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Na cabeça de muitos profissionais do mercado publicitário, sempre foi difícil separar o que é propaganda do que é produção de conteúdo de marca. De fato, são duas formas de se contar histórias sobre empresas, mas as semelhanças param por aí, e isso está ficando mais claro para todos. Nesse contexto, está em franco crescimento o interesse dos anunciantes em romper a tradição de focar sua comunicação apenas em publicidade e criar uma visão editorial própria, colocar o dedo no pulso no que ocorre na sociedade, e ampliar seus investimentos em formatos diversos de conteúdo. Uma pesquisa recente do Content Marketing Institute (CMI) com cerca de 400 anunciantes dos Estados Unidos, chamada Content Management & Strategy Survey, deixa claro o potencial dos projetos de conteúdo de marca. A grande maioria dos clientes, 92%, afirma que sua empresa valoriza esse tipo de comunicação como um “business asset” – um ativo de negócios que impacta diretamente o ganho de valor de uma companhia ao longo do tempo. Ou seja: é absolutamente estratégico para quem quer ter sobrevida em seus mercados.

Por outro lado, apenas 46% dos entrevistados possuem uma estratégia formal para gerenciar conteúdo do jeito que um “business asset” merece. São apenas 29% aqueles cujas empresas têm uma estrutura que arquitete e transmita mensagens através de conteúdo. Outro número do estudo da CMI: 21% das empresas estão engajadas na questão da governança de conteúdo, ou seja, o estabelecimento de uma estratégia de gestão do conceito editorial e comercial dos diversos formatos de comunicação.

A discrepância entre o alto valor estratégico do conteúdo e a baixa formalização de estratégias para lidar com esse ativo cria um nicho de oportunidade para o qual as agências estão se preparando. Elas podem ajudar as marcas a compreender conteúdo e ter uma estratégia que é bem diferente de publicidade. “Para mim, a propaganda conta uma história em algarismos, ou seja, de forma breve, enquanto o conteúdo conta a história por extenso”, resume Fernando Diniz, chief strategy officer da DPZ&T. Ele lidera a área de planejamento estratégico da agência, que une conteúdo e mídia. “Esse setor estrutura os projetos de conteúdo para nossos clientes. O planejamento cria uma visão editorial para a marca e a mídia transforma isso em um projeto que pode ser executado por nossa equipe de criação ou parceiros de conteúdo, como os veículos”, explica o executivo.

Desse pensamento, a agência criou projetos como a TV Vida Real, para o Itaú, que fala sobre entretenimento financeiro, uma forma de atrair as pessoas e prestar um serviço de educação sobre um tema considerado pesado pelos brasileiros. Para o McDonald’s, a Guacamole da Paixão, uma parceria com Globosat, foi uma paródia de novela mexicana usada como estratégia para o lançamento de um sanduíche. Com Petrobras, Encontros do Conhecimento proporcionou encontros improváveis, como a de um alpinista com uma geóloga da empresa, para mostrar como a ciência permeia a empresa. Apesar dos projetos já na rua, a impressão de Diniz é que, em geral, os clientes ainda buscam amadurecer no tema. “Vemos muita coisas boas no mercado, mas pontuais. As marcas ainda não se veem como publishers, estruturando projetos de longo prazo, como qualquer veículo de conteúdo faz. Minha sugestão para os clientes é pensar no que chamo de ‘vida editorial da marca’: quais são as histórias relevantes para contarmos aos consumidores e quais os objetivos de marca e negócios dessas histórias”.

Área que mais cresce

Outra agência que se estruturou para as demandas de conteúdo foi a Ogilvy, que lançou no ano passado seu Content Studio. “Já temos 65 profissionais, seja dentro do estúdio, seja nos clientes. Conteúdo é o negócio que mais cresce na agência hoje, de longe”, revela Fernando Musa, CEO do Grupo Ogilvy no Brasil. Alguns dos clientes atendidos pelo estúdio são Pfizer, Telhanorte, Coca-Cola e Nestlé, em um total superior a 20 marcas. A área responde ao diretor de operações Daniel Martins, que responde a Musa, que fala que a área demanda outro tipo de profissional, com rotinas distintas em relação a outros setores da agência. Ela se conecta à criação da agência quando necessário e é alimentada por estruturas como planejamento, business intelligence e social listening. A execução segue ritmo próprio, alinhado com a estrutura de conteúdo dos clientes. Uma dica do presidente do Grupo Ogilvy é que o setor de conteúdo não tenha apego a formatos e tenha know-how para navegar desde ações de grande porte, como ativação com conteúdo – ele cita um case recente para Telhanorte em que um arquiteto interagiu com consumidores para dividir conteúdo – até um mero gif, que também é conteúdo.

