“Oi, tudo bem?”. Antes inofensiva, a pergunta sobre nosso estado atual ganhou outra conotação em meio à pandemia da Covid-19. Hoje, é difícil encontrar alguém realmente bem. Também pudera, a humanidade foi pega desprevenida frente a um inimigo desconhecido. O trabalho mudou – talvez para sempre? – e com o mercado da publicidade não foi diferente. Será que é ok não se sentir bem dadas as circunstâncias?

“Sempre foi ‘ok não se sentir bem’, mas o momento crítico que vivemos bateu na porta, entrou na nossa casa sem avisar, sentou no sofá e disse: vai continuar se enganando? Não tá ok, pra ninguém! Nas devidas proporções de desigualdade que se acentuam num cenário como este. O mercado de comunicação já vinha trazendo à tona assuntos que antes eram tabu e emergenciais como, por exemplo, o ambiente tóxico, a pressão, o racismo e o assédio nas agências. E trago isso a memória não pra gente desanimar, mas pra lembrar que nossos passos vem de longe”, reflete Renata Hilario, publicitária e mestre em comportamento do consumidor e inteligência de mercado pela ESPM.

Desde o início da pandemia, o mercado vem mostrando que não está bem. Afinal, como manter a sanidade em meio as mudanças bruscas, redução de salários e demissões? Uma pesquisa feita pelo publicitário Lucas Schuch mostrou que 65% dos profissionais de agência estão se sentindo menos saudáveis mentalmente neste momento de home office.

“As pessoas não estão apenas trabalhando de casa – elas estão em casa, em meio à uma pandemia, tentando trabalhar com produtividade. Ser gentil com essas pessoas passa por entender que precisamos dar estrutura de trabalho adequada (como cadeiras, máquinas adequadas ao ambiente de trabalho de cada um ou ajuda financeira para que tenham bom acesso à internet) – mas também precisamos promover outras atividades que as auxiliem no âmbito pessoal e emocional”, opina Camila Nakagawa, diretora executiva de negócios, operações e comunidades da iD\TBWA.

Ao mesmo tempo em que enfrenta a solidão, o mercado também cria métodos de ajuda mútua. Caso do Openess, do Papel & Caneta. Por meio de um filme, o coletivo promove mensagens que servem para iniciar o diálogo com alguém para quem o distanciamento social tem sido gatilho para ansiedade, depressão, medo e sensação de solidão.

Aliás, procurar ajuda é essencial neste momento, conforme explica Karina Rishi, gerente de Recursos Humanos Sênior da Jüssi. “Diante do atual cenário envolto de incertezas, medidas provisórias e gestão de crises, a geração de ansiedade e insegurança tende a aumentar, uma vez que não há clareza de quando e como essa fase irá passar”, analisa. Por isso, segundo a profissional, deve-se manter o foco também na saúde mental, além de incentivar ainda mais a abordagem desses assuntos. “Desta forma conseguimos amenizar os sintomas da melhor forma possível, por meio de ferramentas e procedimentos individualizados, trazendo mais harmonia entre as pessoas. Portanto, caso não se sinta bem, procure auxílio, sinalize”, orienta.

“Só agora em que estamos todos nos sentindo mal é que começamos a naturalizar nossos sentimentos ditos ruins, a verbalizar, a buscar apoio e a expressar isso através de mensagens e vídeo-chamadas com nossos amigos e familiares mas a verdade é que devemos aceitar o que sentimos sem julgar”, analisa Tullio Nicastro, VP de Estratégia da Mutato. “Se a gente sente é porque sente – e o primeiro passo (e o mais difícil) da aceitação é com a gente mesmo. Acredito que se duas pessoas que não estão bem fingem que estão, elas perdem uma oportunidade enorme de apoio e acolhimento. Nós aqui na Mutato sempre estivemos muito atentos a isso, além de fazer o possível para criar um ambiente onde as pessoas se sintam seguras em compartilhar as suas fragilidades buscamos também entender como o trabalho que fazemos aqui com as marcas podem, com o potencial de alcance, ajudar a desmistificar alguns tabus ainda tão caros para a nossa sociedade”, complementa.

Juliana Amorim, diretora de Cultura e Pessoas da F.biz, reitera que vivemos uma situação nova, cheia de informações e perspectivas imprecisas, que demandam maior esforço da nossa capacidade de adaptação – como toda mudança, em geral, é difícil e desgastante. “Quando somos nós que optamos por realizar alguma mudança na vida, existe uma predisposição consciente para promover tal mudança. O que aconteceu com a maioria das pessoas foi uma pressão externa, independente de nossa vontade, para mudar diversos hábitos e comportamentos em um curto espaço de tempo. Por isso, é importante entender que cada pessoa reage à situação de forma diferente, conforme a combinação das variáveis que impactam pensamentos e comportamentos, e cada um tem seu tempo de resposta para absorver e se adaptar às mudanças. Líderes e gestores devem estar preparados para lidar com essas diferenças e apoiar as pessoas na travessia deste momento complexo”, afirma.

Já Bruno Lunardon, sócio da SoWhat, não acredita que este sentimento seja aceitável. “Sabemos que as respostas que tínhamos para os problemas de ontem já não serão mais úteis para responder os desafios de amanhã”, pontua. “Temos plena certeza que de alguma forma vamos precisar começar do zero, resetar o nosso conhecimento e começar algo novo. No entanto, ainda não podemos sair de casa, conversar de frente com as pessoas, trocar perguntas e discussões ao vivo, olho no olho. Conversamos por meio de telefonemas, video chamadas e contatos pessoais totalmente impessoais”, pondera o profissional.

“A gente poderia considerar isso uma ansiedade. Mas eu discordo frontalmente desta simplificação. Outros falariam que é stress, também não concordo com isso. A sensação é muito mais complexa, caímos em um vazio, um período de incapacidade e impotência para fazer acontecer”, opina Lunardon.

Já Gustavo Macedo, head de data & BI da Talent Marcel, diz que sim, é ok não se sentir bem. “É muito mais do que ‘ok’, é ‘humano’ não se sentir bem”. “No entanto, uma coisa que aprendemos durante este curto espaço de tempo de isolamento social é que nem os mais apurados bits and bytes podem resolver algumas das equações cotidianas da Covid-19. A imprevisibilidade do cenário que vivemos é uma lição a ser tomada. O consumidor mudou seus hábitos drasticamente, não por interesse, afinidade, mas por necessidade”, avalia.

Macedo ainda destaca que é difícil, em momentos como este, lembrar que nossa saúde mental é tão importante quanto cuidar da saúde financeira, da saúde física. “Agora, sinto que essa equação mudou e a atenção ao equilíbrio emocional está ganhando ainda mais relevância na vida das pessoas. Estamos vivendo algo totalmente novo. Descobrindo e redescobrindo as relações pessoais e de consumo”, completa.

Para a Tech and Soul, agência que tem alma até no nome, “não dá para se cobrar o tempo todo”. “O importante é guardar energia e preservar a sanidade, nesse momento, para quando a retomada acontecer. Então remaremos forte e daí, ficar parado, não será ok”, finaliza Flavio Waiteman, sócio e CCO da agência.