Eu morava em Brasília nos fins dos anos 60, quando por pura maluquice, que acabou dando certo, juntamente com outros três alucinados, abri uma agência de propaganda – aliás a primeira.
Naquela época, em Brasília, existiam apenas os chamados corretores de propaganda, que faziam de tudo, produzindo artesanalmente campanhas que algumas vezes chegavam a ser até mesmo criativas e funcionais.
Na televisão a maioria dos comerciais era ao vivo, exigindo dos apresentadores tremendos esforços para se sobressair. E alguns deles conseguiam, criando tipos bizarros e extravagantes que pela força do veículo acabavam caindo no gosto do povo.
Havia um deles, Dudu, se não me engano, que conseguia estar presente em quase todos os intervalos, caracterizado de forma diferente a cada vez.
De pai de santo baiano a beduíno, passando por mulata assanhada e garçom de botequim, ele vendia liquidação de loja de departamento; carros novos e usados; serviços de lavanderia; caderneta de poupança. Um gênio.
Pois bem, nesse ambiente de pura improvisação – como eu já disse muitas vezes genial – resolvemos trazer métodos que achávamos mais profissionais.
Éramos jovens e pretensiosos, como se vê. Vai daí que montamos uma agência nos moldes tradicionais com criação, mídia, tráfego, produção gráfica e eletrônica e tudo o mais. Tinha até estúdio fotográfico.
Acontece que não havia fornecedores e acabamos fazendo nós mesmos a produção de letras, slides, montagem de filmes para TV e muitas outras coisas que deveriam ser entregues a empresas especializadas.
De profissional nesta área havia apenas o estúdio do Paulo Raimundo de gravação de áudio, e o câmera Paraquedas – aliás, o estúdio do Paulo só funcionava pela manhã, num prédio que o incorporador esqueceu de colocar elevador, e o Paraquedas só trabalhava quando não havia nenhuma notícia importante na cidade, pois ele era cinegrafista da televisão local.
Produzir propaganda era uma aventura nem sempre deliciosa.
Dessa época uma das lembranças que eu guardo é a da noite de Natal, que os quatro sócios do Grupo Jovem de Publicidade (era esse o nome da agência) passaram na estrada Brasília-São Paulo.
Envolvidos com campanhas, só conseguimos nos livrar dos trabalhos na manhã do dia 24. Nossas famílias moravam em São Paulo e decidimos passar o Natal com elas.
Entupimos de malas a velha DKW-Vemag da frota da empresa (que tinha ainda uma Kombi e um Fusca) e partimos para uma viagem que deveria levar apenas 21 horas e que fazíamos normalmente, quase sem parar, nos revezando na direção.
Estávamos já na altura da fronteira com São Paulo quando, jogando conversa fora, descobrimos que cometemos um enorme erro de português no anúncio de nosso principal cliente programado para o dia 25.
Naquela época não havia celular nem telefones ao longo da estrada e o remédio foi voltar a Brasília para arrumar a besteira.
Depois, já atrasados, na tentativa de recuperar o tempo perdido, corremos demais com a DKW (uns 100 quilômetros por hora) e arrebentamos alguma coisa na roda. Isso numa estrada onde as cidades ficavam distantes dezenas de quilômetros uma das outras e oficinas mecânicas eram raríssimas.
Na luta por conseguir um mecânico levamos o dia inteiro e a maior parte da noite de Natal. Mandamos recado para as famílias pelo único ônibus diário que fazia a linha para São Paulo e juntamente com dois policiais rodoviários, um caminhoneiro da Bahia, dois frentistas e um cozinheiro cearense, mamamos dois litros de cachaça, um engradado de cerveja, e comemos uma fritada de ovos com tudo que havia na geladeira de um imundo restaurante de posto de gasolina.
Me lembrei disso porque outro dia achei a lata de polidor que ganhei de presente naquela Ceia de Natal.