A história dos últimos 100 anos mostra os fluxos e contrafluxos das agências de publicidade, que cresceram gradativamente na esteira da maior relevância da publicidade e das mídias de massa, que aumentaram tanto a complexidade e a dificuldade em fazer boa propaganda como tornaram mais relevante a contribuição delas para os anunciantes obterem mais de seus investimentos na área.
Essas circunstâncias foram especialmente válidas nas décadas de 1960 e 1970, quando se constatou que apenas fazer direito o que deveria ser feito já não era suficiente e a criatividade passava a ser crucial. Nesse ponto, muitas houses foram sendo fechadas e as contas migrando para as boas agências. Nos 30 anos finais do século passado muita coisa mudou, mas, como o dinheiro era cada vez mais abundante, havia espaço para todos, como a separação entre agências criativas e de mídia; a expansão de agências especializadas em promoção, marketing direto, merchandising, RP e outras plataformas; a consolidação dos grupos de comunicação, como a IPG, Omnicom, WPP, Publicis, Havas e Dentsu Aegis.
Com a chegada do universo digital, outra fase de mudanças tectônicas começou. O dinheiro até aumentou, mas os bolsos ávidos por ele cresceram ainda mais. Os grandes players digitais e os mega-anunciantes acreditaram que eram menos dependentes das agências e começaram tanto a tentar trabalhar mais de forma direta como, ainda pior, passaram a pagar menos pela contribuição das agências.
Surgiu outro concorrente de peso para disputar os recursos delas, as martechs, com a promessa, geralmente não cumprida, que sua intervenção faria as coisas mais fáceis, rápidas, baratas e eficientes.
Na real, como sabemos agora, no fim da segunda década deste século, isso não aconteceu e a eficiência e a eficácia da publicidade vem se reduzindo e retirando das marcas um ativo com o qual muito sucesso e riqueza foi obtido no passado.
Não foi só culpa dos megaplayers digitais e das martechs, é bom lembrar, porque a competição pelo preço e a perda de autoridade das agências contribuíram bastante, incluindo a visão financeira dos grupos globais de comunicação, a multiplicação de “especialistas” e a perda de rumo dos clientes, que pesaram na mão na compressão de custos, via procurement; embarcaram em estratégias fracas e no curto-termismo, erodindo a força de suas marcas; adotaram metodologias de ZBB (zero-based budgeting), criando situações de subinvestimento; e, bobagem das bobagens, passaram a apostar nas in-houses para reduzir custos, aumentar velocidade e ganhar eficácia.
A cereja desse bolo antimercado foram as consultorias, que botaram olho gordo no faturamento das agências e aproveitaram a sua maior intimidade com CEOs, CFOs e outros “chefes” para seduzi-los com cantos de sereias. Felizmente, o contrafluxo começa a ocorrer, com a revalorização das agências full service e das independentes, as agências de mídia pensando em criação e as criativas entendendo de mídia, e as consultorias se dando conta que o negócio é outro (caso da Accenture, que virou um grupo de comunicação global).
Até mesmo a onda das in-houses vem decepcionando diversos anunciantes que optaram por esse modelo. Pesquisa recente da britânica DMA – Data e Marketing Association revelou que, para 200 executivos de grandes clientes, o atingimento de 13 objetivos para sua unidade interna foi menor que o esperado e a sensação geral é de que o sistema funciona para algumas empresas, mas não para outras e, mesmo quando é válido para umas coisas, falha em outras.
É o inevitável refluxo. Que ele aumente e acelere – em benefício de todos, principalmente dos anunciantes.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafaelsampaio103@gmail.com)