E lá vamos nós mais uma vez para o maior festival de criatividade do mundo. De uns tempos para cá, têm surgido alguns questionamentos quanto à importância do Cannes Lions nos dias atuais. Esses questionadores confrontam o nosso sessentão Cannes Lions com outros festivais, mais moderninhos. O certo é que, em termos de mercado, no que diz respeito aos movimentos específicos de marketing e comunicação, Cannes Lions ainda se mostra imbatível.
Principalmente porque o festival tem procurado ficar update com as tendências, acrescentando categorias e conteúdos alinhados às discussões mais disruptivas. A forma de organizar o festival em nove tracks também foi um acerto. Fica mais fácil fazer escolhas adequadas ao perfil de cada delegate. Só para lembrar os tracks criados: Reach (Alcance), Communication (Comunicação, Craft (Estilo/Produção), Experience (Experiência), Innovation (Inovação), Impact (Impact), Good (Bem), Health (Saúde) e Entertainment (Entretenimento).
Isso faz diminuir a sensação de perda no meio de tanto conteúdo. Mas o que me inspira a escrever este artigo é o lado brasileiro do festival. Cannes ainda é um daqueles poucos lugares onde nós nos sentimos orgulhosos de ser brasileiros. Não importa a situação do Brasil, quando dizemos para um gringo de qualquer país entre os mais de 90 representados no festival que somos brasileiros, sempre vem um sorrisão do outro lado e uma quase reverência de reconhecimento da nossa qualidade.
O Brasil é excelência no ambiente de Cannes. E não é só imagem: a performance consistente do nosso país no festival ao longo dos anos corrobora essa percepção. O Brasil tem estado consistentemente entre os cinco (às vezes entre os três) países mais premiados em Cannes.
Esse reconhecimento se cristaliza quando nosso Marcello Serpa – recentemente “aposentado” – recebe, em 2016, o prestigioso Lion of St. Mark, entrando no super-seletivo hall da fama do festival.
O sinal do prestígio também aparece na escolha de jurados: são nada menos de 22 brasileiros escolhidos este ano. Se contarmos os brazukas que trabalham fora e representam agora outros países, vamos somar mais 11 à lista.
Entre os palestrantes, pelo menos dois dos mais requisitados são brasileiros que fazem sucesso no exterior: Fernando Machado, o onipresente CMO do Burger King; e PJ Pereira, que tem a base da sua agência em San Francisco – EUA.
Em termos de Leões, lá estamos nós entre os países mais premiados. No ano passado, foram 101 troféus, sendo 2 Grand Prix. Melhor que 2017, quando tínhamos trazido para casa 99 estatuetas. Performances só comparáveis aos Estados Unidos (sempre em primeiro) e Reino Unido, mercados muito mais ricos do que o nosso.
E é isso que nos diferencia. Entra crise, sai crise (na verdade, mais entra do que sai) e lá estamos nós, no pódio da criatividade. Tirando o agronegócio, setor no qual nadamos de braçada, quais outros você destacaria o Brasil como um player de respeito? Hummm… difícil, não? Por isso somos tão enfáticos em defender o modelo da propaganda brasileira.
Além do espírito naturalmente criativo do brasileiro, o mercado soube estabelecer uma bem-sucedida autorregulação que permitiu o desenvolvimento da atividade em alto nível no nosso país. Nunca se precisou tanto de criatividade como agora para superar os grandes desafiosque a macroeconomia brasileira nos impõe. É preciso respeitar o setor da propaganda, que pode, sim, contribuir muito com desenvolvimento do Brasil. Mesmo em condições adversas.
Não é difícil reconhecer um brasileiro em Cannes pelos corredores do Palais ou pelos arredores da Croisette, nesta semana do Cannes Lions. Invariavelmente, ele estará de bom humor, superando a angústia de viver num país ainda carente de recursos e organização, sabendo que dá rebater com soluções criativas.
Ainda não dá pra prever como será nossa performance este ano, mas uma coisa é certa: tem um lugar de destaque esperando por nós no pódio do festival.
Alexis Thuller Pagliarini é superintendente da Fenapro (Federação Nacional das Agências de Propaganda) (alexis@fenapro.org.br)