Alceu Valença se apresenta em São Paulo; bloco tem sociedade com a Pipoca, empresa que aproxima artistas de anunciantes (Divulgação)

Se até pouco tempo os anunciantes tinham interesse absoluto em se associar ao Carnaval nos sambódromos, agora a febre são os blocos de rua e os já tradicionais camarotes. Um levantamento recente da Decolar destaca que São Paulo se mantém na liderança do ranking de destinos mais procurados pelos brasileiros para a folia, seguido por Rio de Janeiro, Salvador, Brasília e Fortaleza, respectivamente.

O estudo mostra que SP e RJ concentram a preferência dos turistas, pois, além do Sambódromo, oferecem a programação nas ruas.

Somente este ano, a capital paulista terá 865 blocos, um recorde. Segundo a Secretaria Municipal de Cultura da cidade, a expectativa é receber 15 milhões de pessoas e movimentar R$ 2,6 bilhões.

Novamente a Ambev (Skol) é a patrocinadora da festa paulistana. A empresa vai investir o maior montante já registrado, R$ 21,9 milhões, e poderá explorar sua marca em totens, faixas de sinalização, infláveis e realizar ações instagramáveis. A GUT é a responsável por essas iniciativas, que ainda são mantidas em sigilo.

Já no Rio de Janeiro, a Dream Factory e a Ambev (Brahma) vão operacionalizar a infraestrutura do Carnaval de rua, que terá 731 blocos. Embora a Riotur apresente três estudos que apontam a capital fluminense como preferência dos turistas, a expectativa da prefeitura é receber dois milhões de pessoas, apenas 300 mil a mais que no Réveillon. O que deve movimentar cerca de R$ 4 bilhões.

Anunciantes
O inchaço na folia de rua tem mostrado aos anunciantes diferentes oportunidades de fortalecimento de marca. “Começam a aparecer os interesses financeiros e, à medida que cresce, o dinheiro das marcas vai pulverizando”, aponta Alê Natacci, presidente do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, um dos mais antigos e maiores de São Paulo.

Alê Natacci, do Acadêmicos do Baixo Augusta: expectativa é de um milhão de pessoas (Divulgação Acadêmicos do Baixo Augusta/Francio de Holanda)

Em 2020, eles estimam levar um milhão de pessoas para a rua com patrocínio da Amstel, parceria que já dura seis anos. Recentemente, no entanto, o grupo perdeu o apoio de Doritos, o que fez ele otimizar sua receita com bazares e uma embrionária gama de produtos licenciados.

De acordo com Nathalia Trajano, empresária do bloco Sargento Pimenta, que se divide entre o pré-Carnaval paulista e o Carnaval carioca, a maioria das marcas só se aproxima dos blocos durante a festa.

“No resto do ano, a gente se sustenta com as oficinas de música e isso gera renda. Há quatro anos temos a Ambev e o Booking”, explica. O grupo também investe na produção de conteúdo nas redes sociais e mantém uma agenda de shows, que fortalece a marca e traz recursos. O grupo já passou uma temporada na Inglaterra e se apresentou até mesmo para a Rainha Elisabeth.

Buscando profissionalizar o mercado carnavalesco, aproximando as marcas dos blocos, surgiu a Pipoca. A plataforma atua como uma espécie de agência de comunicação e facilitadora dos processos burocráticos para viabilizar os desfiles e garantir a entrega aos patrocinadores.

“Desenvolvemos planejamento, criação e conteúdo para marcas atuarem em SP, RJ, Olinda e BH e, com isso, temos um trabalho muito forte de curadoria de blocos. Podemos apoiar grupos no Brasil todo, inclusive alguns de periferia”, aponta Rogério Oliveira, diretor da Pipoca.

Crescimento dos blocos de rua vem chamando a atenção dos anunciantes nas capitais (Divulgação)

A empresa tem sociedade com os blocos de Alceu Valença, Elba Ramalho, Baiana System, Monobloco e Preta Gil, além de fazer a produção de outros, como o Baixo Augusta. “É como se fôssemos uma agência de comunicação integral, que tem a parte on e offline, conteúdo etc. Somos chamados pelas marcas para conhecer a estratégia deles para o verão e realizamos um plano que pode integrar diferentes entregas, muito além do logo no trio”, aponta.

“O mundo da publicidade obviamente mudou e para os blocos e o Carnaval também não podia ser diferente. A gente tem um alcance muito grande no digital. Conseguimos criar campanhas ou projetos de conteúdo para ativar online, que dão uma amplitude para o que é feito no offline e na experiência. Uma entrega limitada só ao dia do desfile ou ao bloco, é muito pouco”, defende.

