O caso ocorreu numa grande agência multinacional, em São Paulo. O jovem criativo, ressentido com o pito que acabara de tomar do chefe, abandonou o emprego deixando para trás apenas um post-it de despedida, colado na tela do computador. Desapareceu sem pedir as contas. O episódio retrata a relação de descompromisso que muitos jovens da chamada Geração Z mantêm, nos dias de hoje, com o mundo corporativo, e também um certo despreparo para enfrentá-lo com todas as suas idiossincrasias.
Esta relação tornou-se objeto de estudo da especialista em coaching para o mercado publicitário, Fabrícia Navarro. Ela vem se dedicando a compreender o fenômeno dos jovens da Geração Z, nascidos no mundo digital e que muitas vezes procuram no mercado publicitário uma “pseudoliberdade” semelhante à que vivenciam nas suas vidas particulares. Ao se depararem com um cenário bem diferente do esperado, começam a ter problemas para lidar com responsabilidades. Segundo ela, muitos jovens não compreendem os conceitos de autonomia dentro das agências, o que atrapalha o desenvolvimento de suas carreiras profissionais.
Conhecidos pela relação próxima com as mídias sociais e a velocidade com que absorvem conteúdos pela internet, os jovens da Geração Z se sentem com autonomia para serem formadores de opinião. No entanto, o cenário que encontram no mercado de trabalho é diferente do esperado, o que acaba levando a uma confusão entre os conceitos de liberdade e libertinagem, e à sabotagem do próprio desenvolvimento profissional, além do comprometimento do relacionamento com as pessoas.
A executiva acredita que boa parte dos publicitários iniciantes no mercado interpretam liberdade como flexibilidade de horário ou a opção por home office. “Muitos profissionais não dão a devida atenção aos compromissos, chegam atrasados às reuniões com frequência e não cumprem os prazos estipulados, impactando assim o tempo e a programação das pessoas envolvidas”, pondera.
Segundo a coach, a liberdade no ambiente corporativo vai muito além disso: o conceito remete a uma nova linguagem interna. O profissional tem que usar a autonomia como fonte de ideias. “Na publicidade, ainda mais tratando-se da Geração Z, deixá-los livres para expor as ideias, sem restringir o que o profissional tem para oferecer, estabelece uma relação total de confiança. Desta forma, ele toma o ofício como propriedade e o executa com mais eficiência”, afirma.
Ela acredita que as organizações precisam estabelecer os limites da liberdade para que os colaboradores entendam as regras e os princípios éticos da autonomia. É fundamental para as agências terem gestores preparados e organizados o suficiente para transmitir com clareza o que a empresa espera de seus profissionais. “Muitas empresas, na ansiedade de se atualizarem com a geração Z, precisam tomar cuidado para que características positivas não se tornem negativas”, alerta a especialista.
Marcelo Lobianco, diretor de negócios de varejo e e-commerce do Facebook, uma das empresas mais cobiçadas pela geração Z, diz que essa “molecada” é qualificada, produtiva e inquieta para o bem e para o mal. “Eles querem promoções contínuas, são competitivos, e podem te largar por uma aventura de três meses na Toscana. Mas é o novo perfil do executivo que aparece conectadíssimo, multicultural e instantâneo. A empresa tem que acompanhar e nutrir constantemente essa ansiedade”, opina.
Já Guilherme Jahara, CCO da F.biz, diz que foi convidado para dar aulas para essa geração e tem pensado em incluir lições sobre comportamento e atitude do profissional de criação. “Hoje, o que mais impede certos profissionais de seguirem suas profissões é exatamente o desapego demasiado. Além da questão libertinagem versus liberdade, há outro fator comportamental, atitudinal, que às vezes não ajuda. A energia e comprometimento, para mim, são questões ‘sine qua non’ para os profissionais de agência”, diz.
Gustavo Bastos, sócio e diretor de criação da 11:21, diz que tem bastante experiência com essa geração e que cativá-los é mostrar liderança com estímulo e proteção ao seu talento. “Ao se posicionar como esse ‘guardião’ do talento e dar oportunidades para o desenvolvimento profissional, lentamente a pessoa vai assumindo mais e mais responsabilidades, mas sempre sabendo que há uma rede de proteção”, comenta.
Sócio e planejador da Binder, Flávio Cordeiro acredita que agências de propaganda são lugares especiais para se trabalhar por serem ambientes mais informais e multidisciplinares, por isso concentram um número grande de pessoas interessantes e talentosas. “É claro que isso atrai muitos jovens. Mas esse ambiente também vem acompanhado de muita pressão por prazos, exigência de excelência e muitas horas de trabalho. Esse é um ambiente de muita liberdade, uma vez que não há rígidas hierarquias, mas o único lugar onde liberdade vem antes de responsabilidade é o dicionário. Achar que uma agência é uma extensão do playground porque o ambiente é lúdico é um enorme erro”, comenta.
O executivo diz que tem visto muitos jovens extremamente talentosos com muita dificuldade de “aterrizar”, em função da dificuldade de lidar com os limites impostos pelo mundo real e não o mundo “como deveria ser”. Jovens têm pressa de chegar lá, sem “estofo” suficiente para segurar a pressão de “chegar lá”. “Acho que essa turma traz uma enorme oportunidade para os líderes empresariais. Vai ter que surgir um novo tipo de liderança: o líder mentor, que auxilia o jovem talentoso, mas disperso e ansioso, a controlar e direcionar toda essa energia em talento e criatividade. Se reclamarmos desses jovens, nós também estaremos assumindo a postura do ‘mundo como deveria ser’ e não do mundo como ele é”, conclui.
Hugo Rodrigues, presidente da Publicis Brasil e da Salles Chemistri, diz que vivemos uma época de pleno emprego, o que facilitou o espírito “mais arrojado” de se escolher o que se quer fazer. Ele acredita, no entanto, que novos tempos se avizinham e a adaptação será mais dura para os profissionais que não tiverem a disciplina e o comprometimento com o resultado como premissa. “Olhando por um ângulo macro, o problema é muito mais grave. Nosso índice de produtividade é baixo. Uma pesquisa realizada globalmente e divulgada pela CBN, mostrou que na média um brasileiro gera somente 30% da produtividade de um americano. Como vencer esse desafio? Trabalhando com mais foco, com objetivos claros e sem dispersão”, diz. “Não podemos nos dar o luxo, não por enquanto, de dispersarmos nossa energia procrastinando tarefas”, completa.