Eu tinha 20 anos e estava trabalhando como assistente de um fotógrafo. Essa era uma vaga que eu demorei a conseguir, era concorrida e eu não queria decepcionar. Um belo dia, dentro do estúdio, esse meu chefe reclama de um flash que não estava disparando e grita já xingando seus fiéis e resilientes assistentes: “Quem deixou essa p* desligada? E ordenou: “Sobe lá e arruma essa m agora!!!”

Prontamente eu solto um “deixa comigo” e alguém pega uma escada e subo naquela coisa horrível e desalinhada o mais rápido que pude. Arrumo os flashs, ajeito tudo e o fotógrafo retoma ao trabalho. Senti-me realizado, feliz na minha função de assistente por não ter decepcionado, mas, em certo momento, essa sensação de satisfação foi substituída pela percepção de onde eu estava.

Eu me dei conta de uma escada precária, degraus fixados por pregos tortos, tudo com o objetivo de alcançar o teto do estúdio. E agora eu estava em cima do grid, colado no teto. E era bem alto! Minhas pernas ficaram paradas.

Tudo meio turvo. Não conseguia ir para um lado nem para o outro. Lembrei-me de uma vez que encontrei um lagarto quando era criança… ele parou de barriga para cima. E eu
estava ali, igual, meio humano, meio lagarto.

Nessa hora me dei conta que tinha medo de altura. Dizem que lagartos fazem isso como instinto de sobrevivência e proteção. E nós temos um lado lagarto do cérebro que nos pega de surpresa em situações que nos tiram da zona de conforto, exigindo mais esforço, nos colocando em posição vulnerável, expondo nossas possíveis fraquezas. Lagartos e humanos sentem medo, faz parte.

A diferença está em como nós lidamos com isso.

Não é fácil e acho que não existe alguém “sem medo”. Quando olho para mim ali no alto daquela escada capenga penso que meu medo era outro. Menos coisas a perder, menos certezas e menos presença. Hoje não tenho aqueles medos, mas tenho outros, novos, que foram surgindo e eu fui aprendendo a lidar com esse sentimento estranho, mas que nos impulsiona, estimula, transforma.

Atualmente, nós humanos-lagartos, estamos cada vez mais acostumados a toda e qualquer recompensa instantânea, menos propícios a enfrentar as escadas da vida e, em muitos momentos, achamos um outro jeito de lidar com o medo: procrastinar ou fingir que não viu a escada… é difícil ter a coragem de subir todos esses degraus sem olhar para baixo.

A perna treme, mil desculpas surgem na cabeça, damos umas compartilhadas, postamos mais alguma bobagem e fingimos que não era com a gente.

Mas eu acredito que no fundo nem humanos nem lagartos curtem se fingir de morto.

O melhor é sempre viver. Viver é a solução para deixar o medo seguir… Viver é melhorar, evoluir e ir para cima diante dos obstáculos e escadas da vida.

É possível aprender, se transformar, motivar. O medo mal administrado nos impede de viver as boas experiências, de aprender, agir, se expressar, amar, ouvir, dividir, construir, errar e até mesmo de subir numa maldita escada.

Interessa-me muito chegar nesse lugar mais alto e ver o que tem lá em cima.

E dividir com mais pessoas um lugar de luz, com mais propósito, criatividade, diversidade e cores.

Trabalhar, viver, subir escadas… estamos aí, sempre tentando! Ainda tem muito pela frente e obviamente que o medo vai surgir muitas vezes, mas o importante é sentir na pele essa adrenalina, pois o medo é o combustível da humanidade!

Um medo conhecido e dominado nos possibilita desenvolver nossas ideias e talentos; agir com a certeza de que estamos dando o nosso melhor naquele momento, e isto é o que realmente importa!

Manuel Nogueira, fundador e líder criativo da Magma