Na semana passada, entrou em vigor o programa “Vamos tirar o planeta do sufoco”, acordo entre o setor supermercadista e o governo do estado de São Paulo para o banimento das sacolas descartáveis. Com a substituição por reutilizáveis, quase sete bilhões de sacolas plásticas deixarão de ser distribuídas no estado. Os supermercados, por sua vez, devem economizar R$ 190 milhões anualmente com o programa. O modelo, primeiro implantado em Jundiaí, foi monitorado de perto pela Apas (Associação Paulista dos Supermercados), com pesquisas em parceria com o Ibope, para analisar o impacto na cidade e no dia a dia dos consumidores. O resultado será utilizado para levar o programa para o restante do Brasil, explica João Galassi, presidente da Apas. Nesta entrevista, o executivo fala do novo mercado que deve surgir com o fornecimento de embalagens reutilizáveis e quais benefícios a cadeia acredita que a substituição irá trazer para o estado. Ele garante ainda que o consumidor vai sentir redução nos preços.
Desde a semana passada, os supermercados deixaram de distribuir gratuitamente sacolas plásticas. O consumidor já está preparado para essa mudança no seu dia a dia?
O programa de substituição das sacolas descartáveis pelas reutilizáveis foi norteado por ação semelhante na cidade de Xanxerê (SC). Foi lá que notamos o grande ponto de mudança, porque a própria prefeitura entrou no projeto. Trouxemos o modelo para o governo do Estado de São Paulo conhecer e fomos convidados pelo secretário do Meio Ambiente, Bruno Covas, a apresentar programa nesse sentido. Assinamos acordo com o governo do estado em que cada parte se responsabilizaria pela divulgação do projeto. Jundiaí foi a primeira cidade onde o programa foi implantado, projeto que serviu de base para a substituição adotada por Belo Horizonte (MG). Depois, as cidades de Montemor, Americana, Marília, Descalvado e uma série de outros municípios adotaram o modelo. O projeto não é lei, é um programa de conscientização. Faz com que nós tenhamos muito mais dificuldade de implantação, mas cria uma base consistente. O consumidor paulista está preparado porque veio dele esse movimento de que nos empenhássemos e colocássemos a sustentabilidade sendo a palavra de ordem.
Como o setor pretende lidar com possíveis tensões com o segmento do plástico, que, naturalmente, já sente redução no número de pedidos por embalagens plásticas? Tem a intenção de manter os mesmos fornecedores para as sacolas biodegradáveis?
Hoje, temos alguns questionamentos de uma parte desse setor. Para os fornecedores de matéria-prima, que estão no topo da cadeia, as sacolas representam entre 2% e 3% do seu faturamento, o equivalente a R$ 500 milhões no Brasil e a R$ 200 milhões no Estado de São Paulo. Mas esse é um segmento de R$ 15 bilhões. Portanto, para esse grupo, o impacto da substituição é quase zero, mas isso não significa que as empresas não busquem formas de garantir tal fonte de receita. O importante a dizer é que está surgindo um novo mercado, o das sacolinhas compostáveis e o das reutilizáveis. É a possibilidade de criar algo com valor agregado e, do ponto de vista financeiro, conseguir fonte de receita equiparável à produção das embalagens descartáveis. No mercado brasileiro, ainda não há capacidade completa para a produção de sacolas sustentáveis. Em São Paulo, não haverá problema de abastecimento, mas o sortimento é básico e ainda temos muito a crescer. Há uma série de modelos interessantíssimos para serem explorados, como as sacolas que viram chaveiro ou as que se transformam em bolsa, e isso mostra que há uma indústria toda para ser desenvolvida.
Por quanto as sacolas compostáveis serão vendidas, a R$ 0,19 ou a R$ 0,25?
Nossa recomendação é o supermercado colocar, na porta da loja, a nota fiscal do preço que pagou pelas sacolas e vender por esse valor. Os estabelecimentos que participam da campanha “Vamos tirar o planeta do sufoco”, pelo acordo firmado, têm essa obrigação. Tivemos pressão, em determinada época, por meio de um órgão do governo federal, de que estávamos fazendo uma espécie de cartel ao colocar o mesmo preço para as sacolas. Mas isso é custo. Que espécie de cartel é esse onde ninguém ganha?
Mas e se o setor negociasse com seus fornecedores a redução do custo de produção, mas mantivesse o preço entre R$ 0,19 e R$ 0,25?
Tentamos [reduzir o custo], mas o fornecedor não tinha volume. Em função da demanda que estamos gerando na sociedade, abre-se espaço para um novo mercado no Brasil, que é o de usina compostável. O que percebo claramente é que o preço da sacola compostável vai cair em breve.
Por quê?
Porque quando começamos o projeto não havia fornecedor para esse tipo de embalagem. Hoje temos três e, em breve, serão cinco. Agora precisamos enviar as sacolas [dos novos fornecedores] para estudo na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) para analisar se são realmente compostáveis. Elas são diferentes das biodegradáveis. Quando você diz que uma sacola é compostável, significa que, ao ser descartada no meio ambiente, levará dois anos para ser absorvida, mas, em ambiente de compostagem, levará apenas seis meses. A biodegradável pode ter uma parte compostável e outra, ser formada por polietileno.
Grandes redes, como Walmart e Carrefour, ainda não implantaram o banimento por completo das sacolas nos Estados Unidos e na Europa. Lá, optaram por trabalhar na conscientização para reduzir o uso. Mas por que no Brasil decidiram adotar o modelo?