Umas das grandes iniciativas recentes da Ogilvy foi 1.001 Desculpas, ação para BMW que reúne histórias criativas do público quando quer “pegar a estrada” com suas motos. Musa também comenta ações como o conteúdo para o portal da Vale e outra para Nescau, em que a agência pegou carona em uma discussão que surgiu na web sobre leite e chocolate para colocar a marca na conversa. Ele também categoriza como conteúdo a ação Meninas Fortes, para Nescau, que foi a vencedora do primeiro Glass Lion da publicidade brasileira em Cannes, no ano passado. A ação mostra histórias de mulheres e convida o público a refletir sobre a importância do esporte para o desenvolvimento das meninas. “As marcas têm a necessidade de se tornarem publishers, e isso é inevitável. Elas precisam abrir canais com o consumidor e prestar serviços”, explica Musa.

A F.biz também se reestruturou recentemente e colocou o conteúdo de marca dentro de seu braço de criatividade, um dos três da agência, ao lado de estratégia e negócios. “Temos gerentes de conteúdo com conhecimentos variados, que complementam todo o pensamento de planejamento da marca para que possamos entender os canais e como atingir o público. O trabalho integra também a área de mídia, que fica no hub de estratégia. A F.biz entende que o conteúdo faz parte do cotidiano das marcas, é uma estratégia a mais de se obter engajamento de marca de um jeito autêntico, espontâneo e relevante”, explica Guilherme Jahara, CCO da agência. “Propaganda e conteúdo são maneiras diferentes de estabelecer uma conexão com as pessoas, seja lá qual for o formato de engajamento. Mas nem um nem outro é melhor ou pior. São simplesmente maneiras diferentes de se conectar as marcas às pessoas”, analisa.

Jahara observa que há aumento do interesse dos clientes em conteúdo, na medida que percebem que se trata de uma estratégia capaz de alcançar um grau amplo de engajamento e profundidade na comunicação das marcas. “Temos projetos que podem ser coproduzidos junto com os publishers ou pode-se trazer uma produtora, formando, neste caso, um tripé com agência, publisher e produtora”, explica. Alguns dos projetos de conteúdo da F.biz mencionados por Jahara são #CantStop, em parceria com Update or Die, para Oakley, que mostra personagens reais que fizeram da prática esportiva parte de seu estilo de vida, e Guia Jeep Quatro Rodas by Renegade, com roteiros de aventura que exploram a beleza de lugares como Delta do Parnaíba (PI) e Chapada dos Veadeiros (MG). “A linguagem de conteúdo deixou mais clara a importância de se considerar assuntos que as pessoas realmente queiram consumir. A marca não está impondo algo. Está, sim, inserida em um contexto pertinente”.

No segmento de relações públicas, a Little George ganhou dois Leões no Festival de Cannes de 2017 com Coleção segura – guerreiros da Amazônia, para a empresa química Ananse. A ação colocou repelente natural em livros distribuídos em regiões ribeirinhas da Amazônia que sofrem com mosquitos transmissores de doenças. “Não dá pra falar que você faz conteúdo se você está criando posts estáticos de Facebook usando imagens de bancos e acreditando que alguém vai se engajar com essa mensagem. Conteúdo de marca parte de uma análise de dados consistente para encontrar os melhores insights e territórios para posicionar as marcas e mostrar suas verdades através de experiências relevantes para o consumidor. Fazer conteúdo hoje é pensar todas as ideias completamente livre de formatos prontos”, comenta Gabriel Araújo, vice-presidente executivo e diretor de criação da Little George. Ele acredita que parte do mercado ainda está atrasada na missão de explicar e oferecer conteúdo aos clientes. “As agências que ainda estão entendendo como fazer conteúdo, já estão atrasadas para levar seus clientes para esse novo momento de nossa indústria”, analisa.

