Quando fiquei sabendo que a Monja Cohen, celebridade budista, que cobra até R$ 15 mil por uma palestra, tinha sido contratada pela Ambev para ser “embaixadora da moderação”, seja lá o que isso signifique, fiquei matutando sobre qual parte da anedota eu não tinha entendido. Conversei com alguns colegas e amigos e, claro, como o meu círculo de amizades, na maior parte, é formado por gente bem-humorada, sobrou pouquíssimo tempo para falar sério.

Mas faço questão de dar espaço aqui para as exceções. Há quem acredite que se trata da primeira tentativa de fazer um trabalho profundo e eficaz na prevenção do alcoolismo. Contariam a favor da tese, o fato de ser uma bilionária fabricante de bebidas alcoólicas, a patrocinadora, e de uma respeitada religiosa, a contratada para dar cara à iniciativa.

Até aí, conheço bem a, como virou moda falar, narrativa. Quantas vezes na vida sustentei apresentações fazendo um discurso entusiasmado e entusiasmante, enquanto passava lâminas coloridas de powerpoint, desafiando o cliente a atitudes arrojadas, para não dizer escandalosas.

Não sei se a ideia nasceu do cliente ou da cabeça de algum publicitário da nova safra (os antigos preferiam fazer comerciais como Menino sorrindo, criado pela DPZ para a Seagram, em 1973), mas é o retrato desse momento em que viralizar é mais importante do que funcionar. Entendo que a iniciativa é arrojada, sim, mas não necessariamente feliz na sua “lógica”. E olha que eu sempre cultivei no meu trabalho o “pensar ao contrário”. Aqui, porém, não se trata de fazer alguma coisa aparentemente contraditória, na perspectiva de, a partir da surpresa, impactar positivamente na conquista dos objetivos. É pura incompatibilidade mesmo. Como assim? Uma fabricante de bebidas alcoólicas não pode fazer uma campanha de prevenção ao alcoolismo? Não, não pode. Simplesmente porque não existe a possibilidade de, simultaneamente, estimular o consumo e promover a abstinência.

Ah, mas não estamos falando de abstinência, mas de moderação. Desculpe, estamos
falando de alcoolismo. E não existe controle de alcoolismo sem a abstinência absoluta. Como se referem os ex-pacientes dos Alcoólicos Anônimos a si mesmos, “somos alcoólatras secos”.

Isto é, gente que nunca mais na vida vai poder colocar uma gota de álcool na boca, sob pena de recair no alcoolismo. O que, então, queremos que a monja estimule? A beber sem se viciar? A pegar leve, mas não parar?

A abrir mão da saideira, mas seguir firme com as iniciadeiras? A manter o hábito de beber, mas fazê-lo moderadamente, para não acabar no AA, e ter de parar de comprar cerveja? A preservar a própria saúde, mas não a ponto de atrapalhar o nosso negócio? Está me parecendo uma versão do “estupra, mas não mata”, pós-Maluf.

A monja já foi do balacobaco, e sabe muito bem como essas coisas funcionam. A mensagem “Beba com moderação” nunca fez parte do DNA de nenhuma marca de bebida, e só é usada por conta de uma negociação para evitar que o Congresso enrijecesse a legislação sobre propaganda do segmento. Enfim, prefiro o Garoto sorrindo, pois vejo muito mais sinceridade naquela busca do nosso saudoso Zara por um merecido Leão em Cannes.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing (stalimircom@gmail.com)