Diversão e arte

Falar de Cannes aqui é correr o risco de chover no molhado. Afinal, quanta gente incrível e que eu admiro já escreveu sobre o Festival neste espaço. Por isso, queria mudar o foco e falar um pouco do quanto, além de profissionalmente rico, pode ser divertido ir para lá.

Muita gente já disse isso e eu concordo plenamente: O Festival de Cannes, para quem é publicitário, é o mesmo que a Disney para quem é criança. Para quem ainda não foi, é um sonho. Para quem vai pela primeira vez, é uma emoção. E para quem já é “habitué”, é sempre uma delícia. Afinal, é um festival que tem de tudo.

De palestras, prêmios e negócios a baladas, pileques e banhos de mar. Ou seja, Cannes é tão maravilhoso dentro do Palais quanto fora dele.

Por mais que, a cada ano, o festival esteja melhor e mais completo, é praticamente impossível desconsiderar que você está na Riviera Francesa, que o vinho nacional é incrível, que o sol brilha a semana inteira, que a praia está repleta de belas mulheres fazendo top less e que, por mais que você esteja trabalhando, em alguns momentos do dia, nem parece trabalho. Se fosse um mexicano e não um hotel, o Martinez poderia contar cada história que você nem imagina.

Todo o mercado de comunicação adora ir para Cannes para se atualizar, para aprender, para fazer negócios, para ganhar Leões e também para se divertir.

Uma vez, eu e dois grandes amigos, Luiz Tastaldi e Giancarlo Barone, alugamos três lambretas. (Foi mal, entreguei vocês sem pedir autorização). A ideia era passear pela cidade, ir a lugares onde nunca tínhamos ido e curtir um dia de folga depois de três dias internados no Palais. (Eu disse apenas um dia, viu. Não quero fazer nenhuma apologia ao vagabundismo na Côte d’Azur).

Acordamos cedo, tomamos café, fomos à locadora de motos, pegamos as lambretas e, como quase três patetas, saímos felizes da vida pela cidade e imediações. Um pouco antes do almoço, resolvemos abastecer o tanque para que, à tarde, pudéssemos ir ainda mais longe. E foi aí que a diversão começou de verdade.

Parando no posto, self-service, é claro, um de nós (não vou entregar quem) colocou diesel em vez de gasolina. Gênio. Não é preciso dizer que, no primeiro minuto em que se deu a partida, o motor começou a falhar. A cena era bizarra. Ainda dentro do posto, a lambreta não tinha força nenhuma. Com o motor “engasopado” parecia que tinha um gorila em cima dela de tão devagar que a bichinha ia.

Que beleza. Aquele dia lindo, o estômago ainda vazio, e o tanque cheio de diesel. A princípio, depois de muitas gargalhadas, ninguém percebeu o que havia de errado. Até pensamos que o motorista (ai que vontade de contar quem era) não sabia dirigir.

Foi quando um francês, até que simpático, e que olhava tudo sem que nós percebêssemos, se aproximou e desvendou o mistério. Resumo da ópera: ficamos um tempão tentando esvaziar o tanque da lambreta com uma mangueira suja e enchendo a garganta de diesel, sem muito sucesso.

A irritação e as risadas eram tantas que resolvemos virar a lambreta de ponta-cabeça, literalmente. Imaginem os três, agora patetas mesmo, levantando um troféu em Cannes muito mais pesado que um Leão. E põe peso nisso. Vocês não imaginam o quanto uma lambreta pesa.

O prazer, com certeza, não foi o mesmo que tive no ano passado, quando a Hungry Man Projects ganhou três Leões, um ouro, uma prata e um bronze, com o trabalho “Sprite Shower”, da Ogilvy. Uma alegria muito grande para quem tinha apenas seis meses de vida. Mas, para nós três, podem ter certeza, foi tão inesquecível quanto.

*sócio e diretor de criação da Hungry Man Projects