Apesar da tensão, sempre vale a pena
Já tive a sorte de, algumas vezes, ir ao Festival de Cannes. Várias delas como delegado e uma como membro do júri de Media Lions. Como jurado, vivi uma experiência intensa, tensa, nervosa, mas, no final, boa. Eu estava realmente determinado a representar e defender bem os nossos cases inscritos, pois, desde a criação da categoria, a nossa mídia sempre teve um desempenho bem importante e eu não podia deixar a bola cair.
Passei os primeiros dias trabalhando muito, tentando entender como aquilo se desenvolvia e como eu ia fazer para sobreviver. Eu ligava para casa e minha mulher ficava assustada com a minha angústia. Ela me perguntava: “Você está bem?”. Lembro-me de responder que não, mas que iria ficar. E foi o que aconteceu.
Uma noite, os jurados brasileiros combinaram de jantar para conversar um pouco e, como todos estavam hospedados no Carlton, ficamos por lá mesmo. Tive a sorte de sentar ao lado do grande Ruy Lindenberg, que estava julgando alguma divisão criativa, que não me lembro mais, e ele ficou impressionado com o meu estado de ansiedade. Perguntou o que eu tinha e contei que estava numa batalha pessoal, procurando fazer um bom trabalho como representante brasileiro. Sabiamente, ele me orientou: “Paulo, isso é só um festival, vai dar tudo certo, e não sofra tanto”. Ele não deve se lembrar disso, mas eu jamais esqueci.
Passei a encarar tudo com menos cobrança e com mais tranquilidade. Comecei a aproveitar o fato de estar lá e que tudo podia ser menos complicado. Foi mesmo, e com final feliz.
Depois de ter vivido essa história de tensão, voltei alguns anos depois e passei por uma nova experiência: a de ser um finalista do prêmio. Estar no shortlist, com chances de ganhar alguma coisa, era bem interessante, novo e também nervoso. Lá vou eu, novamente!
Estávamos concorrendo com um trabalho que desenvolvemos em conjunto com a Semp Toshiba e que estava bem cotado. Pelo menos era isso o que eu ouvia nos corredores. A gente ouve de tudo por lá e acaba imaginando de tudo também. A relação dos premiados seria divulgada no site do evento, no dia marcado, às 10h, pontualmente.
Acordei nesse dia, muito cedo, e saí a pé do hotel, antes de todos, rumo à grande sensação, para o bem ou para o mal. Cheguei antes de abrirem as portas. Queria conseguir alguma informação privilegiada, alguém que pudesse me adiantar alguma coisa. Grande bobagem! Estava tão cedo que tinha somente eu no festival. Aproveitando a solidão, entrei no site, na expectativa de ler algo novo, e lá constava a informação de que os resultados estariam disponíveis no horário marcado. Horário é algo bom e deve ser respeitado, imaginei.
Sem ter o que fazer e não conseguindo nada que fosse diferente, fui assistir à primeira palestra do dia. Fiquei cronometrando os segundos e às 10h, pontualmente, saí do plenário e acessei o site. Nada tinha mudado. A mesma mensagem. 10h, 10h15, 10h20, 10h21… e nada, nenhuma novidade. Isso era assombroso. Onde estava o respeito com a minha batalha? Se você comprar uma passagem de trem que parte às 8h47, esteja na estação antes, pois ele vai partir exatamente como previsto. Se for assistir a um show marcado às 21h, não se atrase, pois, por mais estranho que pareça, ele vai começar às 21h. Mesmo o mais rebelde dos roqueiros vai obedecer ao horário combinado. É esquisito, mas é verdade. Então, se eu estava num lugar onde tudo acontece exatamente no horário, o que podia estar acontecendo?
Comecei a pensar que o festival talvez tivesse um objetivo extraoficial: que era o de me deixar sempre com alta ansiedade. Quem sabe alguma vingança por algo que eu pudesse ter feito em outro ano ou em outra vida. 10h45, 11h… e nada naquele site se modificava. Tentei descobrir se algum bug do milênio, meio atrasado, tinha dominado o site. Seria uma boa explicação, mas não passava perto da realidade. Fui arrastado por alguns amigos para a nova palestra que estava começando e, segundo a opinião geral, seria a melhor do dia. Não tinha mesmo o que fazer e acabei indo.
Deve ter sido interessante, mas, honestamente, não ouvi uma palavra. Estava focado na captura da minha informação. 15 minutos de apresentação, não resisto e vou para fora acessar o site. Ainda sem novidades. 1 hora e 15 minutos de atraso e eu já tinha certeza de que era um atraso proposital. Queriam me derrubar!
Na história da Europa, nada atrasou tanto. Não existe registro de uma demora assim. Resolvo que não posso deixar a situação daquele jeito e vou até o lounge, onde costumam se reunir jornalistas brasileiros, jornalistas estrangeiros, amigos, inimigos, e onde acreditava que poderia saber o que fazer. Chegando lá, perguntei se alguém sabia o que estava acontecendo. Ninguém tinha a menor ideia e também ninguém estava preocupado com o fato. Para eles era só mais uma informação, mas para mim era a informação. Percebi que, infelizmente, não iria descobrir nada. Estava fadado a não saber o resultado.
11h30: já sem nenhuma esperança e admitindo a derrota para os espíritos da informação correta, comecei a voltar ao plenário, que fica dois andares acima, para ver se assistia a alguma coisa que pudesse me distrair. Vocês podem imaginar quantas ligações e quantos e-mails eu tinha recebido de pessoas da agência, até aquele momento, querendo saber das novidades? Afinal, eu estava na fonte e tinha a obrigação de saber tudo antes de todos. Também acreditava nisso, mas estava sozinho contra as forças ocultas.
Consegui arrumar um lugar bem no canto do auditório e meu telefone começou, novamente, a tocar sem piedade. Pensei muito, com bastante falta de paciência, e resolvi que não iria atender. Não tinha o que contar e não ia ficar dando explicações sobre algo que não sabia. Eu estava sob o completo domínio da ira. Comecei a receber mensagens assim: “Atenda, por favor!!!”; “Responda imediatamente!!!”; “Precisamos falar com você já!!!”. Lá vou eu de novo para fora do plenário, com um humor já bem comprometido.
Ligo para a agência e começo a ouvir uns três dos meus parceiros da mídia gritando: “É prata, é prata. Parabéns pra nós todos!”. Sem entender nada, perguntei o que era de prata. Eles, achando a minha pergunta maluca, me responderam: “Você está sob efeito de calmantes? Acabamos de ganhar um Leão de prata!”. Eu, na minha ingenuidade, respondi: “Vocês beberam logo cedo? O resultado ainda não saiu”. Só consegui ouvir: “Você está louco? Não está em Cannes? Estamos lendo no site do Festival, e é prata!”.
Os deuses da informação, que estavam dispostos a brincar comigo, postaram os resultados durante a minha caminhada entre o lounge e o plenário. Nesses poucos minutos offline que levei para ir de um lugar a outro, a informação foi publicada e só eu não li. Meus companheiros no Brasil, a alguns milhares de quilômetros de distância, souberam antes, mesmo estando eu a metros da fonte.
Nunca consegui entender nem explicar o que aconteceu, mas isso sempre teve pouca ou nenhuma importância para mim. Com mais esse final feliz, acredito ter superado a síndrome do estresse máximo e, sempre que pude voltar a Cannes, passei a aproveitar tudo o que acontece naquele lugar com muita alegria. Afinal, apesar da tensão, sempre valeu e vale a pena viver uns dias dentro daquele Palais.
*diretor-geral de mídia da Talent