Texto: Diego Santos Vieira de Jesus

Sem barreiras entre o ambiente físico e o digital, no mundo conectado em rede, novas formas de interação surgem entre as pessoas, de forma que todas produzem conteúdo e geram inteligência. Ou melhor, uma “inteligência coletiva”, na definição do filósofo francês Pierre Lévy. Ela reúne o conhecimento dos indivíduos com uma experiência acumulada a partir de vivências pessoais físicas e digitais – e uma comunidade composta não apenas pelos seus participantes, mas pela plataforma e pela inteligência compartilhada nesse ambiente.

Essa foi a inspiração para Gabriel Corrêa Lima, aluno do Mestrado Profissional em Gestão da Economia Criativa (MPGEC) da ESPM-Rio, desenvolver o seu trabalho de conclusão de curso, defendido em novembro de 2019: “Supernova Comunidade Criativa: propostas para a geração de conexões e inteligência coletiva visando ao desenvolvimento de profissionais e marcas inseridos no universo de negócios criativos”.

Seu objetivo: propor diretrizes e orientações para a construção de uma comunidade entre profissionais de negócios criativos, que promova, entre seus participantes, conexões e sentimento de pertencimento.

Utilizando sua própria agência de comunicação como base para a implementação da comunidade, Lima argumenta que a construção do senso de pertencimento e de inteligência coletiva ajuda a capacitar profissionais e fomentar negócios. Segundo o autor, “a promoção da conexão entre pessoas e negócios está relacionada à proposição de um modelo de curadoria, administração e cocriação que permitam a construção de inteligência coletiva para a capacitação de profissionais criativos e o fomento de negócios em uma comunidade retroalimentar”.

Veja abaixo as principais diretrizes desenhadas pelo estudo:

Os primeiros passos para uma ‘comunidade criativa’

O estudo aponta “por onde começar”: pela a elaboração de um diagnóstico para identificar oportunidades, desafios e ameaças à criação de uma “comunidade criativa”.

Oportunidades:

  • o interesse dos profissionais criativos pelo consumo de informação e conteúdo relevantes
  • o networking, tanto no sentido de conhecer novas áreas como no acesso a profissionais qualificados e a avaliação de trabalhos
  • o desenvolvimento de um sistema de feedbacks construtivos
  • a promoção da união entre os membros de diversos setores criativos
  • a intensificação ou a criação de sentimento de pertencimento
  • a geração de credenciais para produtores de conteúdo e a inclusão de participantes em debates, favorecendo a democratização de opiniões

Desafios e ameaças:

  • a necessidade de se alinharem expectativas quanto a temas e densidade da produção de conteúdo
  • evidenciar ao público de trabalhadores criativos que a participação na comunidade poderá render desenvolvimento profissional e ganhos financeiros
  • o risco de que muitos participem da comunidade apenas como consumidores e não produtores de conteúdo
  • o medo de se compartilharem ideias e produtos criativos e se ter a criação roubada ou copiada
  • a falta de visão de negócios entre profissionais criativos
Inteligência coletiva alimenta comunidades criativas (Shutterstock)

Caminhos para o posicionamento e a construção de marca da comunidade

Alguns caminhos diferentes podem ser trilhados para o posicionamento da comunidade. O primeiro consiste em um espaço focado em trabalhar a profissionalização em um nível mais básico, ajudando a construir entendimentos sobre a importância da economia criativa e dos conceitos básicos de empreendedorismo, marketing e design e, principalmente, a formação de uma visão de negócios sobre essas esferas. Um outro caminho é a possibilidade de trabalhar conteúdos mais profundos, que demandem um entendimento prévio sobre os temas citados e possibilitem uma interação entre pessoas que já tenham alguma experiência. Esse tipo de público provavelmente já têm uma formação mais avançada sobre negócios e uma maturidade maior, podendo contemplar profissionais de agências, consultorias e empresas já estruturadas, assim como profissionais autônomos e empreendedores que já tenham obtido certo grau de sucesso.

Já a construção da marca envolve um processo de branding, em que são analisadas concorrentes, referências, plataformas de outros segmentos, público-alvo e todas as pesquisas e diretrizes que vão sendo percebidas no decorrer do desenvolvimento do projeto. Espera-se que a marca, assim como a própria comunidade, esteja em constante reformulação. Com o avançar das experiências, não é eliminada a possibilidade de uma nova versão dessa marca, caso se perceba a oportunidade de adequação a novas realidades.

