Uma das histórias mais românticas que eu conheço me foi contada pelo diretor Oliver Perroy numa longa noite de filmagem, enquanto esperávamos o sol surgir para aproveitar a luz dourada do amanhecer. Oliver tinha um primo famoso na noite paulista. Um putanheiro bêbado cuja vida torta era uma verdadeira lenda entre os boêmios.

Chegado a uma farra e ao amor sem compromissos, sua família eram as putas, os porteiros e garçons de boate, para quem destinava seu salário e sua saúde. Pouco se sabia de sua vida anterior. Do que ele contava, e era muito pouco, as pessoas diziam que ele se lembrava de uma infância sofrida, um casamento fracassado e raros momentos de felicidade durante as férias na casa de um tio, já falecido, em uma cidadezinha chamada Sumaré, próxima de São Paulo. De resto, a imagem que tinham dele era de uma boa pessoa, amarga e cínica pelas porradas da vida, um solitário sofrido.

Contam as putas de São Paulo que houve uma noite em que ele abusou. A madrugada veio encontrá-lo quase em coma debruçado sobre a mesa. Uma das mulheres resolveu levá-lo para casa, no mínimo para garantir-lhe a vida e um banho quente. Embora tonta de sono, estava suficientemente sóbria para saber que sozinho ele estaria em perigo.

Tomaram um táxi e ela deu o endereço de sua casa no bairro de Sumaré, aninhou-se no banco e dormiu. O motorista, tentando fazer graça, perguntou: “Sumaré cidade ou bairro?”. As duas palavras chegaram ao seu cérebro confuso e trouxeram embaçadas imagens da infância, um riso alegre de menino e o rosto amigo do seu tio. “Sumaré cidade.”

Em uma hora, já de manhãzinha, o carro chegou a Sumaré. Desperto pela luz, ele viu a pracinha, a matriz, a casa geminada onde seu tio morava, fazendo esquina com a rua principal. Na casa, uma placa: “Vende-se”. De resto parecia tudo igual, até mesmo a velha padaria e seu cheiro de pão fresco que se espalhava pela vizinhança. Também pareciam novos os riscos agressivos de algum grafiteiro sujando os pés da estátua de um ex-prefeito qualquer.

Mandou o táxi parar em frente à casa do tio. Bateu palmas. Viu na janela o antigo gesto de espreitar quem chamava da rua através da cortina. Um velho levou algum tempo do outro lado da porta a lutar com muitas fechaduras que dão a falsa sensação de segurança aos velhos. A puta no carro dormia.

– Pois não?

– Vi a placa de vende-se…

– Sim, está à venda, a casa e a padaria…

– Deixa o negócio?

– E a cidade. Vou morar com a filha e o genro em São Paulo. Depois que minha senhora morreu, vivo só, nada mais justifica levantar cedo, olhar o pão, me matar no caixa.

– Quanto?

– Pouco. Muito pouco, a cidade se esvazia. Depois aparecem as lanchonetes. Faço pão, vendo leite, alguns enlatados. A casa está velha, precisa de reformas. Nada mais vale a pena. A senhora morreu há seis meses.

Fechou negócio ali mesmo. Atravessou a rua e foi acordar a mulher no carro. O motorista estava observando o riacho sujo que corta a cidade.

– Acorda! Acorda!

Olhos grudados, boca seca, ela se espanta com a luz, com o cenário e com o homem que lhe acorda carinhosamente.

– Quer casar comigo? Pergunta ele, rosto sério.

Meio brincando, meio de verdade, talvez para se livrar da pergunta, ela responde sem pensar:

– Quero!

Estão casados há anos. Dizem na cidade que são dois pombos. Passeiam à tardinha de mãos dadas na praça deserta, frequentam a igreja cada vez mais vazia. E vivem rindo, como se a vida fosse muito divertida.