Um dos cases da Pipoca foi a realização de um reality show para a Olla. “O programa chamava Bloco do Prazer e a marca tinha interesse em quebrar tabus com relação ao sexo, utilizando o Carnaval para isso. Selecionamos pessoas para curtir a festa no Rio de Janeiro e o reality era a história deles enquanto foliões.” O programa foi transmitido via celular durante os dias de festa. O portfólio da Pipoca reúne ainda Ambev, Heineken, Amstel, Engov, Outback, Nextel, Cabify e Deezer, entre outras.

Em 2020, a Pipoca pretende atuar também como produtora de conteúdo. “Estamos fazendo essa migração para nos tornarmos uma empresa que tem a própria cobertura. Acreditamos que os blocos de Carnaval merecem um perfil diferente do jornalismo convencional”, aponta.

Pela primeira vez promoverão o Carnaval Viva Rua, em que terão uma equipe fazendo a cobertura dos blocos em SP, RJ, Olinda e BH. A operação envolverá 30 blocos entre pequenos, médios e grandes, desde o pré ao pós- -Carnaval. “Teremos a nossa cobertura e produziremos conteúdo para as marcas. Temos um estúdio móvel, onde faremos lives e matérias”, relata. A equipe de transmissão é formada por jornalistas, influenciadores e atores, enquanto a Pipoca trabalha ainda com profissionais de diferentes áreas, inclusive da publicidade e do design.

Ainda de acordo com Oliveira, os anunciantes estão abraçando o Carnaval de rua pelo caráter democrático da festa. “As marcas líderes já entenderam este processo e o estimulam. Não querem mais criar áreas fechadas. Isso, ainda bem, começou a ficar cafona, essa coisa de Rei do Camarote está saindo de moda.” O empresário reconhece, porém, que estes espaços são parte importante do Carnaval. “Óbvio que, culturalmente, você tem algumas cidades com um modelo econômico muito fundamentado nisso, mas elas também estão passando por transformações”, pondera.

Camarote
Se para as ruas a lógica de profissionalização carnavalesca está amadurecendo, há anos as marcas entenderam o impacto dos camarotes. E enquanto SP e RJ disputam pela posição de destino mais procurado, a capital baiana solidifica a sua importância nos circuitos dos trios elétricos. Entre os cinco dias de folia, o Camarote Salvador deve receber 30 mil pessoas.

Stêfania Brito, da Premium: Camarote Salvador terá ingressos esgotados em 2020 (Divulgação)

De acordo com Stefânia Brito, gerente comercial da Premium, realizadora do espaço, não há competição com a folia na rua. “Salvador está vivendo um período maravilhoso. Nunca se vendeu tanto, este é um ano de sold out. O Carnaval é democrático, mas o Camarote Salvador tem um público muito específico, que é o A e A+”.

Para a executiva, este perfil do folião precisa ser levado em consideração. “É quem está procurando exclusividade, segurança, serviço de qualidade. […] O cliente de São Paulo curte o pré lá e depois vem para Salvador, 70% do nosso público é do Sudeste. Temos pesquisas que mostram que 87% das pessoas dizem que vão voltar no próximo ano e a taxa de confirmação é entre 60% e 70%”, vaticina.

Para isso, eles mantêm os esforços de fortalecimento de marca ao longo do ano concentrados no digital. “Nosso público é aberto à nossa comunicação, quer saber o que está acontecendo, qual o planejamento, a programação, então focamos em pílulas de conteúdo do que passou e do que está por vir”, diz. Quem assina essa estratégia desde 2019 é a PIB Club.

Durante a folia, eles também investem na cobertura pelas redes sociais e no canal do YouTube do Camarote, com entrevistas e bastidores da festa. Em 2020, recebem patrocínio de Petra, Absolut, Chivas, Beefeater, Redbull, Engov After, Tônica Antarctica, José Cuervo, SoCoco, All Accor, Andorinha, PagSeguro, Elo, EuMe, Revlon, Australian Gold, Gatorade e Ingresse.

Além das ativações das marcas, que ainda estão sendo mantidas em segredo pela Premium, o espaço oferecerá mais de 60 atrações, espaços instagramáveis, after hour, show extra, palco praia e customização de camisetas, que este ano levam assinatura da JohnJohn.

Ju Ferraz, da Holding Clube: desafio é fazer o público seguir a marca ao longo do ano (Divulgação)

Outro camarote que se prepara para receber 2.500 pessoas por dia durante o Carnaval é o CarnaUOL Nº1, no Rio de Janeiro. A Holding Clube, que produz o espaço, recebeu a missão da Ambev de perpetuar a marca ao longo do ano e, para isso, lançou uma plataforma de entretenimento, que contempla uma festa de Réveillon e outro evento na metade do ano em SP ainda com formato a definir.

