O bom momento da economia brasileira não tem apenas atraído novos negócios para o país, mas também favorecido empresas nacionais no exterior. Enquanto nas décadas de 1970 e 1980 a internacionalização de companhias brasileiras restringia-se a gigantes do setor de construção pesada e do petroleiro, na última década empresas de bens de consumo também apostaram em operações no exterior.
Do setor de moda ao bancário, elas aproveitam a maior projeção do país no cenário internacional, a valorização do real e o barateamento de ativos no exterior para expandirem. “A internacionalização é um caminho natural para empresas de países emergentes”, avaliou Luiz Afonso Lima, presidente da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica). “A atuação externa de empresas menores é um processo que começou em 2005. É um bom indicativo e processo que veio para ficar”, afirmou.
A marca de óculos escuros Chilli Beans aterrizou na Europa em 2005. Hoje, 10% de sua produção é exportada para Portugal, Estados Unidos e Colômbia, país onde planeja abertura “agressiva” de lojas em 2012. “Também iremos para Angola. Em Portugal estamos reavaliando, porque o clima está complicado na Europa”, afirmou Mário Ponci, diretor de expansão da marca. Nos EUA, Los Angeles é seu principal mercado, onde a companhia planeja abrir quatro novos pontos em 2012. “O conceito trendy da cidade está muito ligado ao da Chilli Beans. Se fôssemos para Nova York e Miami, precisaríamos de um caminhão de dinheiro para construção de marca”, disse.
Atualmente, há 861 empresas internacionalizadas, segundo dados do Banco Central. Censo de capitais brasileiros no exterior, levantamento realizado pelo BC desde 2001, aponta que o investimento direto de empresas brasileiras em outros países somou US$ 189,2 bilhões em 2010. O valor é quase o triplo do verificado em 2001, o que evidencia a sólida e acelerada internacionalização das empresas de capital brasileiro, aponta o estudo.
Novo mercado
O benefício de atuar no mercado externo é claro: diversificar a fonte de receita. Hoje, 32% do faturamento da Alpargatas vem do exterior. A companhia, que levou Havaianas para fora no início dos anos 2000, é um exemplo de empresas do país que se posicionaram no varejo internacional e obtiveram sucesso.
Só a sua operação externa do setor de sandálias (que também inclui Dupé) registrou faturamento de R$ 152 milhões no primeiro semestre de 2011. Há 10 anos, 1% do volume produzido de Havaianas era exportado, valor que subiu para 18% no último ano. A marca está presente em 60 países e a companhia trabalha na sua expansão. “Devemos abrir nova loja em Miami no decorrer deste ano e mais quatro na Europa”, afirmou Carla Schmitzberger, diretora de sandálias da Alpargatas. A empresa também planeja internacionalizar a Topper, mas o foco, ao contrário do que ocorreu com Havaianas, será primeiro na América Latina. Nos próximos cinco anos, a marca deve ser fortalecida na Colômbia, Peru, Venezuela e Equador para, então, ser levada para outros países.
De acordo com Flávio Castro, sócio-diretor da FSB Comunicações, agência responsável pela comunicação da Marca Brasil no exterior, América Latina e África são mercados estratégicos para empresas nacionais. “Claramente elas parecem ter vantagem comparativa muito forte nas duas regiões, onde o Brasil é visto como potência emergente e suas empresas, como players poderosos”, analisou. As duas são as regiões prioritárias para a Petrobras, que atua em 28 países. “Em termos de negócio, a operação no Brasil é a maior que temos, mas Golfo do México e a região oeste da África, com Angola e Nigéria, são prioritárias em termos de atividade de produção e exploração no exterior”, afirmou Eduardo Felberg, gerente de imagem corporativa e marcas da Petrobras. Até 2013, a área internacional da companhia prevê investimentos de US$ 15,9 bilhões, com destaque para Estados Unidos (de onde ela opera sua concessão para o Golfo do México) e Argentina.
Para construir imagem local, a companhia divide sua comunicação em institucional e mercadológica. Nos cinco países onde possui distribuição e comercialização de combustível (Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile e Colômbia), investe em comunicação de massa. Mas, globalmente, busca difundir atributos como inovação e tecnologia. A comunicação é feita entre seus escritórios brasileiro e nova-iorquino.
A internacionalização também pode ajudar no desenvolvimento da indústria local, acredita Luiz Afonso Lima, da Sobeet. Ao passo que as companhias absorvem técnicas locais, novos processos e habilidades gerenciais, é natural que transfiram expertise para a matriz. “A internacionalização ajuda a própria operação na medida em que a companhia absorve know-how, o que aumenta sua capacidade de inovação”, argumentou.
Operações vêem dificuldades
Atuar fora do Brasil não é fácil. A escassez de linhas de crédito, o custo do investimento e a falta de acordos bilaterais desafiam empresas menores. “O custo Brasil, a dificuldade de escoar a produção e a falta de acordos de livre-comércio dificultam o nosso trabalho”, enumerou Evilásio Miranda, gerente do núcleo de moda e design da Texbrasil (Programa de Exportação da Indústria de Moda Brasileira).
A Cecília Prado, marca criada em Jacutinga (MG), hoje exporta 80% de sua produção para 25 países. Seus principais mercados são Oriente Médio, Austrália, Japão e EUA. Para a companhia, o grande drama é a oscilação do câmbio. “Uma variação de R$ 1,5 a R$ 1,9 frente ao dólar em quatro meses dificulta a precificação do produto e a calcular a margem de lucro, que pode transformar-se em prejuízo [na conversão]”, disse Lourenço Bartholomei, presidente da companhia.
Há a proposta, por meio de Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), para que se mantenha o câmbio desvalorizado para auxiliar as exportações. “Somos a favor do câmbio flutuante, mas o governo e o Banco Central precisam atenuar as mudanças bruscas para que o empresariado possa respirar e adaptar-se”, opinou Bartholomei.
A dificuldade para tomada de crédito no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social) são queixas frequentes. Segundo levantamento da Sobeet, mais da metade das companhias brasileiras internacionalizadas utilizam recursos próprios. “Um dos entraves mais citados pelas empresas é a falta de crédito com juros nem tão elevados. Há linhas específicas pelo BNDES, mas são destinadas para poucos”, apontou Luiz Afonso Lima, presidente da entidade. Para Felipe Borini, professor do mestrado em gestão internacional da ESPM, planejar corretamente a gestão lá fora também é um desafio. “Há pensamento de que pode ser aplicada a mesma gestão em qualquer lugar. Mas as empresas devem saber que é preciso adaptar-se à cultura e às regras de cada país”.