A entrada de agências de outras especialidades em conteúdo é bem vista por empresas que nasceram no setor, como a New Content. A empresa está no mercado desde 2007. “As marcas agora possuem canais proprietários, redes sociais e plataformas internas de CRM ainda mais digitalizadas. Os clientes têm uma oportunidade grande de distribuir esse conteúdo, histórias que eles querem contar, sem intermediadores. É mais do que normal que as agências de publicidade trabalhem nesta área também. E façam parceria com as produtoras de conteúdo para contar boas histórias”, afirma. A New Content, por exemplo, conquistou Cielo recentemente, após projetos com Y&R e Wunderman, agências da marca.

“A propaganda está numa instância de campanha e de divulgação. O conteúdo de marca até passa pela pauta comercial, mas está matriculada numa área mais profunda: o espírito da marca. E o consumidor está mais consciente em relação à verdade da marca e fareja rápido o que é conteúdo real ou propaganda disfarçada”, analisa Giovanni Rivetti, sócio e CEO da New Content. “Os melhores cases ocorrem quando as empresas possuem uma estrutura corporativa, um núcleo, que consegue reunir todas as demandas de distribuição de conteúdo, para termos um conteúdo coerente e consistente, uma voz de marca, temos de tratar do tema da governança”, analisa.

Novos sócios

Agência que sempre teve conteúdo como carro-chefe, a Mutato está mudando sua estrutura de liderança de forma que vai ao encontro da necessidade de ter uma entrega de conteúdo mais integrada com estratégia, mídia e produção. Daniel Cecconello e Decio Freitas são os novos sócios da agência, ao lado dos fundadores Eduardo Camargo e Andre Passamani. Eles terão o cargo de vice-presidentes de operações e negócios da agência, que tem o grupo WPP também como sócio.

Outra novidade da Mutato é que Fernanda Guimarães e Lara Kaletrianos passam a “duplar” como diretoras-executivas de criação e produção, respectivamente, trabalhando em conjunto com os diretores-executivos de estratégia (Daniel Gasparetti) e mídia (Adriano Souza). A missão de Fernanda e Lara é integrar produção e criação. Por fim, a agência está renovando seu estúdio de conteúdo, que passa a estar preparado para ser ocupado pelos times de criação e produção para shootings mais enxutos ou prototipagem de ideias. “Conteúdo é crucial. Quando eu e meu sócio, Andre Passamani, fundamos a Mutato já entendemos a mudança de paradigma que o mundo vivia e como isso iria impactar diretamente o modelo de negócio do nosso mercado. Hoje, já está bem claro que as pessoas não querem mais ver anúncios. Consequentemente, há uma corrida por parte de players mais dependentes do antigo modelo para se adequar a essa realidade. Ao mesmo tempo, vemos também uma pressão ainda maior por parte das pessoas em relação aos conteúdos que marcas produzem. É como se tivéssemos de negar a publicidade para conseguir fazê-la com excelência nos dias de hoje”, analisa Eduardo Camargo, sócio, CEO e CCO da agência.

Um dos projetos recentes da agência foi Repense o Elogio, que, a partir de um briefing da J. Walter Thompson de Sydney, se transformou em um documentário independente sobre o impacto negativo dos elogios no desenvolvimento de meninos e meninas. A agência também atende Netflix com conteúdos que buscam gerar conversas nas redes sociais. Uma pesquisa global identificou que o Brasil era o campeão de “traição” na plataforma, com pessoas que assistiam aos programas sem seus parceiros. Assim, foi criado o Teste de fidelidade, com João Kléber, com tom bem-humorado. “Esse é um momento de consolidação do conteúdo. Isso fica claro quando vemos, inclusive, marcas internalizando estruturas de conteúdo, veículos apostando em estúdios próprios para marcas e mais produtoras abrindo frentes de conteúdo. Cada um acaba trazendo seu ponto de vista e expertise”, afirma.