Nos anos de 1950 havia no Brasil muitas dúvidas sobre a real circulação da mídia impressa, mas graças à criação do IVC, em 1961, em sintonia com outras entidades do gênero já existentes desde a década de 1910 nos mercados publicitários mais evoluídos, passaram a existir padrões técnicos consensados entre veículos, agências e anunciantes para que os dados tivessem consistência e as comparações entre títulos tivessem lógica.

No caso da audiência do rádio e da TV no mercado norte-americano, a falta de metodologias e procedimentos robustos levou o Congresso daquele país a solicitar que a indústria publicitária desenvolvesse uma solução, que se deu com a criação, no começo dos anos de 1960, do Media Rating Council (MRC). No Brasil, devido à grande dominância da televisão como destino das verbas publicitárias, foi formada, em 1992, a Comissão Abap-Redes, com o objetivo de monitorar a metodologia, as amostras, os padrões de divulgação e todos os detalhes da pesquisa de audiência desse meio.

Já no mundo digital, não temos conhecimento de nenhum desses cuidados e até os principais players do setor abusam da divulgação de informações levantadas diretamente por eles, por empresas de pesquisa desconhecidas ou sem efetiva especialização nessa tarefa ou, ainda, por firmas de pesquisas sérias, mas que não seguem padrões definidos pelas partes interessadas nessas informações. O resultado é que se têm enormes dúvidas sobre os dados alardeados pela mídia digital, seja para efeito de planejamento e negociação de mídia, seja, o que é ainda pior, para efeito da comprovação da audiência obtida.

Em alguns casos, o que se recebe de alguns players digitais beira a enganação, o embuste, o engodo, a trapaça, a treta – como destacado no título desta coluna. Recentemente tem circulado no mercado o quadro de uma apresentação do Facebook no qual é feita uma comparação direta entre a mídia veiculada nessa rede social e alguns programas líderes de audiência da principal rede de TV do Brasil. São comparações claramente inadequadas, sem a efetiva revelação de seus detalhes e até com afirmações com fortes indícios de engodo.

Nesse quadro, são comparados programas diários, semanais e de temporadas específicas da TV com programação em um dia, três dias, uma semana e até um mês nos espaços do Facebook, sem nenhuma explicação plausível do porquê se faz essa estranha comparação. Na revelação das fontes, menciona-se um instrumento de otimização que depende de dados proprietários do Kantar Ibope que, pelo que se sabe, não vende esse serviço para esse veículo. E há referência a dados internos da própria mídia, cuja metodologia não é auditada por nenhuma fonte independente.

Há uma lista de níveis de TRPs alcançados pela programação no Facebook comparados com programas da TV, sem nenhum esclarecimento dos critérios utilizados para essa comparação, mas que deixam uma clara sensação de que cotejou a soma do pico de audiência do digital, considerando a exibição de apenas um segundo da mensagem comercial, com a audiência média da TV, cujos procedimentos determinam que a audiência só conta a partir da permanência de 60 segundos do consumidor no horário.

Consequentemente, tanto o CPM das pessoas atingidas como o custo por ponto dessa mídia digital, surgem como sendo várias vezes mais baratos que a mídia TV na rede líder, uma afirmação impossível de engolir, pois se trata de cotejar um veículo que, segundo ele mesmo divulga, leva um mês para atingir um número de pessoas próximo ao que os programas de TV mencionados no referido quadro atingem em todas as suas exibições. Sendo que todo mundo sabe que nem todos que acessam uma rede social assistem ou interagem com suas mensagens comerciais sempre que a acessam e todos que assistem a um programa de TV são necessariamente impactados por diversos comerciais todas as vezes que o veem.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)