Houve um tempo em que a publicidade tinha de se bastar. Se a mensagem não se tornasse memorável e não fosse capaz de promover a mobilização do consumidor para uma experiência com a marca era dinheiro jogado no lixo.

Conseguem perceber a responsabilidade de quem sentava diante de uma máquina de escrever, colocava o papel em branco no rolo e começava a datilografar? Ou mesmo depois, com a chegada dos computadores, teclando e preenchendo a tela desafiadora?

Portanto, para ganhar uma vaga na criação ou você tinha um bom portfólio de anúncios, outdoors, comerciais para TV, cinema e peças de rádio ou deveria, pelo menos, impressionar seu entrevistador com uma boa dose de espirituosidade. Aquela capacidade de fazer observações surpreendentes e engraçadas sobre os assuntos tratados.

A espirituosidade sinalizava que você era capaz de ter boas sacadas e de quebrar o gelo nas inter-relações. Os criativos e as criativas que venceram na profissão na época foram, sem dúvida, pessoas muito espirituosas, não só no trabalho de criar anúncios, mas em suas performances nas reuniões e apresentações de campanhas. Apostava-se em primeiro lugar no bom humor.

Havia a convicção de que a única chance de a publicidade se tornar memorável era, sempre que possível, sendo divertida. Por conta disso, o raciocínio criativo das peças publicitárias geralmente começava com a “ridicularização” do “problema” a que o produto ou o serviço se propunham a resolver.

O público se identificava na situação e se divertia. Muitas vezes a marcas apenas assinavam como “solução”.

A pior coisa, então, que podia acontecer para uma dupla era ver o seu diretor de criação avaliando um anúncio ou lendo um roteiro sem mover um músculo da face. A melhor, naturalmente, era escutar dele uma sonora gargalhada ou ele mostrar os pelos do braço eriçados. Tudo estava sustentado inteiramente no talento dos profissionais para transformar cada briefing numa peça brilhante e autossuficiente na capacidade de emocionar e levar o consumidor até a marca.

Mas isso era antes.

Hoje o mercado pede que os candidatos a criativos apresentem uma outra característica: a engenhosidade. Porque ninguém mais aposta apenas em um anúncio, por melhor que ele seja. O anúncio (se houver, aliás) é só parte de uma engenharia bem mais complexa, que busca, muito além de emocionar o público com uma mensagem espirituosa, “confinar” o consumidor numa circunstância em que não lhe reste alternativa senão a experiência com a marca. O desafio mudou, mas não deixa de exigir tanto talento dos criativos quanto exigia antes. Porém, com uma objetividade muito mais técnica e muito menos romântica.

Se antes o peso maior estava na criatividade da mensagem em si, hoje ele está na inteligência aplicada a um enredo de marketing que deve atrair o consumidor à consumação do negócio. Se antes a prioridade era criar laços emocionais com a marca, agora o foco é o envolvimento do público-alvo num mecanismo movido ao atendimento de interesses objetivos. Mais engenhosidade, portanto, e menos espirituosidade.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)