Capa do livro de Carlos Henrique KnappNa década de 1960, Carlos Henrique Knapp era considerado um dos melhores redatores de São Paulo. Formado pela Escola de Propaganda do Museu de Arte de São Paulo – hoje ESPM –, trabalhou com Italo Eboli, Ricardo Ramos, Geraldo Santos e Renato Castello Branco. Sua agência, a Oficina de Propaganda, ganhou bom destaque. Antes de abri-la, trabalhou na McCann e na Inter-Americana de Armando d’Almeida, onde conta que tentou “humanizar” a publicidade da marca Gilette.

“Para mim era um disparate ficar gritando Gilette, Gilette, Gillette, quando a marca dispunha de 99% do mercado das lâminas de barbear. Entretanto, o mercado poderia ser substancialmente ampliado se a propaganda apenas tratasse de convencer os homens a fazer a barba todos os dias: a pesquisa mostrava que uns 60% só se barbeavam de duas a três vezes por semana”, relembra o publicitário.

O que pouca gente sabia é que naqueles anos Knapp integrou a rede de apoio à ALN (Ação Libertadora Nacional), o grupo revolucionário liderado por Carlos Marighella, que atuava como principal opositor ao regime militar. Durante o dia, visitava clientes, criava anúncios na agência e jogava tênis no clube Sociedade Harmonia, o mais exclusivo de São Paulo. À noite, sempre que podia, se dedicava aos contatos revolucionários e às conversas com Marighella. Durante algumas semanas, o inimigo público número 1 dos órgãos de repressão ficou escondido na residência de Knapp no Jardim Europa, bairro da alta burguesia, a 300 metros da casa do general comandante do II Exército, José Canavarro Pereira.

A família só descobriu a vida dupla do publicitário quando o filho Eduardo, então com cinco anos, identificou o pai em um cartaz com fotos de terroristas procurados pela polícia. Knapp foi “desmascarado” depois de prestar socorro a um guerrilheiro baleado. Para escapar da prisão, o empresário fugiu do Brasil, deixando para trás a carreira e os filhos pequenos, que moravam com a ex-mulher. E assim passou 10 anos no exílio.

Kafka

Essa é a história que Knapp decidiu finalmente contar em livro, intitulado “Minha vida de terrorista”, que ele lança pela Editora Prumo. “A partir de um certo momento, quando percebi que me tornara um personagem de Kafka, passei a anotar o que acontecia, com uma vaga intenção de demonstrar, quando o pesadelo acabasse, que eu não era um bandido. Comecei a redigir só depois do regresso ao Brasil. O que eu escrevia era bem mais um longo relatório de viagem, eu não o via como um livro de interesse geral. Foi só quando apliquei aquela regrinha número um dos roteiristas de cinema, ‘jamais comece uma história sem saber como vai terminá-la’, é que passei a dar forma e sentido ao texto. Assim mesmo, eu o interrompi por longos períodos, porque ela me cansava, me obrigava a voltar a um passado que eu preferia enterrar. Eu preferi escrever ficção”, conta Knapp, que antes escreveu os livros “O sumiço do mundo” e “Um filme americano”.

Além de ser um livro sobre o “Brasil sombrio”, como o escritor costuma se referir ao período da ditadura, trata-se também de um relato da vida de um exilado. Enquanto relembra acontecimentos dos quais participam nomes como Miguel Arraes, Oscar Niemeyer, Tom Jobim, Chico Buarque, entre outras personalidades, Knapp narra as aventuras – e desventuras – pelas quais teve de passar durante os 10 anos de exílio, com novas identidades, novas carreiras.

Para Knapp, ter de se afastar dos filhos foi um golpe muito mais duro do que perder todos os bens para o delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos mais temidos algozes dos opositores do regime militar, e ter visto boa parte da história da agência Oficina ter sido apagada. No livro, as histórias reais ganham um ritmo de thriller cinematográfico. Knapp foi um camaleão – dom que, para agradar aos que o rodeavam, já utilizava para lidar com clientes e membros da ALN.

Sobrevivência

“Não fosse o ‘desastre  acontecido’ – e não me refiro só a meu desastre pessoal e sim a todo retrocesso desencadeado pela ditadura –, presumo que aquela agência não teria sobrevivido. Como não sobreviveram tantas outras. Me parece que foi a DPZ a última a cair diante das investidas das corporações internacionais que servem a seus clientes universais em condições imbatíveis. Hoje propaganda é apenas um negócio que prescinde da criatividade”.

Knapp hoje está em casa, aposentado. Logo que voltou ao país, passou 10 anos em Brasília, mas seu último emprego foi de diretor da Fundação Pró-Sangue de São Paulo. Antes, ocupou o cargo de diretor de comercialização da Radiobras (hoje Empresa Brasileira de Comunicação), no governo Lula. E, no governo Fernando Henrique Cardoso, foi adjunto do secretário da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República) e porta-voz da Presidência, o embaixador Sérgio Amaral.