O camarote tem patrocínio de Piraquê, TIM, Oakberry, Trident, Seara, Seda, O Boticário, Cacau Show e Ticket 360. “Nosso desafio é construir histórias verdadeiras para que a marca seja protagonista do momento que aquelas pessoas estão vivendo dentro do evento”, defende Ju Ferraz, diretora comercial da Holding Clube.

Pela primeira vez a Seara vai ativar a marca no Carnaval, com uma hamburgada, espaco instagramável e mesa gourmet de frios. “Têm duas agências que estão trabalhando para fazer este projeto. A SunsetDDB, em digital; e a WMcCann, que cuida dos influenciadores. Por outro lado, temos a nossa forma de ativação e a própria Seara pensando em como repercutir isso de maneira diferente”, diz.

Para Ju, há uma mudança de pensamento do mercado com relação às ativações nos dias de folia. “Se você perguntasse o que estávamos fazendo há dez anos e como vendíamos patrocínio, entendíamos que evento-proprietário era o fim da história. Hoje é o meio. A gente tem o trabalho grande de construir uma relação da marca com as pessoas e temos um momento de pico, que é o evento e as experiências, mas o desafio maior é como me manter conectada com aquelas pessoas ao longo dos outros meses”, pondera.

CarnaUOL Nº 1, que é realizado no Rio de Janeiro, tem programação que não quer competir com os desfiles das escolas de samba (Divulgação)

Localizado dentro da Sapucaí e com foco no público entre 30 e 50 anos, o CarnaUOL Nº1 traz uma lista de artistas e celebridades que se apresentam entre os desfiles do grupo especial. “A nossa grande atração, na verdade, é o desfile das escolas de samba”, adverte.

Avenida
A apuração do desfile paulistano de 2019 deixou um gosto amargo na boca do Vai-Vai. A tradicional escola do bairro do Bixiga, em São Paulo, foi rebaixada para o Grupo de Acesso pela primeira vez em 89 anos e viu suas contas afundarem após inúmeras confusões com a antiga diretoria. A agremiação perdeu, de uma só vez, a verba da Prefeitura, o barracão para montagem das alegorias e adereços e os direitos de imagem pela transmissão do desfile e das vinhetas de aquecimento na Globo.

“Hoje a escola parte de um saldo negativo com a Prefeitura. Todo o dinheiro que temos é oriundo do exercício de 2019, não tínhamos um caixa que sustentasse”, aponta Lucas Callu, integrante do departamento de comunicação do Vai-Vai. Para tentar sair do prejuízo e botar a escola na avenida mesmo sem patrocínio, a agremiação lançou em 2020 um energético comemorativo em parceria com a Smart Power. A bebida é vendida no bar da escola durante os ensaios e a renda é revertida para o desfile.

Vai-Vai busca apoio para colocar carnaval na avenida (Divulgação)

“Hoje não temos patrocínio robusto. Temos vários parceiros, mas são de permuta e como fonte de receita externa temos o crowdfunding”, dispara Callu. A Vai-Vai também tem uma loja, que vende produtos licenciados com sua marca.

Por outro lado, a Liga das Escolas de Samba de São Paulo recebe patrocínio da Chevrolet Consórcio Nacional, Itaipava e Bradesco. A atual campeã da folia paulistana, a Mancha Verde, é financiada pela Crefisa, FAM e Amstel. A própria Prefeitura investiu pesado no Grupo Especial. O valor total para as 14 escolas é de cerca de R$ 18 milhões.

Já o Rio de Janeiro vive o arrocho por conta da falta de patrocínio municipal. Sem apoio, as escolas viram a verba de R$ 20 milhões cair a zero este ano. A falta de recursos e as obras na Sapucaí levaram as agremiações a cancelarem os tradicionais ensaios técnicos na avenida.

Ainda que escolas como a atual campeã Estação Primeira de Mangueira tenham patrocínios – neste caso, Itaipava e Petrobrás –, a falta de incentivo público fez com que as escolas investissem ainda mais ao longo do ano em eventos nas quadras, além do licenciamento de produtos, que vão de roupas a itens para casa e decoração.

Mesmo com a pulverização do incentivo pela quantidade de oportunidades para as marcas, não é possível afirmar que blocos e camarotes estejam recebendo mais patrocínio em detrimento das escolas. No entanto, a proporção de exposição nos blocos e as ativações dos espaços fechados vêm chamando a atenção dos patrocinadores.

Para Ju Ferraz, que afirma ter visto o boom dos trios em Salvador e sua posterior migração para os camarotes, o Carnaval é um “ecossistema”. “As pessoas querem é se divertir e não importa como. Às vezes ele está com vontade de ir para o bloco, no outro dia quer ir ao camarote viver uma experiência mais confortável e está tudo bem. São formatos diferentes, mas que proporcionam a mesma coisa: alegria. Não existe Carnaval sem bloco de rua, sem desfile e sem camarote”, finaliza.