As diferenças de 13 anos depois
O intervalo foi de 13 anos. Apesar de parecer o contrário, desde a minha primeira participação como jurado de Cannes em 2000 até a última, agora em 2013, o tempo passou rápido. A primeira reação que tive ao receber o convite este ano foi, obviamente, de muita alegria. Afinal, eu faria parte do corpo de jurados da edição histórica dos 60 anos do festival pouco mais de três meses depois de ter assumido a copresidência da DM9DDB. A segunda foi lembrar a experiência anterior e pensar: “13 anos se passaram. Parece um século”.
A realidade da passagem do tempo se impôs rapidamente. O primeiro sinal de que as coisas estavam de fato diferentes foi a quantidade de peças que vi antes de chegar ao Palais. Assim que fui oficialmente nomeado jurado, comecei a receber um volume realmente surpreendente de cases que chegavam de várias partes do mundo. Um movimento instantâneo. Pouca coisa em papel. Quase tudo de maneira digital e muitos dos que recebi já conhecia. O ineditismo e o surpreendimento de 2000 foram substituídos pela velocidade da viralidade de hoje.
Assim, desembarquei pela segunda vez como jurado na Riviera cinco dias antes da abertura oficial do Festival para, junto com os demais jurados, começar o julgamento de peças. A expectativa, alimentada pela experiência anterior, era grande e já imaginava acalorados e interessantes debates com os mais conceituados profissionais de mídia do mundo. E aqui uma coincidência improvável: nas minhas duas participações como jurado de mídia o presidente da categoria foi o Jack Klues. Mas foi ainda no primeiro dia que tive o segundo choque da passagem do tempo. Em vez de pranchas com longos textos explicando problema, solução e resultados, um tablet para cada um.
Estávamos no festival das telas. Os cases passavam em várias delas espalhadas na sala, enquanto cada jurado via a mesma peça em seu tablet e votava. As pranchas estavam lá, mas cumpriam mais um papel de tira-teima: em caso de dúvidas eram consultadas. Via de regra, os cases eram escolhidos nos primeiros 30 segundos de vídeo. Tudo muito rápido. Em vez das discussões profundas e acaloradas sobre cada trabalho, uma solitária decisão de cada jurado de aprovar ou não as peças que eram vistas nos gadgets emprestados pela organização. Era assistir e votar, assistir e votar.
Particularmente, sou um entusiasta dos avanços tecnológicos. Me cerco deles como ferramentas que facilitam o trabalho ou a vida em casa e como meios que nos permitem compartilhar fatos, ideias e que tornaram possível, inclusive, conhecer os cases de Cannes antes de Cannes. Mas, ali no Palais, eles limitaram a troca, o debate. Tanta gente boa, tantos profissionais de altíssima qualidade reunidos e tudo decidido em telas. Estávamos juntos vendo o que se supõe as melhores peças do mundo e eram poucas as vezes que a votação era interrompida para que discutíssemos um trabalho com mais profundidade. As exceções eram aqueles cases tão surpreendentes que não havia maneira de evitar os comentários. Mas, via de regra, as conversas sobre impressões ficaram restritas ao início dos trabalhos, aos almoços e aos intervalos para o café. Confesso a frustração.
Por outro lado, a categoria de mídia ganhou uma relevância impensável há uma década. Em 2000, nós, os profissionais engravatados que trabalhavam com planilhas, éramos verdadeiros ETs em um festival de criatividade. Os demais jurados nos olhavam de canto de olho, um tanto desconfiados e sem entender o porquê de existir uma categoria de… Mídia. Desta vez foi bem diferente.
O negócio ganhara relevância. Nesses 13 anos, além de original, foi exigido que a criatividade também fosse eficaz. Em outras palavras, foi cobrado que a criatividade estivesse comprometida e fosse um impulsionador do resultado. A consequência foi uma diferença brutal com relação ao passado: os profissionais das diferentes áreas da indústria estavam completamente integrados. Todos compondo e pertencendo à mesma tribo. Mas, mais do qualquer status que isso traga, o que realmente importa é que a indústria da propaganda mundial passou a ocupar um papel mais estratégico no planejamento do cliente. Do investimento feito na propaganda e na criatividade espera-se mais do que nunca resultados.
Confesso o orgulho da importância que a categoria assumiu. Compromisso com o cliente e com o resultado é, de fato, fundamental. Mas não há como não fazer uma crítica ao júri de mídia deste ano: cases sem resultados claramente expostos eram automaticamente desclassificados. E como tudo que é feito de maneira automática, o critério caiu em uma espécie de extremismo desnecessário. Cases, por exemplo, que eram muito bons, mas não tiveram resultados apresentados por falta de tempo hábil de mensurá-los do período de execução até a inscrição simplesmente caíram. Uma pena. É importante ressaltar, porém, que essa foi uma decisão pontual desse júri. Não há qualquer norma que estabeleça esse procedimento, o que nos possibilita crer que 2014 possa ser diferente.
Outras diferenças que saltaram aos olhos foram a quantidade, as especificidades e a qualidade dos trabalhos dos países fora do eixo Estados Unidos-Inglaterra, que em 2000 dominavam a cena. Coreanos, chineses e japoneses se tornaram especialistas em cases em que o diferencial é a tecnologia. Os indianos mostraram força com os cases voltados ao social, reflexo de uma sociedade em que a integração populacional ainda esbarra no modelo de castas. Dos Estados Unidos, as já esperadas superproduções em campanhas e cases. Da Europa nórdica, junto com a Alemanha, a surpresa das Big Ideas, ou melhor, das Smart Ideas com insights criativos de alto nível.
Com tantos países participando, os números tornaram-se superlativos. Em 2013, havia seis vezes mais inscrições em mídia do que em 2000: foram 3031 inscrições e 257 Leões distribuídos. Recordes absolutos. Além disso, somente a categoria de Mídia reuniu 40 jurados de várias nacionalidades. O maior corpo da edição.
Com a quantidade, o festival também ganhou pluralidade. Tornou-se de fato global. Nas ruas e nos bares da Croisette, gente do mundo inteiro. No Palais, trabalhos de todos os cantos do planeta. Os criativos ganharam a companhia de profissionais de mídia, atendimento e também de veículos e de clientes. A presença dos anunciantes contribui e comprova o fenômeno, como mencionei há três parágrafos, de transformação do festival de um evento criativo para uma feira de negócios. Em cafés, palestras e até no palco recebendo os Leões via-se a cumplicidade das agências com seus clientes e o reconhecimento dos anunciantes da importância do festival. Tudo, claro, devidamente postado, compartilhado em nets, notes, celulares e tablets.
Sem dúvida, em 13 anos muita coisa mudou. O tempo passou e as transformações foram significativas. O Festival de Cannes abraçou a tecnologia que foi completamente incorporada ao trabalho. As multitelas deram aos jurados a conveniência de examinar mais de perto as peças e de chegar muito mais rápido ao veredito. Tudo muito assertivo e muito veloz. Mas aí desligo o tablet e penso: será?
*copresidente da DM9DDB