Diretrizes para sites e blogs

“A construção da comunidade passa pela criação de um site, que poderá abrigar um blog”, ressalta Lima. E a participação ativa do usuário é de extrema importância. Dessa forma, recomenda-se:

  • criar um espaço no qual os participantes possam comentar e avaliar cada conteúdo do blog – que deve estar categorizado por temas ligados à comunidade, para facilitar as buscas
  • cuidar da relevância dos temas e conteúdos, para evitar a saturação e a falta de credibilidade e profundidade, que faz com que a audiência se afaste das plataformas
  • banners espalhados pelo site podem convidar/incentivar os participantes a enviar também as suas publicações em uma seção própria no site para que sejam avaliadas e publicadas no blog, sempre com menção aos autores
  • espaço para um fórum que permite aos participantes criar tópicos para tirarem dúvidas, sugerirem pautas e debaterem assuntos livremente – e o único filtro seria evitar conflitos e condutas respeitosas. Aqui, a exigência de login identifica os participantes e ainda gera networking.
  • com possíveis avanços da comunidade e da produção de conteúdo, esse site poderá abarcar também conteúdo audiovisual, como webinars, entrevistas e até mesmo seções de cursos online

Ações em redes sociais e plataformas digitais

LinkedIn e Facebook são importantes formas de divulgação e construção de relacionamento, que propiciam o compartilhamento das publicações do blog e bullets de conteúdo, bem como publicações gráficas ou pequenos vídeos com informação, curiosidade, dicas ou notícias de modo rápido, sem que seja necessário o redirecionamento para o site. Mas é preciso focar em conteúdos capazes de entregar valor na contramão das informações saturadas e superficiais – o que aumenta as chances de o público se interessar por conteúdos mais densos.

No Instagram, pode-se trabalhar preferencialmente com conteúdo visual, com prioridade para fotografias sem intervenções gráficas, salvo exibições de trabalhos artísticos ou de design. Tais produções poderão retratar processos criativos, tais como campanhas publicitárias, trabalhos de design e arte, sets de filmagem e fotos de personalidades, eventos e empresas, trazendo sempre na legenda informações complementares de rápida leitura sobre tais temas, como procedimentos, métodos, dicas, curiosidades e resultados obtidos. O Instagram poderá receber também conteúdos produzidos especialmente para a rede, incluindo vídeos para o Instagram Stories e a IGTV (Instagram TV).

Os podcasts são formas de se consumir conteúdo que podem ser utilizadas durante outras tarefas, como trajetos no trânsito. Embora a utilização do Spotify ainda esteja muito vinculada à música, alguns podcasts já apresentam audiência significativa, inclusive entre negócios criativos. Apesar das limitações do Spotify quanto às interações entre usuários, os conteúdos criados para essa plataforma podem desembocar em assuntos complementares ou debates, tanto nas redes sociais quanto no próprio fórum e publicações do blog.

Num momento posterior, videoaulas e cursos mais extensos possam ser produzidos e alocados no YouTube para serem divulgados também no site e nas redes sociais. Embora a produção de vídeos, por sua complexidade e custo, possa não ser uma realidade para os primeiros momentos, trata-se de um ponto importante a ser monitorado a fim de se estudarem os melhores formatos, bem como a possibilidade de se incluir esse produto futuramente como forma de alavancar um modelo de negócios de clube de assinatura para acesso a conteúdo exclusivo.

Workshops e cursos presenciais

Diante da eliminação gradual das fronteiras entre os mundos físico e virtual, é possível pensar na forma como podem ser desenvolvidos eventos presenciais, workshops e cursos livres, de acordo com as particularidades da comunidade. Para determinados profissionais criativos, o ambiente de co-working proporciona conhecer outras pessoas e profissões, a participação em eventos e até o fechamento de novos negócios. Apesar dessas vantagens, o co-working nem sempre é visto como grande influência na construção do sentimento de pertencimento à comunidade de profissionais.

A troca com pessoas com experiências, rotinas, desafios e dificuldades parecidos pode ser uma das principais causadoras desse senso de pertencimento. Sendo assim, espera-se que uma comunidade virtual, de acordo com o seu posicionamento e por unir profissionais com características mais próximas do que os co-workings e espaços de networking tradicionais, consiga aumentar o sentimento de pertencimento desses profissionais por meio de workshops, palestras e cursos livres e deixe aberta também a possibilidade de cursos de média e longa durações, caso sejam percebidas tais demandas.

Para mais informações sobre o framework para a construção de curadoria e a criação de conteúdo para profissionais criativos em rede, acesse o material instrucional desenvolvido por Lima e mais três pesquisadores do Laboratório de Cidades Criativas, da ESPM-Rio.

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