Cada vez que leio alguma polêmica a respeito das histórias que nós, publicitários, contamos sobre um produto, fico horrorizado com algumas posições dos eternos críticos à profissão, que consideram um crime lesa-consumidor uma indústria metaforicamente dizer que tem carinho pelo que sai de suas máquinas, assim como o artesão tem carinho e cuidado com aquilo que é feito por suas mãos. Há, por trás de tudo um tremendo desrespeito à pessoa comum, o cidadão, que é considerado tão definitivamente imbecil a ponto de acreditar que o velho padeiro italiano ainda faz pessoalmente o panetone que é comido no Natal. O Estado Babá, tão a gosto dos burocratas, vai matar Papai Noel, coelhinho da Páscoa e todo tipo de fantasia que é, afinal das contas, a única coisa que se compra e que se vende nesse mundo de meu Deus.
Não estou pregando a desregulamentação total, pois sei que alguma regra há de haver. Mas proibir dizer que um suquinho de laranja foi produzido por um fazendeiro que ama suas frutinhas já é exagero. Precisa alguém me defender e me proibir de ouvir esta peta? Ou passa pela cabecinha privilegiada do defensor do imbecil aqui digitando que ele (imbecil) acreditou que seu Mané das Laranjas acorda cedinho para escolher a laranjinha que vai fazer o suquinho e botar, junto com a sobrinha e o sobrinho, dentro da embalagenzinha de Tetra Pak para chegar até minha casa para que eu possa tomá-la ainda com sabor da manhã no campo? Só se eu acreditasse em político para ser tão ingênuo.
Antigamente a propaganda exagerava no grau de industrialização de tudo. A fabriqueta de fundo de quintal se transformava, sob o manto diáfano da fantasia, numa tremenda indústria moderna que “com tecnologia alemã e sem nenhum contato manual” fazia toneladas de biscoitinhos por hora. Ou massa de tomate ou maionese ou salsichas. Na verdade eram arremedos de fábricas, com meia dúzia de operários fazendo praticamente no braço aqueles alimentos que nos fizeram cada vez mais fortes, sadios e longevos ao longo do tempo. Décadas depois, imensas fábricas com tecnologia multinacional, que são controladas pela fina flor da robótica, produzem milhares de toneladas de biscoitos, creme de tomates pelados e salsichas por hora.
A propaganda gasta fortunas para reproduzir artificialmente a fabriqueta de fundo de quintal, pois a moda hoje é o artesanal. Outro dia vi na embalagem de um produto a advertência mais brilhante que se pode colocar em algo nestes dias mudernos: “Este produto, por não conter estabilizantes, conservantes ou qualquer produto que modifique suas características naturais, pode sofrer variações de sabor e textura”. Que maravilha!
O problema é que nos ingredientes estavam lá, com todas as letrinhas: água, concentrado de tal coisa, sabor idêntico ao natural de tal coisa, suco disso, goma xartana, espessante tal, acidulante, estabilizante. Um coquetel. Isso, sim, acho que deveria ser proibido. Muito melhor que viesse escrito: “Embalado pelos sucessores do velho Giovanni, que fazia esse suco na sua fazenda em Cornobello, na Itália, e era a única bebida que Don Corleone aceitava no café da manhã antes de sair para matar um desafeto. Don Corleone sempre dizia: ‘prima el suquito de Giovanni. Dopo, uma carnificina. Viva la vita’!”. Outro dia, dando almoço a meu cachorro, fui advertido por uma amiga sobre os malefícios da ração industrializada que, segundo ela, era os restos de abatedouros, xepa de entrepostos de verdura e mais tudo de ruim que se possa imaginar, incluindo minhocas. Lembrei a ela que crio cachorros e gatos bonitos, saudáveis, sinceros, amigos e alegres há dezenas de anos e a refeição base deles sempre foi ração, evidentemente produzidas por empresas que amam os animais e que só contratam colaboradores que gostem de bichos, segundo a filosofia do fundador, o velho Testadecanne, veterinário de velha cepa, lembrado até hoje como o São Francisco da indústria. Pelo menos é o que diz a embalagem.
Para complementar, usei o argumento definitivo: que foi uma ração como aquela que durante meses foi o complemento alimentar do filho de um amigo meu que, sem que a família percebesse, dividia com o cachorro a tigela de ração na cozinha. Só não proponho para a fábrica de ração contar esta história porque ninguém vai acreditar. Pois eu garanto que é pura verdade. Para encerrar, eu acho que a crise de credibilidade que estão passando as pastelarias é infinitamente mais grave do que a da Petrobras.
Está na hora de a Associação de Pasteleiros do Brasil contratar o Toni Ramos para garantir que pastel de carne precisa ter nome e sobrenome. Nem cachorro nem trabalho escravo. Agora mexeram com um patrimônio paulista. Verão do que somos capazes!