitas correções de percepção da nossa parte. Criamos uma cerimônia muito provocadora, inspiradora, que levanta questionamentos que em parte transcendem a própria questão Paralímpica. Porque fala, por exemplo, da potência das diferenças.
Diversidade
O ambiente com baixa diversidade é um ambiente em que a vida está ameaçada. Vivemos um momento no mundo em que estamos com níveis de preconceito e tensões ligados à diferença. Se você tem uma religião diferente da minha, não quero você aqui. Se você tem uma cor diferente da minha, se você é homem, se é mulher, se é gay… Nossa cerimônia é um manifesto pela potência das diferenças. Tocamos no que existe de comum no humano. Usamos a frase “Every body has a heart” – todo corpo tem um coração. Para o coração não existem limites. Pode haver um limite no corpo, que, se o coração quiser, pode romper. Vamos mostrar exemplos de tirar o fôlego.
Sentidos
Também colocamos, na cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos, em confronto os limites dos nossos sentidos. A gente tem um segmento que sublinha o fato de vivermos numa sociedade sob a ditadura da visão. A gente subestima os outros sentidos e, por conta disso, desperdiça a potencialidade dos outros sentidos de uma forma muito contundente. Somos multissensoriais e a marca olímpica toca nesse ponto, é a primeira marca olímpica multissensorial da história dos jogos. Fazemos essa provocação sobre os limites da visão e, como vivemos quase subjulgados pela visão, temos de “ver para crer”. Quando a visão é o único sentido que nos engana: só existe ilusão de ótica, não existe ilusão tátil ou de paladar. Fugimos do piegas, fomos criativos com o orçamento, é uma cerimônia energética e inspiradora, que será vista por 1 bilhão de pessoas.
Outros projetos
Colhemos diversos frutos com esse projeto das Olimpíadas. Desenvolvemos a nova embalagem global da Coca-Cola. Emplacamos nossa ideia numa concorrência global. É o poder criativo e de exportação brasileiro, que exploramos pouco. O VP global de design da Coca-Cola, James Sommerville, selecionou seis agências – duas inglesas, duas suecas, uma americana e a gente – e trabalhamos em pool. Estamos fazendo agora a linguagem para a Copa do Mundo, na Rússia, em 2018. Começaram quatro agências e ficaram duas. Mistura concorrência com colaboração. Fazemos apresentações das quais todas participam. Uma lógica nova. As novas embalagens da Coca foram lançadas no México e Argentina e terão rollout no mundo todo – a chamada one brand, na qual domina o vermelho e o que muda é como se adoça. Essa foi a nossa ideia. Também assinamos com a Cravo um vídeo que explora de onde vem e para onde vai o “ribbon” do logo. São nossas ainda as embalagens douradas.
Netflix
Conquistamos Netflix e faremos para eles, em outubro, o Prêmio de Cinema Netflix, em sua quarta edição. O Brasil se transformou em um mercado muito importante para eles.