Outro dia, enquanto abastecia o carro, o frentista me sugeriu baixar o aplicativo da bandeira do posto de gasolina para obter desconto no valor a pagar. Era um domingo, eu estava tranquilo e achei que valeria tentar. Mas depois de dez minutos esperando o app funcionar, paguei a conta sem o desconto e fui embora irritado.

Horas depois, já em casa, usei o app de uma rede de farmácias que promete entregar seu remédio em até 4 horas. Não queria sair e resolvi aproveitar essa facilidade proporcionada pelas iniciativas digitais das empresas. Além disso, eu receberia amigos para um jantar, e acessei o site de uma rede de supermercados para a compra dos itens que precisava. Deu tudo errado: não recebi o remédio e a compra do mercado chegou, já no começo da noite, com itens faltando. O jeito foi pedir pizza!

Você pode até dizer que foi a Lei de Murphy. Eu digo que isso, na verdade, é o resultado de ações bem intencionadas para as quais não foram tomados os cuidados necessários para evitar bugs e outros problemas. Os aplicativos oferecem às marcas a oportunidade de se comunicar melhor e fidelizar o cliente. Porém, um projeto de desenvolvimento de software também precisa levar em conta a gestão da qualidade.

De acordo com o Google, 79% dos usuários saem de um site e procuram por outro quando não gostam do que encontram. Prejuízo financeiro e de reputação para as marcas! Uma pesquisa realizada em 2017 pela empresa austríaca Tricentis, identificou 606 falhas de software, em 314 companhias, que impactaram 3,7 bilhões de pessoas e resultaram em US$ 1,7 trilhões em perdas financeiras.

Por isso, se for pra criar um canal de comunicação digital com seu consumidor, faça-o bem feito. Senão você corre o risco de ter, invés de clientes engajados, uma legião de consumidores frustrados.

Quer saber que cuidados você deve ter?

Certifique-se de que sua aplicação aguenta um grande número de acessos simultâneos

Será que sua aplicação está apta a receber milhares de acessos simultâneos? Testes de carga/desempenho são indicados para qualquer tipo de produto digital. Mas se você tem um produto com um alto volume de acessos, acaba correndo ainda mais riscos, pois o número de pessoas que podem ser impactadas em caso de falha, aumenta. Se a sua área de marketing também investiu pesado em mídia, o risco aumenta ainda mais.

Em 2017 a Niantic e a Pokémon Company realizaram a Pokémon Go Fest, para comemorar o primeiro ano do Pokémon Go. O evento que reuniu 20 mil pessoas para jogar e receber novidades sobre o game tinha tudo para ser um sucesso, não fosse um probleminha: os servidores não aguentaram tanta gente jogando ao mesmo tempo, no mesmo lugar. Além disso, as redes de celular ficaram sobrecarregadas.

Como as pessoas não conseguiram jogar, o ingresso (que custou US$ 20) foi reembolsado e US$ 100 foram adicionados em moedas de jogo na conta de cada pessoa registrada no evento. Considerando todos os custos de pessoal e locação, a Niantic perdeu US$ 400 mil em valores de ingressos que tiveram que ser reembolsados e mais US$ 2 milhões em moedas virtuais.

Verifique se seu produto digital se adequa às diferentes conexões de internet

Assim como outros países do mundo, o Brasil também está ansioso pela chegada do 5G, provavelmente entre 2020 e 2025. Mas enquanto isso não acontece, a prioridade ainda é universalizar o acesso à internet banda larga. Mesmo estando presente em grande parte do território brasileiro, a qualidade do sinal 4G ainda deixa bastante a desejar: segundo a OpenSignal, o Brasil fica em 52º lugar em um ranking de 90 países quando falamos de velocidade 4G – nossa velocidade de  conexão é menos da metade da de Singapura, líder do ranking.

Mas se você não pode mudar a velocidade de acesso do seu usuário, pode trabalhar para ter um produto mais ágil e que, em caso de demora por conexão ruim, deixe claro que o carregamento está sendo processado. Outra dica é lembrar de considerar experiências offline. O aplicativo de gerenciamento de projetos Trello é um ótimo exemplo disso. A maioria das funcionalidades permanece ativa mesmo se a  conectividade estiver ruim, e quando o usuário se conecta à rede novamente, o sistema sincroniza os dados necessários.

Preocupe-se com a experiência do usuário

Você realmente sabe como pensa e o que quer o público para o qual você entregará seu produto digital? Quando se fala em experiência do usuário, lembro de uma imagem emblemática que circula há tempos na web. É uma foto de um senhor caminhando por um trecho de terra aberto em meio a um gramado. Esse trecho deve ter sido “construído” ao longo do tempo, em função do excesso de pessoas que devem passar constantemente por ali. O curioso desta imagem é que logo ao lado há uma calçada que leva para o mesmo destino, mas que as pessoas não utilizam. Por quê será?

A reflexão sobre o porquê das pessoas preferirem seguir pelo caminho de terra, é a mesma que deve ser feita ao se construir uma jornada a ser seguida dentro do seu site, e-commerce ou app: “Essa é a melhor jornada para o meu usuário?”. Para isso, é fundamental conhecer seu consumidor, considerar a diferença de maturidade digital entre as pessoas, pensar em questões de acessibilidade, etc. Se você não se preocupa com isso, pode construir experiências pelas quais as pessoas não se sentirão motivadas a vivenciar.

Certifique-se de que seu produto digital entrega aquilo que se propôs a fazer

Lembra da minha tentativa de receber um remédio em casa? Ao inovar na forma como interage com seu público, a rede de farmácias tem que garantir que essa aplicação esteja integrada com os demais canais e processos do seu negócio. Deve se certificar, também, de que seu produto digital entrega o que promete: checar se todas as funcionalidades do app, como links, botões, integração da plataforma com o sistema de pagamento, etc., estejam funcionando corretamente.
Além disso, a boa experiência que uma marca oferece no mundo digital tem que reverberar no mundo offline; caso contrário, a frustração também acontece. Tenho um amigo que não volta mais às salas de cinema de uma famosa rede de entretenimento. Depois de comprar convites online para assistir Vingadores 3, ele teve que enfrentar uma fila, trocar o voucher do celular por um papel para que o atendente pudesse passar no código de barras e ficar com uma via. Resultado: perdeu os 15 minutos iniciais do filme.

A conveniência do acesso a informações e da capacidade de realizar tarefas digitalmente aumenta o potencial de produtividade e comodidade do cidadão comum a níveis jamais sonhados. Mas não há uma revolução sem seus efeitos colaterais. Por isso, aja como um detetive, certifique-se de que analisou todos os pontos que podem vir a ser um problema na sua estratégia digital, e tenha pessoas especializadas te ajudando com esse desafio. Não faça como a Nest, uma empresa de termostatos e detectores de fumaça para uso residencial integrados aos smartphones, que em 2016, no auge do inverno do hemisfério norte, deixou seus clientes gelados durante a noite, em função de um bug no software.

Bruno Abreu é CEO da Sofist, uma empresa especializada em redução e prevenção de problemas em produtos digitais por meio de testes profissionais de software