Talvez você já tenha lido em algum lugar que a publicidade infantil no Brasil é proibida. Caso trabalhe divulgando produtos infantis, se pegou pensando se é um fora da lei. Isso ocorre porque, infelizmente, num mundo com tanta informação, as campanhas de desinformação parecem fazer mais sucesso do que os fatos. A realidade não dá audiência. Publicidade de produtos infantis é permitida no Brasil e tem regras muito claras e rígidas para punir os abusos.
O sistema adotado em nosso país é misto, combinando as normas de autorregulamentação do Conar com regulação federal por meio da Constituição, Código de Defesa do Consumidor e Estatuto da Criança e do Adolescente. Dentro do Código de Autor-regulamentação Publicitária do Conar, as normas que regem a publicidade infantil fazem parte do Capítulo 2, Seção 11, Artigo 37. O anexo H disciplina a publicidade de alimentos e bebidas não-alcoólicas, definindo cuidados especiais para esse público. Algumas empresas, por inciativa própria, adotam normas de conduta ainda mais rigorosas. Seguindo o Artigo 37 do Código do Conar e as normas próprias de cada empresa, sua criatividade é o limite. Além dessa respeitável vigilância, ao todo, o Brasil possui hoje 22 normas que restringem a publicidade dirigida à criança, mais do que o Reino Unido, com 16 normas, e os Estados Unidos, com 15.
Mesmo assim, a indústria de comunicação, no geral, e a de licenciamento, no específico, convivem diariamente com a disseminação de notícias falsas (fake news), alegando que todo esse arcabouço foi substituído pela Resolução 163, de 2014, do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). Essa é uma das tantas mentiras que destroem setores produtivos do nosso país. Conforme já apontou a Advocacia-Geral da União (AGU), para começar, o Conanda não tem poderes de legislador. Essa é uma responsabilidade do Congresso, que tem avaliado a questão da comunicação com o público infantojuvenil em suas comissões especiais, mas sem qualquer decisão até o momento. Ou seja, o Conanda é apenas um órgão consultivo ligado à Secretaria de Diretos Humanos da Presidência da República e suas resoluções são, quando muito, “conselhos” e não instrumentos normativos.
Como se isso não bastasse, a resolução do Conanda é inconstitucional porque é totalmente incompatível com o regramento da legislação em vigor, que, muito diferente de banir a publicidade dirigida às crianças e adolescentes, regulamenta e disciplina os casos que são considerados abusivos. Enquanto o Código de Defesa do Consumidor considera abusiva a publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança (Artigo 37, § 2º), o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe, nas publicações dirigidas às crianças e adolescentes, anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições. Tudo isso, como se vê, está muito longe da ampla e irrestrita vedação da publicidade infantil, como se pretende fazer crer, mas visa, sim, garantir que a criança seja protegida contra abusos.
Os autores das fake news não entendem que, ao promover inverdades, estão desequilibrando um mercado formado por empresas responsáveis, que respeitam as regras, movimentando quase R$ 20 bilhões por ano, gerando 720 mil empregos diretos e indiretos, além de R$ 6,4 bilhões em salários e R$ 2,2 bilhões em tributos, segundo estudo da consultoria GO Associados sobre os impactos no mercado de licenciamento. Se os produtos infantis fossem proibidos, no momento seguinte teríamos criminosos explorando propriedades intelectuais, entre elas as representadas pelos personagens infantis, em produtos piratas sem nenhuma garantia de segurança, sem recolhimento de imposto ou geração de empregos. Para combater as fake news, o melhor que o mercado publicitário pode fazer é agir com responsabilidade e conhecer e respeitar o que prescreve o Código de Autorregulamentação Publicitária. A regra é clara: na discussão sobre a publicidade de produtos infantis, não vale tudo.
Marici Ferreira é presidente da Abral (Associação Brasileira de Licenciamento) (marici@abral.org.br)
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