Há muitos e muitos anos, Jô Soares foi contratado por uma fábrica de alimentos para animar a festa de lançamento de um novo produto: massa de tomate em lata. A agência criou um enorme evento na própria indústria e convidou gente do varejo, gerentes de banco, distribuidores.
A ideia era inaugurar as máquinas moderníssimas de amassar tomate e metê-los em latas, num ambiente “absolutamente estéril”, como dizia o folheto distribuído na ocasião. Do caminhão de tomates entregues num lado da fábrica, às caixas de latinhas saindo do outro lado, havia pouquíssimas pessoas, vestidinhas de branco como médicos, carregando pranchetas nas quais faziam misteriosas anotações, parecendo um filme de ficção científica.
E não era só isso. Havia também um computador que supervisionava toda a operação, inclusive medindo segundo a segundo o grau de acidez da massa com muito mais sensibilidade que a língua da “mama”. Só faltava revirar os olhinhos para cima durante a degustação. O cerimonial era irretocável: as pessoas seriam servidas numa mesa com vista para a enorme máquina.
No cardápio, um festival de massas italianas, mergulhadas no molho de tomate. Como aperitivo, durante os drinques de boas-vindas, uma fala do Jô, criada especialmente para a ocasião, como alertava o “release”.
Isso significava que o Jô deveria escolher de seu repertório os textos relativos a comida, bebida e prazeres à mesa. Após o almoço, ao show e aos licores italianos, contrabandeados especialmente para o evento, falaria o presidente (“el capo”, como identificado num trecho do folheto), a fita inaugural seria descerrada e o sucesso do novo molho de tomate receita da nona estaria garantido.
O tal “capo”, nos organogramas identificado como presidente, era um italiano fascinante, alegre, afável e dado a destemperos verbais e ataques de fúria que o tornavam folclórico.
No dia, começaram a chegar os ilustres convidados, entre eles dois ou três artistas de Malhação, críticos de gastronomia, editores de economia, todos recebidos pelo capo, que fazia um rápido tour ao redor da máquina, distribuía palmadinhas nas costas e tapinhas na barriga.
Evidentemente os galões plásticos contendo ingredientes não ortodoxos como glutamatos monossódicos, bicarbonato de sódio, acidulantes, espessantes e outras formulações foram devidamente escondidos. O que os olhos não veem o estômago não sente. Tudo correndo muito bem, com um conjunto musical alternando números folclóricos com criações de Pepino di Capri, Gigliola Cinquetti, Sergio Endrigo e Rita Pavoni.
A decoração remetia às velhas cantinas “com toques de contemporaneidade”, como disse o decorador, ao que o capi gracejou: “coisa de viado”. Estava tudo ótimo. Jô é chamado ao palco pela locutora, ele inicia seu número e baixa-lhe o caboclo improvisador.
Fala que o comendador um dia estava na sua plantação e viu caixas e caixas de tomates amassados, manchados e fora do tamanho sendo destinadas aos porcos. Doeu-lhe o coração, ao mesmo tempo que veio a ideia: pegar esse material, amassar, botar “umas químicas”, enfiar numa lata e vender caríssimo.
Claro que a intenção era fazer blague.
Na cabeça de Jô todos entenderiam a brincadeira, pelo absurdo. Mas o comendador foi ficando vermelho como seu produto, de cara amarrada, foi até o palco e arrancou o microfone das mãos de Jô. “Quem contou para este desgraciato?”
A plateia, achando que era parte do número, ria e aplaudia com entusiasmo. Jô, preocupado em ser esquartejado ali mesmo, pela primeira vez, ficou sem palavras. O comendador teve uma apoplexia e foi imediatamente atendido pelo médico da empresa.
A orquestra começou a tocar Mamãe eu quero, velha fórmula para acalmar ânimos em bailes de Carnaval. Alguns, já tocados, saíram dançando. Até hoje tem gente que fala que tudo teria sido ensaiado.
Realmente, justiça seja feita, no improviso ou não, foi uma festa inesquecível. Anos mais tarde, a fábrica foi vendida para uma multinacional, o comendador foi cear com o criador e dizem que a fórmula do molho continua a mesma. Como a mama fazia na pequenina cidade da Toscana.
Exatamente igual.