Em meio às manifestações e anúncios de greves que tomaram conta do país nas últimas semanas, o mercado publicitário parou para observar os acontecimentos, de forma bastante cautelosa. De acordo com Clóvis Speroni, diretor da Regional Sudeste da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), houve uma grande preocupação e zelo com a não exposição das marcas neste momento. Segundo ele, em outras situações de envolvimento com grandes massas populares, o mercado, rapidamente, colocava nas ruas anúncios e campanhas de oportunidade.

“Desta vez, o que se viu foi uma demonstração de maturidade dos profissionais de marketing e de agências. Qualquer exposição de marca seria entendida como oportunismo, e não como oportunidade.” O executivo lembrou que nem mesmo o varejo, com toda agressividade característica, se aproveitou do apelo da redução de preços que estava exposto nas ruas, os tais “R$ 0,20”, para vender seus produtos. Na contramão do mercado, porém, a Folha de S.Paulo lançou uma campanha institucional denominada “Manifestações”, que utilizou imagens reais dos protestos populares para ilustrar o filme criado pela Africa.

Speroni ressaltou, no entanto, que a maior parte dos clientes, os mais cautelosos, tomaram a decisão de suspender ou mesmo cancelar seus anúncios e campanhas que estavam previstos naqueles dias em que ocorreram as manifestações. “Isso gerou uma perda de faturamento para toda a cadeia produtiva: anunciantes, veículos, agências e fornecedores.”

Porém, o executivo diz que as manifestações nas ruas foram uma demonstração da democracia no Brasil e do poder de aglutinação das redes sociais como plataformas de comunicação e interatividade. “Ficou claro que os métodos antigos de convocação das massas foram sepultados. O sucesso da movimentação e a velocidade com que isso aconteceu evidenciam a força das redes sociais no engajamento do povo brasileiro.”

A Rede Globo, que mudou sua programação por conta das manifestações, assim como fizeram outras emissoras, também entendeu que protestar é um direito do cidadão, sempre que pacificamente e dentro da legalidade. Segundo nota enviada pela emissora, a Globo “apoia a participação da sociedade na discussão do papel da mídia e da liberdade de expressão como pilares de um Estado democrático”. Sobre possíveis impactos nos negócios, a emissora afirmou que não foi verificado nenhum problema nos seus compromissos comerciais.

Rio Grande do Sul
Um Estado bastante atingido pelos protestos foi o Rio Grande do Sul. Na última quinta-feira (11) houve muitas manifestações em todo o Estado, afetando o comércio, segundo a Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul. O maior prejuízo para seu funcionamento foram os atrasos ou impossibilidade dos comerciantes se deslocarem, já que na maioria das cidades os ônibus não circularam.

Luiz Borges, diretor comercial do Jornal do Comércio, comenta que os anúncios de varejo desapareceram da mídia. “A semana foi diferente, pois desde antes só se falava nesta greve geral, que há muito tempo não havia no Brasil.” Borges comentou que o mercado está realmente com um “pé atrás” e nenhuma grande campanha estreou na mídia. “Os empresários ficam esperando para ver o que vai acontecer”, opina.

Segundo Miguel de Luca, presidente da Abap/RS e sócio diretor da agência Escala, para indústria da comunicação, esse tipo de greve ou manifestação não interfere muito. “Mas os ânimos dos empresários se alteram nesse momento de incerteza”, diz.

Já Stalimir Vieira, diretor de criação da CMC, de Jaraguá do Sul (SC), diz que, sempre que há alguma anormalidade social ou econômica, a tendência é o mercado mostrar-se cauteloso. “Muitas empresas estão segurando investimentos enquanto observam o desfecho dessa movimentação.Mas não podem demorar muito, pois também há outros que, nesses momentos, aceleram para crescer, expor suas marcas e ocupar os espaços deixados pela concorrência.”

João Satt, sócio-diretor da agência Competence, concorda que é a hora de anunciar, porque é preciso motivar o mercado para comprar. Ele acredita que o clima de incertezas vai impactar fortemente nas vendas. “Junho foi um mês difícil. Nem todas as marcas atingiram o orçamento e outras tiveram uma queda importante no ticket médio. É um momento importante para revitalizar marcas, ancoradas numa nova proposta de valor”, opina.

O presidente da ARP (Associação Riograndense de Propaganda), Fábio Bernardi, diz que as paralisações não estão afetando diretamente o mercado publicitário. “O que está acontecendo é uma certa ‘paralisia’, e essa sim afeta o mercado. No sistema bancário, na indústria e no varejo, há um temor real e grande pelo segundo semestre. Todo mundo acha que estamos entrando num período difícil e complexo, e ninguém está muito seguro sobre o rumo do país, social e economicamente falando. Isso gera retração de movimentos e, claro, de investimentos.”