As redes estão muito empenhadas no quesito sustentabilidade e acompanham as políticas do país onde estão instaladas. Na verdade, uma rede não poderia implantar o modelo sozinha nos EUA. O próprio Carrefour, que adotou a substituição em sua loja de Piracicaba, sabia que, se feito em bloco, com processo de conscientização e com a Apas como porta-voz, é muito mais fácil de o consumidor engajar-se.
O modelo de São Paulo é um piloto para ser expandido para o restante do país?
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) apoia totalmente a nossa iniciativa. Está para ser assinado entre o Ministério e a Abras um acordo para que o projeto seja nacionalizado. Acredito que tudo irá depender do paulista. Se ele se empenhar nesse movimento, a substituição deverá ser levada para o restante do Brasil.
Quais benefícios a Apas acredita que a substituição trará para a cadeia e para o consumidor?
Para o projeto vir para São Paulo, fizemos estudos para ter a certeza do que estávamos propondo. Em pesquisas realizadas em parceria com o Ibope em Jundiaí, notamos algumas melhorias. As sacolinhas deixarão de ser desperdiçadas e descartadas de forma inadequada. O consumidor irá notar limpeza da cidade, redução do risco de enchentes e satisfação por estar contribuindo. Quase sete bilhões de sacolas, apenas no estado de São Paulo, deixarão de existir no primeiro ano do programa. Mas há um ponto que ainda está em fase de estudo e que servirá de embasamento para a implantação do modelo em todas as cidades do Brasil: observamos que o processo de reciclagem dentro das casas, nas cidades onde ocorreu a substituição, é muito maior do que naquelas onde não há programa semelhante. Já as prefeituras estão tendo benefício financeiro pela redução de resíduo e ganhando pontos em programas verdes do governo federal. Nas empresas que coletam lixo, também há melhora. As secretarias de meio ambiente de Jundiaí e Belo Horizonte tiveram retorno positivo das companhias que realizam esse trabalho. Os profissionais não encontram mais aquele monte de sacolinha para pegar no chão. A coleta está mais rápida, limpa e, do ponto de vista da saúde dos trabalhadores, está mais segura.
Até então, o custo das sacolas era incorporado ao preço do produto, como demais custos do estabelecimento. Com a substituição, o consumidor pode esperar uma redução nos preços?
Com certeza. Não há nenhum ganho de produtividade que não seja repassado para o consumidor. O setor de supermercados é muito competitivo e pulverizado. Todos os dias os estabelecimentos estão brigando pelo seu consumidor, pelo cliente do outro. Se considerarmos a inflação de 1994 para cá, o IPCA foi de 220%, enquanto a alta dos supermercados foi de 120%, segundo números da Apas/Fipe. Somos considerados pelo governo federal como segmento estratégico para manutenção e colaboração para segurar a inflação no país. Os supermercados irão repassar o ganho de produtividade para preços e serviços, como sempre fizeram. Mas queremos que os estabelecimentos se engajem com a bandeira da sustentabilidade. É preciso que entre em seu planejamento estratégico a redução do impacto ambiental para garantir que, no futuro, esse seja um setor alinhado às novas tendências, e não um que prejudica o meio ambiente.
E o consumidor poderá sentir de que modo esse ganho de produtividade?
Quando digo que ele sentirá nos preços, é preciso observar alguns pontos. Em um supermercado que fatura R$ 500 mil, o gasto com sacolinhas girava em torno de R$ 1 mil. Dividido em 12 mil itens, fica difícil visualizar uma redução. Sei que os estabelecimentos, ao ver que um montante saiu de sua linha de custo, irão buscar melhorias, realizar promoções, trocar mobiliário. Esse é o modelo. Na verdade, estamos trabalhando para que os supermercados incorporem boas práticas para criarem lojas verdes. A campanha “Vamos tirar o planeta do sufoco” é a ponta do iceberg. A entidade quer que o setor supermercadista participe de outras ações, como da coleta das sacolas reutilizáveis, quando estragarem. Também iremos lançar um guia, em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente, voltado para o consumidor, com informações sobre como o cliente pode adotar boas práticas ambientais. Essas ações representam custo. Por isso, dizemos para o setor que este é um projeto que está em fase de início e que irá demandar muito investimento.
Quanto os supermercados devem investir nos próximos anos em sustentabilidade?
Geralmente, uma loja verde custa 15% mais caro que uma loja normal. Se os estabelecimentos adaptarem integralmente suas lojas para reduzir o impacto ambiental, os gastos serão 15% maiores nos próximos anos.
Com a substituição das descartáveis pelas reutilizáveis, de quanto será a redução no custo dos supermercados?
Em um ano, os supermercados devem repassar R$ 190 milhões ao consumidor, cerca de 0,2% do faturamento. Serão quase sete bilhões de sacolas no Estado de São Paulo que deixarão de existir anualmente. Se implantado no país todo, serão 14 bilhões. O setor do plástico afirma que são distribuídas 12 bilhões de sacolas no Brasil hoje, a um custo de R$ 500 milhões. Mas, na verdade, sobem o valor do preço médio da embalagem vendida para dizer que o faturamento é grande, mas que o número de sacolas é menor que o comercializado.
Com o acordo em vigor, os supermercados devem lançar campanhas isoladas sobre as novas regras para as sacolas plásticas?
Sim, e irão trabalhar de modo agressivo. É quando começa a guerra, de cada um garantir clientes e posicionar-se diante do consumidor.