Pelo menos na maioria dos países do ocidente, o tema menstruação deixou de ser tabu em anos mais recentes, e a publicidade das marcas pode se gabar de ter alguma coisa a ver com isso. Recentemente, em meio a discussões de igualdade de gênero e combate ao assédio, o assunto se tornou símbolo de força feminina, e falar do tema se aproxima de uma espécie de ativismo.
Quem não lembra do famoso sangue azul, hoje item proibido em comerciais de absorventes?
https://www.youtube.com/embed/HoEHjsHJSXI
Talvez o primeiro grande clássico da publicidade a abordar o tema como algo natural tenha sido o anúncio de OB criado por José Zaragoza, na DPZ, em 1976 e veiculado na revista Veja. Uma sósia homenageia a performance impressionante da romena Nadia Comaneci, enquanto o OB é colocado como o grande aliado das mais de duas mil mulheres que disputaram aqueles jogos olímpicos em Montreal, no Canadá, literalmente tirando o assunto do armário e causando furor na censura, então ativa no Brasil da ditadura.
Mas a “saída do armário” foi pontual. Muitos filmes com líquido azul depois, o tema começou a ficar mais “natural”. Mas ainda romantizado, como se menstruar transformasse a mulher imediatamente numa pessoa alegre, leve, bem-humorada. Oi?
Em anos mais recentes, o tema começou a entrar na conversa dos jovens, e embora não mostrassem nada em especial, as marcas começaram a se posicionar na direção da “normalidade”, pelo menos.
A entrada em cena da internet mudou todo o cenário: pessoas reais resolveram falar do assunto. E reclamar de como o tema menstruação era tratado na publicidade. E expor mitos, dúvidas, medos e a necessidade urgente, por parte das marcas, de falarem sobre o tema de maneira mais aberta. E com novas abordagens.
Menstruação foi aos poucos ganhando outro discurso na publicidade e aproximando-se do tema do empoderamento feminino. Assista a esse exemplo de Intimus Noturno. E repare como o líquido azul desapareceu.
A linguagem muda, a normalidade entra em cena, e na internet as marcas começam a deitar e rolar sobre os temas que antes eram tratados de forma tão delicada.
O novo normal para falar do tema foi ir para o outro extremo: o de mostrar mais, expor e ampliar a discussão. Algumas marcas tiveram coragem, com destaque para Always e Libresse (que, sim, no passado usaram um bocado de “sangue azul” em suas campanhas).
A campanha de Always “Like a Girl”, lançada pela Leo Burnett em 2014, mudou completamente o cenário e abriu caminho para todo o segmento, e deu origem ao termo “femvertising”:
A marca Libresse/Bodyform (Libresse na Suécia e na Dinamarca e Bodyform na Inglaterra), por exemplo, se tornou ícone, tratando do assunto de maneira mais ousada. O filme abaixo é da AMV BBDO, de Londres, de 2017 e foi criado pela dupla de brasileiros Caio Giannella e Diego de Oliveira. Diego conta que a intenção inicial com o filme Blood era mostrar sangue menstrual, pela primeira vez, na TV, a partir do briefing que relacionava esporte e menstruação. Mas a equipe criativa acabou decidindo mostrar o sangue mas deixar que o público fizesse sua própria analogia:
O público feminino aplaudiu. E na era da internet, os aplausos são públicos e compartilháveis. Quanto vale, para uma marca, um post como este?
A campanha de Libresse evoluiu. E mostrou sim, sangue menstrual na TV.
https://youtube.com/watch?v=QdW6IRsuXaQ%5D
E virou “case”:
#Blood Normal conquistou o Grande Prêmio de Glass – The Lion for Change no Cannes Lions, ano passado. Foi considerada pelo júri uma campanha essencial, uma vez que, apesar de tudo, ainda hoje, há preconceito e insegurança na abordagem do tema da menstruação.
No Brasil, Sempre Livre (marca da J&J) e DM9DDB fizeram uma boa dupla, e no ano passado o projeto #SempreJuntas ganhou Leão de Ouro no CannesLions:
Em paralelo, a Sunset criou para Sempre Livre uma série no youtube com a atriz Maisa, que trata de assuntos diversos relativos a menstruação:
O documentário da marca Sempre Livre, “Nosso Sangue Nosso Corpo”, feito pela Fox Lab Brasil e a produtora YourMama, reiterando posicionamento “Sempre Juntas” é um bom exemplo de para onde caminham as estratégias das marcas voltadas para o empoderamento feminino. A era do Branded Content abriu muitos novos caminhos para falar do tema e aprofundar a conversa com as mulheres:
A estratégia de Sempre Livre evoluiu para “Sempre Juntas pelo Progresso”, em parceria com a Plan International, organização não governamental de atuação global e focada na educação para meninas e igualdade de gênero. O foco é levar educação para meninas e mulheres do Piauí e Maranhão que não têm acesso a informações sobre menstruação. Veja o filme:
A marca Kotex é um exemplo de marca que vem promovendo discussões interessantes, como esta sobre TPM, no Canadá, em parceria com a Ogilvy (#itsnotmyperiod – Your period doesn’t define you):
[VIDEO=https://www.youtube.com/embed/Qq_H02TSE-g]
A marca Libresse levará para Cannes, este ano, o terceiro filme da estratégia criada pela mesma AMV BBDO, e a mesma equipe de brasileiros (que acaba de sair da agência, por sinal, para trabalhar na Apple). O filme, icônico, trata de diversidade, e deve agradar:
[VIDEO=https://www.youtube.com/embed/0k-_4WloY6Y]
Period. End of Sentence. No Brasil, o título é “Absorvendo o Tabu”. O documentário de Rayka Zehtabchi sobre o estigma da menstruação na Índia Rural ganhou o mundo no ano passado e conquistou o Oscar de melhor curta, um indicativo da grande transformação que se alastra em relação ao tema. Pode ser visto no Netflix. Propaganda que reflete as mudanças de mindset da sociedade, ou a propaganda e as ações de marca afetando as pessoas e ajudando a mudar o mundo? Um pouco de cada, sem dúvida nenhuma.
[VIDEO=https://www.youtube.com/embed/KocJP8dG1OA]