Inspiração, pra você, vem de livros, paisagens, filmes, viagens e gente interessante, certo? Pra mim, também não é diferente. Mas, na hora de pensar mais a fundo a esse respeito para esta coluna, cheguei à conclusão de que a minha inspiração mais genuína vem de tudo o que vivo enquanto estou à paisana. Explico: à paisana = de chinelo, cabelo preso de qualquer jeito, roupa velhinha que me faz sentir em casa – e, de preferência, com a sacola da feira no ombro, numa manhã de domingo.

Nessa minha mania de vida de gente normal, de carne e osso, a feira de domingo do ladinho de casa sempre teve um lugar bastante especial. A saudabilidade que me julgue, mas caldo de cana com limão espremido na hora e pastel de queijo com vinagrete são, há anos, meu café da manhã de todos os domingos – e minha melhor sala de pesquisa.

A barraca de pastel da Cláudia (*) une todo tipo de gente. Glutões, saudáveis, homens e mulheres de família, gente solteira, jovens, velhos, crianças na farra de domingo, cachorros com roupinha de gente. Ir logo cedo me garante uma cadeira cativa na barraca. Ali, sempre à paisana, observo em silêncio a barraca de um sírio refugiado no Brasil que vende comida e aprendeu a ginga e o português para viver e sobreviver longe de suas raízes. Dignidade é seu nome, tenho toda a certeza.

Do lado oposto, a barraca de DVDs piratas coloca em xeque a burguesia paulistana, que recrimina o ilícito e também o patrocina. A madame quer o último lançamento e ainda acha que está “bem baratinho”. A mesma madame que deixou de ir ao cinema, porque agora vê tudo direto do amigo da barraca.

Buiú segue levando a vida no grito e garantindo que “mulher bonita não paga, mas também não leva”. Corintiano roxo, esse é sempre o assunto de começo de conversa. A fruta docinha, cortada na hora, vem com a conversa sobre o governo, a gasolina cara, a falta de dinheiro e todas as aflições de gente de verdade.

Daniel, rapaz de 20 e poucos anos, é só delicadeza na barraca de flores. Conhece todas elas pelo nome, as apresenta para a clientela com paciência e doçura, enquanto cuida da filha pequena de três anos que o acompanha ao trabalho no fim de semana. Ralação e amor pelo que faz vivem ali – e ser pai para ele tem diferentes significados.

O Japa da peixaria dispensa grandes apresentações. Tem a maior barraca da feira e toda a família trabalhando junta, seis dias por semana, desde as 3h da manhã. Aceita apenas débito, porque acha a taxa para o crédito muito alta. Atende por delivery, porque o cliente precisa de peixe também outros dias que não só domingo. E sugere receitas de preparo dos peixes usando sua simpatia como instrumento de fidelização.

Ali, em silêncio, só mesmo eu. A feira é viva, linda, ruidosa, suja, caótica e, ao mesmo tempo, toda planejada. Sigo à paisana, com minha sacola já cheia, olhos e ouvidos abertos. Sempre volto mais rica para casa. E levo comigo esses personagens de carne e osso para dentro da vida, da agência, da sala de reunião, para o meu keynote e, principalmente, para me ajudarem a conectar cérebro e coração com tudo o que move as pessoas em suas vidas de verdade.

Domingo tem feira. Vem?

Todos os nomes e personagens aqui apresentados são absolutamente verdadeiros e reais