Eu sempre acreditei em Papai Noel. Faz parte de minha personalidade acreditar em mitos. Alguns, como Pelé, Garrincha e Malu Mader, nunca me decepcionaram, embora a lista dos que não mereciam minha fé se estende cada vez mais. Já o Bom Velhinho é um mito que foi se adaptando desde minha infância, e por isso continua vivo. A cada época ele participou de minha vida de alguma forma. Já foi um quase milagre na noite mágica de Natal. Já foi tema de inúmeros anúncios que criei. Já foi personagem que – vergonha! – interpretei num comercial dos relógios Technos, num tempo que precisei passar talco na barba para parecer mais velho. E foi também minha maior tristeza, quando, por culpa da Varig, não cheguei a tempo de uma viagem e não foi possível atender a um convite de O Globo para descer de helicóptero no Maracanã vestido de Noel. E, hoje, voltei a acreditar nele, pelos olhos de minhas netas de dois e quatro anos que ontem ligaram para minha mulher passando a lista do que esperavam receber. Pelo detalhamento da lista, acho que não acreditam muito no bom senso do velho, até porque quem vive na Lapônia cercado de renas não deve entender muito das coisas que a tecnologia moderna está produzindo.
Por falar em Papai Noel, me lembrei de uma historinha muito simpática. Nós tínhamos como cliente uma cadeia de lojas muito grande e num Natal botamos um Papai Noel em cada loja para ouvir os pedidos das crianças e tirar fotos, num cenário de trenós, renas e neve de isopor. Tinha também um insuportável Jingle Bells tocando numa caixinha de música, responsável por vários ataques histéricos de vendedores e vendedoras. Imagine um fanhoso Jingle Bells repetindo 12 horas sem parar no seu ouvido. Justifica qualquer desatino. Para se ter uma ideia, um vendedor atacou uma rena com esqui e outro destruiu a caixa de som a cabeçadas. Mas são detalhes, pois a história principal é outra. Na maior loja da rede, percebemos que um dos Papais Noéis escondia nas vestes uma garrafinha de guaraná, que ele ia sorvendo aos poucos, entre uma criança e outra. Podia ser água ou guaraná mesmo, pensei, pois acredito em Papai Noel. Acontece que o Bom Velhaco ia ficando cada vez mais vermelho e seus ho-ho-ho mais altos, num claro indício de que o cara enfrentava o inverno na Lapônia com água que rena não bebe.
Eram umas três da tarde quando uma mamãe de microssaia e sem sutiã trouxe um garotinho para fazer seus pedidos. Achei pouco ortodoxa a saudação do Santa Claus para a pressurosa mãezinha: “Minha filha, Deus abençoe esta saúde!”. Não acreditei nos meus ouvidos e não tomei uma providência imediata. Foi a grande burrice. Logo depois ele perguntou a um garoto de uns 15 anos, irmão de um pirralho de três, o que estava achando das vendedoras “gostosas” que a loja tinha. Eu resolvi acabar com a farra naquele minuto. Mas antes que pudesse furar a fila e interromper o furdunço, o Bom Velhinho anunciou com todas as letras que “ia dar uma mijada” e se dirigiu ao banheiro. Fui atrás e o despedi. Ele, furioso com minha insensibilidade natalina, aprontou a maior bagunça já vista na loja, com direito aos palavrões mais cabeludos, troca de sopapos com seguranças e quebra do balcão do departamento de bijuteria.
Por incrível que pareça, as crianças deliravam. Apesar do porre, Papai Noel não parecia irritado com elas, pois dava cajadadas, pontapés e ao mesmo tempo gritava: “ho-ho-hou – Papai Noel é foda!” As crianças adoravam, batiam palmas e repetiam em coro: “Papai Noel é foda! Papai Noel é foda!” Acho que os garotos mais crescidinhos, já desiludidos com a lenda, voltaram a crer, como na história que já contei do Mario Vianna demolindo um boteco vestido de Papai Noel, só porque o chamaram de palhaço. Uns mais parrudinhos resolveram lutar ao lado do bem e começaram a brigar com os seguranças e os vendedores que vieram ajudar. Eu gritava desesperado a palavra mais idiota que se pode dizer nessas horas: “Calma! Calmaaaa!” Por sorte, um segurança, com uns 15 garotos grudados nele, arrebentou uma vitrine com aquele tipo de vidro que explode, mas não faz caquinhos. O barulho acalmou os ânimos e Papai Noel, debaixo de aplausos, foi retirado da loja. Estranhamente o sistema de som não foi atingido. E dava para se ouvir claramente pelos alto-falantes: “Hoje a noite é bela, juntos eu e ela, vamos à capela, felizes a rezar…”
Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor
(lulavieira.luvi@gmail.com)