“Se o título chamou sua atenção, sente-se, relaxe e leia o artigo na íntegra. Pode ser que, ao final deste texto, seus conceitos sobre mercado imobiliário e mundo online virem do avesso! Não se conhece, até hoje, nenhum site de incorporadora ou construtora que tenha e-commerce, isto é, um carrinho de compras em que você coloque um apartamento ou uma casa e siga para o check-out pagando no cartão. Na realidade, pouquíssimas transações imobiliárias são feitas sem que o comprador ‘ponha o pé’ no imóvel ou no terreno em que ele será erguido. E é natural que seja assim. A aquisição de um imóvel é uma compra de alto envolvimento (emocional e financeiro), o que pressupõe muita consideração, pesquisa, análise das opções e, por fim, a visita física ao imóvel de interesse. Portanto, carrinhos de compras não devem aparecer tão cedo nos sites de imóveis.

Por outro lado, é difícil imaginar uma transação imobiliária que comece e termine sem passar pela internet. Ainda que você descubra um lançamento simplesmente passando em frente e que tenha o tamanho perfeito e o preço que você procura, você vai gastar bastante tempo na internet. Você tentará descobrir o preço praticado na região, pesquisará sobre a construtora nas redes sociais e nos sites de reclamações, além de buscar por opiniões de clientes que já adquiriram o empreendimento anteriormente. Apesar de 66% do processo de compra de um imóvel acontecer na internet, o mercado imobiliário demorou para acordar para o mundo online. Pode ter sido efeito colateral de um período de boom em que todos os lançamentos eram 100% vendidos em poucos meses e com pouquíssima divulgação. Assim, as estratégias digitais ficaram em segundo plano. Porém, os tempos são outros, um imóvel não se vende mais como pão quente e, por isso, as empresas têm usado todas as armas para chegar ao cliente.

A venda de um imóvel é uma operação comercial singular. O público-alvo é sempre muito restrito: um determinado imóvel só atende a um (pequeno) grupo de pessoas – as que consideram morar naquele local e que podem pagar por ele. Ou seja, é quase uma venda cirúrgica. Eis a primeira vantagem: a internet possibilita uma segmentação sem precedentes do público-alvo. Por idade, renda, localização geográfica, comportamento e – pasme – por ter um perfil similar a alguém que já comprou. Explico: ao ‘contar’ para os servidores quem já comprou unidades em um condomínio, estes, por meio das redes sociais, traçarão o perfil dos compradores e identificarão outras pessoas com perfil similar. Por exemplo: homem, pai de filhos adolescentes que mora na região de Pinheiros e gosta de charutos caros e motos de corrida. Com este perfil identificado, basta encontrar outros similares e impactar com mídia. A chance de conversão é muito maior. Isto é apenas o início do processo: chamar a atenção de potenciais clientes, entregando a eles a mensagem certa no formato certo e no momento apropriado. A jornada que se segue precisa de tanta ou mais atenção das empresas. O ciclo de compra está cada vez mais longo – estima-se algo em torno de dez meses.

Vamos analisar este cenário. Digamos que eu tenha um excelente produto, elabore uma estratégia de comunicação vencedora e consiga despertar a atenção de um bom número de clientes potenciais. É uma grande conquista! Mas, e os dez meses seguintes, até que eles, ou alguns desses clientes, assinem um contrato?

Nesse período serão observados comportamentos bastante distintos, mas alguns são garantidos: pesquisas em sites de reclamações, buscas em portais de imóveis por opções com as mesmas características, comparação de preços, pedidos de opinião a amigos nas redes sociais. Os usuários ‘avançados’ irão esmiuçar todos os ambientes digitais do vendedor (site, redes sociais, blogs), irão buscar informações financeiras, societárias e o que mais puderem encontrar. Mas também estarão mais propensos a se deixar seduzir pelo conteúdo disponibilizado pelo vendedor: ferramentas de decorar a planta, vídeos sobre a região, mapas com pontos de interesse, tours virtuais do condomínio ou do imóvel.

Toda esta navegação tem um lado positivo: o rastro deixado pelos interessados. A internet se transformou em uma enorme máquina de raio x e o estudo do comportamento de navegação dos potenciais clientes nos ambientes digitais das empresas, se bem feito, dá a elas uma riqueza de informações sem precedentes. O varejo, ao contrário do mercado imobiliário, descobriu esse poder há tempos. Um excelente exemplo é a rede varejista americana Target, que monitora o comportamento de navegação de seus clientes e envia ofertas personalizadas a cada um deles. Houve até um caso curioso, em que uma garota de 14 anos passou a receber malas diretas com ofertas de produtos para bebês. O pai da menina se enfureceu e processou a Target por direcionar o material para a pessoa errada, porém a menina estava de fato grávida e ele não sabia.

A longa jornada do cliente, do despertar de interesse à compra, está começando a ser percebida pelas incorporadoras e imobiliárias, mas pouquíssimas a consideram do início ao fim. A maioria concentra os investimentos na primeira etapa – chamar atenção – e abandona o cliente dali em diante, focando os esforços no estande de vendas e no time de corretores. Esse abandono não significa que o cliente deixe de pesquisar. Ele o fará e, ao não encontrar conteúdo da empresa inicial, cairá nas garras da concorrência. Ciente deste cenário, a construtora Cyrela pôs em campo uma estratégia diferente ao lançar um empreendimento de luxo desenhado pelo estúdio italiano Pininfarina (o mesmo que desenha as carrocerias das Ferrari), lançado em São Paulo.

Os quatro objetivos principais eram: 1. Despertar a atenção do público-alvo deste empreendimento e iniciar uma conversa sobre o tema; 2. Posicionar a marca, não só frente aos potenciais compradores deste imóvel, mas frente a toda a cidade, se mostrando inovadora e associando ao design; 3. Trazer novos e qualificados clientes para a carteira dos seus corretores; e 4. Manter o interesse dos potenciais clientes durante as etapas de consideração. A Cyrela sabia que a parceria com a Pininfarina, além de resultar em um edifício belíssimo, geraria conteúdo de mídia espontânea suficiente para chegar ao seu público. Assim, o primeiro passo – atrair a atenção – estava garantido. Mas a empresa queria estar presente em todas as etapas da jornada do cliente e investiu um grande esforço na produção de conteúdo a ser divulgado nos meses seguintes na internet. Organizou eventos bastante restritos, produziu vídeos sedutores e convidou uma figura conhecida do público-alvo, que funcionou como um embaixador do projeto, o fotógrafo Victor Collor. A divulgação do material gerado aconteceu por meio das redes online da empresa de seu embaixador.

Por meses, os potenciais clientes foram impactados inúmeras vezes por notícias, posts e vídeos sobre o produto e por seu universo sedutor. Assim, os quatro objetivos iniciais foram atingidos e o empreendimento se tornou um case de vendas sem sequer ter aberto o estande ao público em geral. Esse é tipo de iniciativa que tende a se tornar mais frequente. O mercado imobiliário entrou tarde no jogo online, mas dá sinais de que irá reverter o ‘prejuízo’. Talvez demore um pouco até que você compre um apartamento pelo Facebook, mas pode ter certeza de que será impactado por uma oferta tão personalizada em sua página que vai pensar que é bruxaria.”

*Gerente de e-business da Cyrela