Estados Unidos, 19 de julho de 1973. A data entrou para a história do esporte, pois foi a primeira vez em que um Grand Slam premiava atletas do sexo feminino e masculino com o mesmo valor financeiro. O episódio no US Open, em Nova York, foi apenas uma das inúmeras quedas de braço da tenista Billie Jean King contra o machismo, luta que transformou o tênis em um dos esportes mais igualitários do mundo. Mas, passados 45 anos, as discussões em torno da representatividade das mulheres no esporte comprovam que a questão está longe de chegar ao equilíbrio.
Há algumas semanas, o debate tomou a internet depois que circulou nas redes sociais foto do torneio Oi Park Jam, realizado em Santa Catarina com transmissão pela TV Globo e SporTV. Na publicação, os skatistas Yndiara Asp e Pedro Barros aparecem juntos com seus respectivos cheques pela conquista do primeiro lugar. Um detalhe, no entanto, saltou aos olhos: Barros embolsou três vezes mais que Yndiara.
A situação, apesar de ter chocado muita gente, não é novidade. Tramita no Senado, inclusive, projeto de lei da senadora Rose de Freitas (PMDB/ES) que proíbe distinção de valores entre atletas homens e mulheres nas premiações concedidas em competições em que haja o emprego de recursos públicos. O processo passou pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte em novembro passado e aguarda providências.
Nem mesmo no esporte mais popular do mundo as coisas são diferentes. Na Copa do Mundo de Futebol feminino, em 2015, a seleção norte-americana, a campeã, embolsou US$ 2 milhões enquanto em 2014, a equipe masculina da algoz Alemanha recebeu nada menos que US$ 26 milhões. As americanas não deixaram por menos. Em 2016, suas principais representantes entraram com uma ação contra a US Soccer, federação da modalidade no país, em busca de melhores condições de trabalho e de salário. Como resultado, conseguiram acordo até 2021, incluindo a Copa do Mundo de 2019 e as Olimpíadas de 2020.
Movimento semelhante de contestação tem sido visto no Brasil com a seleção feminina. No fim no ano passado, a demissão precoce, com apenas dez meses de contrato, da técnica Emily Lima levou a atacante Cristiane a anunciar sua aposentaria em meio a críticas sobre o apoio praticamente inexistente às atletas. “É muito fácil ir na televisão, bater no peito e dizer que dão todo suporte que a gente precisa, mas têm coisas que são erradas. Por favor, melhorem essa diária de R$ 250 que as meninas recebem. Estamos há anos recebendo a mesma diária. Explique como funciona os direitos de imagem, se é que existe, porque ninguém sabe”, disse a atleta em seu perfil no Instagram.
“Com raríssimas exceções, as modalidades femininas ainda estão em segundo plano, infelizmente. Até mesmo no futebol, vemos enormes diferenças de tempo de mídia, patrocínio e atenção das próprias entidades. O esporte que ganha atenção é aquele sexy, onde o uniforme desperta prazeres diferentes na plateia”, lamenta Clarisse Setyon, coordenadora do MBA em marketing esportivo da ESPM-SP.
Segundo a acadêmica, há uma somatória de fatores que contribuem para a desigualdade, a começar pela cobertura de mídia, que muitas vezes privilegia amenidades em vez de desempenho. “A atleta feminina é muito mais interessante como alvo de fofoca do que os homens. Prestam mais atenção no vestuário do que no desempenho esportivo”.
Como exemplo, cita a norueguesa Marit Björgen, recordista nos Jogos Olímpicos de Inverno de Pyeongchang. “Ela anotou os detalhes de 11 anos de treinamento e esse levantamento serviu como pesquisa para melhorar sua perfomance. Mas comentaram exaustivamente sobre sua idade (37) e detalhes de sua vida pessoal. Temos de enxergar atletas e ponto”, destaca Setyon.
Longo prazo
A desigualdade nas premiações, nos investimentos das ligas e na cobertura de mídia foi alvo da campanha Quadras da Desigualdade, da agência Africa para a plataforma ESPNW em 2017. A ação utilizou as quadras esportivas durante as transmissões das partidas nos canais ESPN para retratar em gráficos a desigualdade entre homens e mulheres no esporte. A ideia ganhou um Leão de bronze em Cannes.
Segundo Renata Netto, gerente de inovação e conteúdo da ESPN, a ação foi relevante porque gerou uma discussão sobre o tema, papel que deve ser cada vez mais fomentado pelos veículos de mídia. Entre os investimentos do canal nesse sentido, desde 2016 é exibido o programa Olhar ESPNW, formado por apresentadoras e convidadas do sexo feminino que discutem os desafios da prática esportiva em meio aos dilemas e novos papeis da mulher na sociedade. “A ideia da plataforma ESPNW veio com base em pesquisas sobre como a mulher gosta de consumir esporte.
Verificou-se que ela é tão fã quanto o homem, mas a maneira como observa as coisas e se conecta é diferente. Homens são mais ligados no dia a dia dos times, no placar, estatísticas. Já a mulher gosta do contexto, inspiração e parte política. Há um outro olhar. Então foi criada plataforma para tudo isso, além de obviamente ter um espaço para as atletas e os esportes femininos”, explica Renata.
A executiva ressalta que há um longo caminho em busca de igualdade no esporte, mas, aos poucos, o cenário tem mudado com apoio da imprensa. “Quando a gente fala de esporte feminino, o momento gira sobre alguns pilares. Patrocínio, competições bem estruturadas e mídia, que têm dado cada vez mais visibilidade. Assim a roda gira. É um caminho que já avançou muito. Há dois anos, quando lançamos o ESPNW era praticamente uma lacuna, não tinha concorrente quase nenhum. Hoje temos sites como o Dibradoras. Outros canais já começam a abrir espaço. A própria Rádio Globo criou mesa redonda só com apresentadoras. É uma coisa muito saudável”.
Mas esse esforço deve ser coletivo, tendo as confederações esportivas grande responsabilidade na profissionalização das ligas femininas, que, consequentemente, atrairá patrocínio e visibilidade. Segundo José Colagrossi, diretor-executivo da Ibope Repucom, as marcas querem patrocinar modalidades que tenham qualidade esportiva organizada, que gere espaço na mídia e TV.
“As confederações devem se organizar para a profissionalização do esporte, criar alternativas para não depender de mídia paga e popularizar seus talentos. Boas narrativas nas redes sociais são excelente caminho já feito pelo vôlei feminino”. O executivo reconhece que o momento atual é o melhor para promoção, engajamento e interesse em esportes femininos. Mas que a situação está longe da ideal. “É um processo de crescimento e a gente espera que não vá ser dentro de curto prazo que o esporte tenha o mesmo espaço na mídia, interesse, nível de patrocínio e engajamento que os masculinos. Ainda falta muito para a igualdade. Isso não existe”.
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