O Réveillon do Rio de Janeiro, a maior festa de fim de ano do mundo, terá como tema o novo filme da Fox, a animação “Rio 2”, de Carlos Saldanha, com direito a personagens do filme no vídeo de contagem regressiva da virada e os primeiros segundos dos fogos totalmente azuis, em homenagem à arara azul Blu, principal personagem do longa-metragem. A ação é inédita. Nunca o Réveillon carioca serviu de palco para o lançamento de um filme ou de qualquer produto. O anúncio, há cerca de uma semana, gerou polêmica acerca dos limites das marcas em determinados eventos considerados quase que “sagrados”.
Flavio Machado, diretor-geral da SRCOM, que há sete anos produz o Réveillon do Rio, diz que sempre teve muito pudor com a presença de marcas na festa da virada. Os patrocinadores do evento – Embratel, Light, Coca-Cola, cerveja Antarctica e Petrobras – têm limites muito claros. Neste caso, no entanto, o executivo diz que não é um patrocínio ou um merchandising do filme, mas sim uma parceria que ele considera igualmente benéfica para a cidade e para a Fox. “A parceria com interesses comuns vai muito além do dinheiro”, diz, explicando que não houve “venda”, mas união de interesses – e que o maior beneficiado é a cidade do Rio de Janeiro, por ter sua imagem divulgada mundialmente por meio de um filme. “Quanto mais expectadores o filme tiver mundialmente, melhor será para o Rio de Janeiro e para o Réveillon, que aparece na primeira cena da animação”, afirma.
O executivo diz que, em troca de colocar seu filme como tema do Réveillon, a Fox está investindo um valor “simbólico” na produção da festa. “Mas o mais importante é que transmitirá a festa da virada no canal Fox na América Latina e nos Estados Unidos, algo que nunca ocorreu”, ressalta. A emissora também usará sua estrutura de imprensa para divulgar o Réveillon Brasil afora, produzirá a vinheta de contagem regressiva da festa em Hollywood, com a participação dos personagens, e assinará a trilha dos fogos utilizando trechos da própria trilha do filme (assinada pelo compositor John Powell), durante os 16 minutos de sua duração. Os primeiros 56 segundos da queima terão a coloração azul – que representa a chegada de Blu a Copacabana.
Segundo o release de divulgação, “enormes leques e grandes vulcões azulados emergem do mar para culminar numa grande explosão de cores”. “Todos estão saindo ganhando. Sem essa parceria não haveria, por exemplo, a transmissão da festa para outros países. Os patrocinadores da festa também ficaram muito felizes”, diz Machado. O propmark tentou ouvir os patrocinadores do Réveillon carioca, mas nenhum deles se posicionou. Por sinal, este ano pela primeira vez os shows pós-fogos – atrações como Nando Reis, Lulu Santos, Carlinhos Brown, Beth Carvalho, entre outros – serão também transmitidos ao vivo pela Rede Globo para o Estado do Rio de Janeiro.
Machado conta que tudo começou quando a Fox procurou o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, para mostrar a animação “Rio 2”. Encantado com a sequência do longa, o próprio prefeito sugeriu à SRCOM a parceria. “Achamos que fazia sentido e fomos em frente”. “Rio 2” será lançado mundialmente em 28 de março de 2014. Camila Pacheco, diretora de marketing da Fox Film do Brasil, diz que não há nada mais apropriado do que o filme “participar da maior festa do mundo”. “Essa é uma oportunidade muito especial”, acredita. “Rio – o filme”, lançado em 2011, levou mais de seis milhões de brasileiros aos cinemas e conquistou o nono lugar no ranking de maior bilheteria de todos os tempos no país.
Mercado se divide
Oportunismo ou um dos maiores projetos de branded content já realizados? No livro “O que o dinheiro não compra: os limites morais do mercado”, o americano Michael J. Sandel se diz preocupado e chama atenção para o que ele nomeia de “triunfalismo do mercado”, fenômeno atual em que o mercado comanda quase tudo ao nosso redor. O autor diz que tudo se transformou em produto. Na obra, ele conta casos pitorescos, como o comércio milionário de autógrafos de celebridades, o papel dos patrocínios nos esportes, estádios nomeados com marcas, escritores patrocinados por marcas em troca de incluí-las em seus romances, pessoas que transformam seus corpos em outdoors.
Há um capítulo dedicado exclusivamente a “marketing municipal” – patrocínios de praias, trilhas, monumentos, estações de metrô, hidrantes e até escolas. “Queremos uma sociedade onde tudo esteja à venda? Ou será que existem certos bens morais e cívicos que não são honrados pelo mercado e que o dinheiro não compra?”, questiona Sandel.
Afinal, qual é o limite das marcas? No caso do Réveillon, alguns especialistas do mercado acreditam que foi uma jogada de mestre da Fox – e da prefeitura. Outros, que a parceria “passa do ponto”. “Acho uma parceria excepcional, com sinergia absoluta entre o filme e a cidade. Vai dar uma repercussão internacional que, com certeza, vai agregar para a promoção da festa e o fortalecimento da imagem do Rio”, opina Flavio de Castro, sócio da FSB Comunicação.
Marcelo Lobianco, atual diretor do IAB Brasil (Internet Advertising Bureau Brasil) e especialista no mundo digital, acredita que as marcas querem ser porta-vozes de seu conteúdo e buscam cada vez mais opções para ter destaque. “Achei normal. Como o Hollywood Rock, o Free Jazz Festival, os naming rights de estádios de futebol. Alguém tem que pagar a conta”, opina. Já o publicitário e escritor Adilson Xavier, por sua vez, diz que vestir a festa tão significativa da cidade com um “megamerchandising” desses é invasivo e pode “apequenar o evento”.
Consultora em branding e design thinking, Clarissa Biolchini diz que o Réveillon na praia de Copacabana por si só já é um evento com personalidade e características próprias, resultado de nossa cultura e tradições. “Adotar um tema para a comemoração do Réveillon me parece uma desmedida ação de marketing, pois causará a sensação de que o filme se torna mais importante do que a própria festa, e não o contrário. Essa atitude pode afetar a imagem da cidade e, consequentemente, sua promessa como marca. Seria o mesmo que adotar um tema de um filme para comemoração de 14 de julho na França ou a Festa dos Mortos no México”, analisa.
Especialista em branded content, Patrícia Weiss, chairman da Branded Content Marketing Association, diz que quando as marcas entram no território do entretenimento é fundamental que tenham noção de limite. Patrícia não considera “novo” o investimento em eventos – mas em uma festa como o Réveillon pode ser considerado pelo público como intrusivo e oportunista. “As marcas devem ter um senso forte de limite e ética para não serem consideradas invasivas em territórios tão populares assim. Não é como tomar conta de uma corrida anual na cidade, por exemplo. O Réveillon é da cidade, e como o protagonista não é a audiência, e sim o filme, me parece um caso de branded content menos eficiente, forçado demais”, conclui.
Sócia da Naked, a publicitária Fernanda Romano também não gostou. “Acho o fim. Acho que o Rio de Janeiro não precisa de tema e isso é muito oportunista”, disparou. Faz coro com ela o criativo Ehr Ray. “Acho que é melhor para o filme do que para o Rio. O Rio é muito maior do que o filme”, opinou.