Terminei de ler O homem despertado, do filósofo Roberto Mangabeira Unger. Diferentemente do filosofeiro Olavo de Carvalho, Unger é um sujeito sério. O livro é difícil, para leitores de cultura mediana, como eu. Enquanto o negacionista, guru da família Bolsonaro, prega o conservadorismo e o retrocesso, Unger é “um visionário incansável”, como registrado pelo New York Times, portanto, alguém que olha para a frente. Munido de um espírito desbravador, atravessei o espinhoso caminho do desconhecido, e fui recompensado com uma tese alvissareira.
O homem despertado propõe um modelo sociopolítico e econômico alternativo ao padrão petrificado em que vivemos hoje, desde o final da Segunda Guerra e só estabelecido por conta da Segunda Guerra.
Unger sugere que não esperemos mais uma “crise” para fazermos as mudanças que são necessárias. E isso passa por uma revisão das nossas, digamos, convicções.
Aliás, será que dá para chamar de convicção aquilo a que a maioria se convence apenas por imitação ou por falta de uma visão macro dos contextos? Consciente dessa dificuldade inicial para lidar com algo que exigirá, em primeiro lugar, liberdade e independência para o exercício da capacidade reflexiva, não por acaso, em dado momento, registra:
“A escola deve falar pelo futuro mais do que pela comunidade ou pelo governo. Deve reconhecer na criança um profeta tartamudo, resgatando-a de sua família, sua classe e sua época”. Uma sugestão corajosamente genial. Pois se continuarmos nessa formação tipo linha de montagem, modulada pelo passado, nada vai mudar, pelo menos até um esgotamento que leve a outro conflito. Unger aposta no que chama de experimentalismo colaboracionista.
Ou seja, uma determinação racional e conjunta de fazer diferente, mas sem o compromisso com qualquer enrijecimento baseado em condições predeterminadas. Experimentalismo mesmo, mas coordenado por uma motivação solidária. O espírito a moldar o corpo. É o que ele chama de busca da “divinização” do ser humano, que eu me atrevo a traduzir como “o protagonismo do melhor de cada um”.
Propõe alguma coisa tão flexível, a ponto de aceitar que, num mesmo país, regiões diferentes experimentem modelos diferentes e troquem entre si informações sobre os resultados, num processo vivo de aperfeiçoamento. Enfim, uma quebra no marasmo em que vivemos.
Mesmo que essa resenha, um tanto quanto presunçosa, venha a se mostrar rasa a quem topar encarar o livro, acredito que já é possível perceber uma ideia verdadeiramente inovadora. E que deixa todo o nosso entorno cheirando a mofo. Confesso que depois de ler O homem despertado fica difícil levar a sério as tais “instituições” que regulam a nossa vida em sociedade e os padrões endeusados de sucesso. Fica difícil, inclusive, discutir os temas em destaque, num momento em que nos vemos encaixotados numa guerra de contrainformação lucrativa.
O homem despertado é uma janela que permite ver fora dessa condição aviltante para a inteligência. Tomara que um dia eu alcance a competência de fazer com que se torne também uma porta.
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com).