Cyllas Elia: nova geração não vai admitir lugares sem rede“Moço, qual a senha do Wi-Fi aqui?”. “Não temos Wi-Fi, só dentro das lojas”, responde o segurança de um grande shopping de São Paulo. A situação real aconteceu com uma criança de 7 anos, que já nasceu dentro do ambiente digital e ficou decepcionada com a resposta sem compreender por que o shopping não tinha acesso à internet, algo tão básico para essa nova geração. O atraso na oferta de Wi-Fi, principalmente em lugares públicos, como praças e parques, é evidente no Brasil, quando comparado a outros países. E de acordo com o Ministério das Comunicações, não há um plano específico para a expansão do Wi-Fi no país.

“A nova geração não vai admitir lugares que não tenham redes. Isso é um ponto de vista muito interessante porque vai se tornar um serviço básico, como eletricidade e água e vai virar commodity”, afirma Cyllas Elia, CEO da 00K, desenvolvedora de plataforma que automatiza a gestão de lojas virtuais e uma das primeiras startups brasileiras selecionadas para receber aporte do MercadoLibre Commerce Fund, fundo de investimentos do MercadoLivre.

O executivo ressalta que sempre defendeu que a inclusão digital em si não se traduz na quantidade de pontos, mas sim na largura de banda que é utilizada nessas conexões, “porque aí você tem a real inclusão digital, para ver TV, visualizar vídeos, e não simplesmente baixar emails”, disse Cyllas.

A mesma ideia é defendida por Léo Szterenzys, sócio-diretor da Sonar9, uma empresa brasileira que importa tecnologia de Israel para serviços de marketing e mídia digital. Ele diz que com o aumento do número de smartphones e tablets, o consumo de Wi-Fi mudou completamente. “Precisa haver uma própria readequação da estrutura do Wi-Fi. Hoje as pessoas entram no Facebook, Instagram, compartilham fotos, é muito diferente do que era no passado”, salienta.

Para o executivo, os shoppings, bares e restaurantes que ainda não oferecem Wi-Fi estão perdendo clientes. A própria Sonar9 trabalha em conjunto com o restaurante Quattrino para utilizar a base de usuários do estabelecimento que utilizam a internet para fazer posterior interação com esse público, como oferta de cardápios e publicidade. A empresa também fechou contrato com o Terminal Rodoviário de Mauá para, por meio do Wi-Fi, oferecer publicidade e informações úteis, como horários dos ônibus. “Com a base de usuários, o terminal pode fazer qualquer tipo de ação de relacionamento”, completa ele.

Léo Szterenzys: com a base, é possível fazer várias açõesSzterenzys afirma que a mentalidade dos empresários precisa mudar em relação à disseminação do Wi-Fi. “Tem muita loja que pensa em oferecer Wi-Fi gratuito, mas questiona que quando uma pessoa passar em frente à loja também vai pegar o sinal. Porém isso é o menos importante, até porque essa pessoa também pode ser um potencial consumidor.”

Publicidade

A Prefeitura de São Paulo está com programa que vai utilizar a publicidade para expandir a oferta da rede Wi-Fi gratuita na cidade. Em contrapartida à instalação e manutenção de pontos de sinal aberto de internet em locais públicos da metrópole, a empresa ganha o direito de veicular publicidade nos aparelhos que acessarem a rede. O edital será lançado em 2015. Atualmente, o projeto Wi-Fi Livre SP, uma iniciativa da prefeitura, oferece internet grátis em 71 locais públicos.

Do lado do governo federal, o que existe nesse sentido é o Programa Cidades Digitais, que entre outros pontos, busca incentivar a oferta de pontos de acesso à internet para uso livre e gratuito em espaços públicos de grande circulação, como praças, parques e rodoviárias. As cidades que recebem essa estrutura são selecionadas por meio de edital. Em 2012, o Ministério das Comunicações abriu a primeira seleção para o projeto-piloto, em que 80 municípios foram contemplados. Em 2013, o Cidades Digitais foi incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal, selecionando 262 municípios com população de até 50 mil habitantes e que estão em fase de implantação.

Para uso comercial do Wi-Fi no Brasil, é necessário o equipamento ser homologado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). As frequências são livres de licença, o usuário não paga nenhuma taxa, mas são permtidos apenas equipamentos que tenham sido avaliados e com o certificado de homologação.

Cadastro

No Marco Civil da Internet, há um artigo que recomenda a quem provê o acesso a manter o registro das conexões, em caso de investigação, e o que muitas empresas estão fazendo é exigir um cadastro dos usuários para se conectar gratuitamente. “Muitas empresas têm o sinal, mas alegam que os consumidores não querem se cadastrar porque acreditam que esses dados podem propagar spam. Isso está surgindo como uma justificativa para não ampliar o sinal. Se o sinal fosse totalmente aberto, com certeza haveria mais usuários”, opina Roberto Mayer, vice-presidente da Assespro (Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação).

Roberto Mayer: Argentina está à frente do país na oferta

O executivo destaca que os cafés e restaurantes na Espanha, Estados Unidos e até mesmo na Argentina usam o sinal do Wi-Fi para atrair as pessoas e não pedem cadastro. “Há países em que se a pessoa não tiver 3G no celular, consegue se manter conectado o tempo todo porque tem Wi-Fi em todo lugar”, completa Mayer. Outro fator é que o custo médio de uma boa conexão de internet é mais elevado no Brasil do que nos países desenvolvidos. “Em relação à disponibilidade da internet em lugares públicos, a Argentina está à frente do Brasil. No metrô de Buenos Aires há dez anos já tinha sinal de Wi-Fi.”

O especialista avalia que o acesso do Wi-Fi no país ainda é muito controlado. “O que está acontecendo com mais volume é que você tem hoje uma disseminação das redes Wi-Fi pelas próprias operadoras de telecomunicação, porque é mais barato atender o cliente via Wi-Fi do que via 3G. “O que falta no Brasil é a vontade do governo de fazer avançar continuamente. O Plano Nacional de Banda Larga, que foi lançado no segundo ano do governo Lula, até hoje não foi plenamente realizado, muita coisa não foi feita. Às vezes, é mais eficiente o governo ser o planejador”, finaliza Mayer.